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sábado, 5 outubro, 2024

Anatomia da “crise do gás” na UE – O desastre infligido à Europa pelos vassalos não eleitos dos EUA

Jorge Vilches [*]

A Europa hoje não tem – ou possivelmente nunca teve – uma visão eficaz de estratégia existencial que faça sentido a fim de viver em paz. Além disso, como se não estivesse consciente da derrocada que está para vir, líderes da UE insistem com firmeza nas suas políticas fracassadas. Agora, o antigo chanceler Gerhard Schroeder propõe resolver a auto-infligida “crise do gás” da UE mediante o lançamento do gasoduto Nord Stream 2 (NS2)… apesar de as autoridades alemão terem reiteradamente rejeitado esta ideia.

Hoje a UE é governada por impulsos infantis que levam necessariamente à confusão e à auto-destruição. Primeiro a UE impões sanções altamente debilitantes ao seu parceiro russo e a seguir exige-lhe a entrega plena do seu gás natural – mesmo sob a presente situação mais especial – enquanto viola flagrantemente cláusulas do contrato bem conhecidas. Consequentemente, é óbvio que a assumida “crise energética” europeia realmente não existe como tal, seja para o gás natural, o petróleo, refinados, carvão, varetas de urânio… ou o que quer seja. Porque se existisse de facto uma “crise energética” genuína, a Europa não teria pleno acesso à energia tangível da Rússia – o que não é o caso. Realmente, a Europa tem um acesso invejável e excelente a fornecedores russos de alta qualidade, comprovados, rápidos, sem perturbações, próximos, com entregas porta-a-porta de energia verdadeiramente barata, dispostos e capazes de entregar as mercadorias de modo confiável como sempre o fizeram desde há décadas.

Violações de contrato

Mas além de ser imatura, a UE pode também ser altamente criativa. Por exemplo, ao jogar jogos com exigências contratuais sacrossantas no caso da famosa turbina peripatética Siemens NS1 #073… agora encalhada em Mülheim an der Ruhr após um episódio de manutenção ainda inacabado nas muito distantes instalações da Siemens Canadá. Consequentemente, a Gazprom da Rússia rejeitou aceitar a entrega da turbina #073.

“Os regimes de sanções do Canadá, da UE, do RU e uma incompatibilidade da situação atual com as obrigações contratuais existentes por parte da Siemens tornam impossivel a entrega do motor 073 à estação de compressão de Portovaya (russa)”. A Gazprom afirma que documentos essenciais não foram apresentados declarando que a turbina 073 não está sob sanções. “Palavras não são suficientes”.
Ref #1 https://www.rt.com/business/560216-kremlin-responds-german-turbine-accusation/

Além disso, o ministro do Recursos Naturais do Canadá, Jonathan Wilkinson, declarou que “o Canadá concede uma permissão por tempo limitado e revogável para a Siemens Canada destinada a permitir o retorno das turbinas Nordstream 1 reparadas à Alemanha…” Assim, nenhum retorno direto para a Rússia – o que é uma clara quebra de contrato – e também sob condições limitadas no tempo e revogáveis, o que é uma violação adicional do contrato simplesmente porque a turbina #073 ainda não está livre de sanções e portanto não é assegurável. O porta-voz Dmitry Peskov deixou claro que a turbina fora enviada para a Alemanha sem o consentimento da Rússia e que na situação atual Moscovo agora deveria certificar-se de que a turbina “não pode ser parada remotamente”… A sabotagem não pode ser excluída no momento em que a Alemanha está ativamente a enviar armas para a Ucrânia a fim de matar russos.
Ref #2 https://nationworldnews.com/gazprom-repeats-west-bloks-nord-stream-turbine-shipments/
Ref #3 https://www.ft.com/content/d926a768-f976-4bee-823c-0f255afb7087
Ref #8 https://tass.com/economy/1477929
Ref #4 https://www.reuters.com/article/ukraine-crisis-gas-nordstream/update-1-russias-gazprom-sanctions-make-delivery-of-nord-stream-turbine-impossible-idUKL8N2ZF6SQ
Ref #5 https://news.yahoo.com/turbine-works-germanys-scholz-points-083241601.html

O que aconteceu?

