No dia 24 de março, dia da “Memória, Verdade e Justiça”, há 48 anos da ditadura cívico-militar, uma manifestação de mais de 400 mil transbordou a Praça de Maio em Buenos Aires. Como jamais visto, também nas capitais e cidades do país, este fenômeno multitudinário foi histórico. Foi um “Nunca Mais” contundente. Expressaram-se a memória do passado – 30 mil desaparecidos –, reação ao presente e preocupação pelo futuro.
Somou-se à memória uma manifestação de repúdio às ameaças e golpes à democracia e aos direitos humanos na Argentina de hoje como nos anos obscuros da ditadura (1976) e sufocantes de 2001. Os 3 meses do governo de extrema-direita e neoliberal de Milei, impõem recortes a galope e destruição injustificada do Estado em nome do “fim da casta” e do “déficit fiscal zero”; cortes aos subsídios à alimentação de famílias em extrema-pobreza, à saúde, aos remédios, à energia e transportes; demissões massivas de empregados públicos e fechamento de escritórios de instituições públicas como a ANSES (INSS); custo de vida e alimentar estelar, desregulação e alta dos aluguéis, recortes nas aposentadorias; tudo, gerando baixo consumo e fechamento de comércios e pequenas e médias indústrias. Fica evidente que para Milei a “casta”, cuja eliminação foi anunciada na campanha eleitoral, são os trabalhadores e aposentados.
Tudo ocorre, no marco do recorte orçamentário da Nação às Províncias, embate com governadores, extorsões aos legisladores para que se aprove o DNU (Decreto de Necessidade e Urgência) de Milei na Câmara de Deputados. DNU já rechaçado no Senado. Esse é o cenário da democracia política e formal. A democracia efetiva dos direitos econômicos dos trabalhadores já era. Os ajustes e recortes são operativos com ou sem DNU, com uma carga de crueldade e descontrole governativo inaudito.
O trabalhador argentino, a classe média e os anciãos, já sentem na pele e no bolso que eles são “a casta” e que a democracia está em risco. Em 3 meses da presidência de Milei, ocorreram 3 manifestações multitudinárias: na greve geral do 26 de janeiro da CGT/CTA e sindicatos e movimentos sociais, no 8 de março das mulheres pelo “Nem uma menos”, e no 24 de Março pelo “Nunca mais”.
Como jamais ocorrido na história do país, a TV Pública (interditada, esvaziada com demissões arbitrárias) foi impedida de dar cobertura à manifestação de 24 de Março. Soma-se a esse golpe anti-democrático na área comunicacional a demissão de 700 trabalhadores da Telam, Agência Nacional de Notícias. Graças aos jornalistas, repórteres e fotógrafos da ex-Telam que criaram o site SomosTelam, pôde-se assistir os melhores momentos deste dia da Memória. https://somostelam.com.ar/48-aniversario-de-la-ultima-dictadura-civico-eclesiastica-militar-argentina/ Ao mesmo tempo, não faltaram cartazes solidários da FATPREN, SiPreBa solidários aos trabalhadores da TV Pública, Radio Nacional e CONICET (Ciência e Tecnologia), INCAA (Instituto Nacional do Cinema e Artes Audiovisuales), agora interditados e reduzidos pelo governo de Milei. A olhos vistos, ocorre uma redução de recursos financeiros e humanos. Muito claro: um saqueio contra o Estado.
Além do cordão histórico do movimento das Mães e Avós da Praça de Maio, dirigidas por Nora Cortiñas, Taty Almeida, Estela de Carlotto e tantas recordando Hebe de Bonafini, com a faixa azul das fotos representando os 30 mil, carregada pelos familiares, desfilaram a CGT/CTAs, ATEs e UPCN (das estatais), UTEP (economia popular), movimentos sociais, partidos de esquerda e assembleias de bairro; famílias com crianças que transbordavam os metrôs; cantavam, se abraçavam e se comoviam, como nunca. Em várias escolas públicas primárias, realizaram-se atos sobre o Dia da Memória como bagagem cultural histórica.
Foi um grande reencontro popular de forças, incluindo eleitores de Milei arrependidos. Perez Esquivel, prêmio Nobel da paz, como sempre, marcou presença. O “Nunca Mais” foi contundente, sobretudo havendo ocorrido recentemente um repudiável fato repressivo: uma militante do movimento solidário HIJOS (filhos e filhas de desaparecidos) foi assaltada, torturada, abusada e ameaçada de morte na sua residência por indivíduos encapuçados, tal e qual nos tempos da ditadura.
O movimento kirchnerista “La Campora” caminhou, como sempre, 13 km desde a ex-Escola Mecânica da Armada (ESMA), ex-centro de torturas e desaparecimentos na ditadura, que Nestor Kirchner transformou em Museu da Memória. O cartaz principal era: “30 mil razões para se manifestar”. Dirigentes como Juan Grabois, da Frente Pátria Grande, disseram: “Mais que nunca há que dizer Nunca Mais ao terrorismo de Estado e à miséria planificada”.
O governador da Província de Buenos Aires, Axel Kicillof disse no palco da Praça de Maio: “Que entendam bem: viemos pela Memória, pela Verdade e pela Justiça, para defender o direito à saúde, à educação e à dignidade e para marchar pela soberania e pelo futuro. Hoje reafirmamos que foram 30 mil companheiros detidos-desaparecidos e que estão presentes agora e sempre!”…“Acho que alguns pensaram que tinham desviado o nosso rumo, mas este 24 de março é um dos mais importantes desde o retorno da democracia”. O governo nacional divulgou um vídeo negacionista sobre a cifra de 30 mil detidos e desaparecidos na última ditadura, na linha da vice-presidenta Victoria Villarruel, que nega que foi um terrorismo de Estado e afirma que foi “uma guerra entre dois demônios”; argumento usado para indultar os genocidas. Kicillof disse que a realidade é que os repressores “foram julgados e presos por desaparecerem, por torturarem e por roubarem crianças”.
Uma resposta veio por parte da Justiça justo dois dias depois deste 24 de março. O Tribunal TOF 1 de La Plata ditou 10 prisões perpétuas, 25 anos e uma absolvição, após quatro anos de processo relativo a 600 vítimas em quatro campos de concentração. Refere-se à conhecida repressão em 1976 aos estudantes de escola secundária na “Noite dos Lápis” em La Plata. Publicado na Página12.
O secretário geral da ATE (Associação dos Trabalhadores do Estado), Rodolfo Aguiar diz: “Até agora, todas as medidas do Governo visam erradicar direitos, destruir empregos e demolir os rendimentos dos trabalhadores, aposentados e setores populares” … “As confederações sindicais devem acelerar os passos para uma nova greve geral”. “Devemos evitar que o pacto de entrega do nosso país seja assinado em 25 de maio e só conseguiremos isso estando nas ruas”. … “Não estamos defendendo privilégios. Estamos defendendo políticas públicas” … “Queremos um Estado a serviço do povo e rejeitamos qualquer possibilidade de o Estado representar ou ser fiador dos interesses das grandes corporações empresariais como pretende Milei”.
Enfim, neste 24 de março, o povo argentino, seja organizado ou autoconvocado, expressou sua capacidade de ação coletiva para exigir justiça social, e sua aptidão não passiva à resistência. Agora, é hora das lideranças políticas dos movimentos sociais, legislativos, sindicais e judiciais constitucionalistas a se nutrir deste impulso e apontar uma saída.
*Alba F. Gonzáles é correspondente de Pátria Latina em Buenos Aires
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