Por muito tempo acreditou-se que o Brasil, com sua postura diplomática, dificilmente seria alvo de sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e seus aliados europeus. A
notícia de possíveis sanções a uma empresa brasileira chega, então, como um balde de água fria para as autoridades brasileiras, que veem agora que o país pode estar na mira do Ocidente.
Esta não é nem a primeira vez que a nação brasileira foi afetada por sanções ocidentais a outros países, afirma Marcos Cordeiro Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
A Embraer, em 2006, foi proibida pelos Estados Unidos de vender seu modelo Super Tucano à Venezuela, na época governada por Hugo Chávez.
Um caso mais recente foi quando em 2019 dois navios de grãos iranianos ficaram presos por
cinco semanas no porto de Paranaguá, “porque
a Petrobras se recusava a abastecê-los por receio de burlar sanções impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos”, detalha.
Ou ainda, um outro “desconforto” internacional ainda mais recente, ocorreu neste ano quando houve dúvidas se o reabastecimento do avião do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, infringiria as sanções anti-Rússia de Washington. No final, Lavrov, que estava de visita ao Brasil, teve de fazer parte do trajeto em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).
No entanto, a ameaça estadunidense de sancionar uma empresa brasileira, como a Avibras, é inédita e, segundo Pires, “grave”. “Existe um longa aliança entre as forças militares brasileiras com o Pentágono, além do país estar sob a área de responsabilidade do Comando Sul”, explica.
“Nesse aspecto, há um veto explícito para a presença de ‘potências extrarregionais’ no sistema de defesa dos países latino-americanos.”
BRICS deve se posicionar contra as sanções
Em junho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, pediu que os países parceiros do BRICS tenham um papel mais ativo contra as sanções. Hoje, vários países do BRICS enfrentam algum tipo de sanções por parte dos Estados Unidos, mas nenhum tanto quanto a Rússia, a China e o Irã.
Marina Moreno Farias, mestranda em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista residente no think tank Observa China e integrante do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina), explica que, diferentemente de outras armas militares, “a bomba-dólar não pode ser replicada por nenhum outro país”.
“Por mais que outros países possam aplicar sanções, a maneira pela qual as sanções norte-americanas são aplicadas é singular.”
Segundo Farias, isso se deve ao papel que o dólar americano tem na economia mundial, atuando como unidade de conta que
denomina os pagamentos e os contratos:
“as obrigações financeiras do mundo”.
Utilizando o dólar como sua principal arma no mundo atual, os EUA conseguem “efetivamente fechar a comunicação econômica e financeira de outros países e estrangular essas economias. Essa é a sanção financeira, realizada, geralmente através do sistema SWIFT”.
O SWIFT, explica a pesquisadora, “não é um mecanismo de pagamentos”, mas sim uma plataforma que padroniza as comunicações interbancárias ao redor do mundo. Logo, quando um país tem seu acesso negado ao sistema, ele “terá que lidar com a impossibilidade de comunicação entre os seus bancos comerciais e os bancos de outros países”.
Dentre as principais consequências disso está seu isolamento comercial e o congelamento das reservas internacionais dos bancos centrais, “que incluem títulos do tesouro e depósitos bancários”.
“O país que não puder acessar essas reservas vai ter um estrangulamento dessa economia, uma depreciação da moeda e vai poder mergulhar numa crise econômica profunda.”
Foi o caso de Cuba e do Irã, que tiveram suas economias drenadas tanto por sanções comerciais, como tarifas e proibições de venda e compra de mercadorias, e financeiras com sua exclusão de mecanismos como o SWIFT e sua desconexão do resto da economia mundial.
No entanto, aponta Farias, isso não aconteceu com a Rússia nem com a China.
“Inclusive a Rússia é uma economia que cresce mais do que a Alemanha”, destaca.
A verdade é que a envergadura de ambas as economias permitem contornar as sanções ocidentais, que são muito mais amplas no caso da Rússia que viu desde bloqueios comerciais, sanções a indivíduos e o congelamento de suas reservas, enquanto na China se tratam mais de sanções à empresas específicas para que o país não desenvolva determinadas tecnologias.
“As sanções econômicas só funcionam se foram impostas em um país economicamente mais frágil, que não tem caminhos, iniciativas e ferramentas próprias ou conjuntas fora do âmbito do dólar. É o que a Rússia tem nos mostrado.”
Para Marcos Cordeiro Pires, no entanto, dentro do âmbito do BRICS há dois estados mais vulneráveis a possíveis sanções norte-americanas, o Brasil e a África do Sul, “pois estes não possuem capacidades estratégicas e estão fortemente vinculados economicamente, politicamente e culturalmente com os estadunidenses.”
“Nesse contexto, como o Brasil não pode mudar sua posição geográfica, é preciso que nossos dirigentes tenham uma visão estratégica pragmática para lutar contra a polarização que não interessa à população brasileira.”
“No entanto”, diz o professor, “as sanções podem muito, mas não podem tudo”.
“A utilização do dólar como arma está forçando a criação de um sistema monetário alternativo.”
E até mesmo o Irã, ressalta, “está conseguindo resistir às sanções ocidentais
por maior comércio com os países da Ásia, como China, Índia e Rússia”.
Há, então, sublinha Farias “uma ‘falência’ da sanção enquanto arma econômica” que embora não tenha dado os resultados desejado, “continua sendo implementada”.
Nesse sentido, diagnostica a pesquisadora, é justamente a constante ameaça norte-americana de sanções financeira que “dão um grande empurrão para que os outros países pensem em formas alternativas de lidar com suas economias”.
“Para que outros países como o Brasil começassem a falar em desdolarização, porque se pode criar, impor sanções a esses países dessa magnitude, por que não fariam comigo?”, questionou.
Como grande exemplo dessa nova ordem multipolar “anti-imperialista”, ambos analistas apontam para a ascensão do BRICS, que tem conseguido mais e mais uma proeminência no cenário global.
“Isso cria um protagonismo maior para o grupo que se coloca como alternativa àquilo que tínhamos estabelecido por tantos anos, que é basicamente a unipolaridade americana, com a Europa ali sendo basicamente só uma apoiadora dos Estados Unidos.”