As sanções da UE fecharam vários pipelines russos, atando completamente as mãos da Gazprom. A Ucrânia e a Polónia efetivamente fecharam o gasoduto Yamal-Europa. A Ucrânia fez isto abertamente por razões estritamente políticas, enquanto a Polónia por recusar-se a pagar sob o novo esquema gás-por-rublos. Além disso, o gasoduto NS1 ainda sofre os problemas do serviço tumultuoso da Siemens Canada. Adicionalmente, a Gazprom é incapaz de utilizar plenamente outra rota de gasoduto pois a Ucrânia tem rejeitado seus pedidos de trânsito. Em suma, a Europa isolou-se pró-ativamente do gás russo. Vá-se lá entender…

Et tu Siemens?

A Siemens Energy é a fabricante das turbinas do NS1 direta e contratualmente responsável pela manutenção regular e adequado funcionamento de todas as turbinas do NS1, de propriedade da Rússia. A Siemens declarou agora oficialmente o que a Gazprom tem estado a dizer o tempo todo, nomeadamente que apenas uma das cinco turbinas do NS1 está verdadeiramente operacional e capaz de entregar gás. Naturalmente, isto significa que a Europa é capaz de receber apenas 20% do muito necessário gás natural da Rússia pois a condição das quatro turbinas remanescentes do NS1 ainda está indefinida. Segundo o antigo chanceler alemão Gerhard Schroeder, a redução da capacidade de fluxo do NS1 é inteiramente culpa da Siemens, não da Gazprom. As sanções obviamente ainda se aplicam à turbina #073 e certamente a qualquer outra peça de equipamento relacionada com a Rússia ou produto ou programa ou o que quer que seja russo.

Et tu Gazprom?

Vitaly Markelov, vice-presidente da Gazprom, disse que a Siemens não cumpriu suas obrigações de manter adequadamente os motores do NS1 e portanto vários equipamentos atualmente estão ociosos. Além disso, a Gazprom afirma que não recebeu da Siemens os exigidos, bem conhecidos, conjuntos completos de documentos que permitem o transporte, serviço de manutenção e reparações dos equipamento de propriedade russa. A UE continua a jogar uma série de jogos infantis enquanto o inverno está cada vez mais próximo. Se a Gazprom aceitasse a turbina ficaria responsável por romper ilegalmente o regime de sanções da UE além de outras complicações desfavoráveis. Há montes de leis manhosas aqui envolvidas enquanto a UE não consegue parar de cavar um buraco cada vez mais fundo para si própria. O que há de horrivelmente errado com os europeus? Por que insistem eles em sufocarem-se no seu próprio vómito? As sanções da UE foram revertidas quanto ao seguro sobre o frete de navios com petróleo russo, não é? Pois façam isso agora, seus palhaços ignorantes.

A Gazprom afirma: “As atuais sanções anti-russas estão a dificultar a resolução com êxito da questão do transporte e reparação dos motores da turbina a gás da Siemens para a estação de compressão de Portovaya, a qual abastece gás para os consumidores europeus através do gasoduto Nord Stream”.
Ref #6 https://www.rt.com/business/560144-turbine-manufacturer-explains-gas-shortfall/
Ref #7 https://www.rfi.fr/en/business-and-tech/20220803-gazprom-says-gas-turbine-delivery-to-russia-impossible-due-to-sanctions
Ref #8 https://www.rt.com/business/560232-gazprom-explains-turbine-complications/

Gerhard Schroeder.

A “solução” NS2

Em todas as guerras mundiais da história, nenhuma ajuda imediata foi disponibilizada por qualquer inimigo. Muito menos tal ajuda incluiria alguma vez o sangue vital da economia da Europa, inclusive produtos vitais e energia. Assim, a Rússia não é neste momento o “inimigo” da Europa. Hoje a indústria e as famílias europeias estão simplesmente a passar uma falsa “crise energética” devido a decisões tomadas por políticos não eleitos da UE que não representam os melhores interesses da Europa. Agora, insiste o ex-chanceler Gerhard Schroeder numa entrevista à Stern Magazine, o gasoduto NS2 com turbinas fabricadas pela Rússia resolveria imediatamente a “crise energética” da Europa – possivelmente terminal – no inverno 2022-2023.
Ref #9 https://www.rt.com/business/560125-gerhard-schroeder-nord-stream-gas/

Três problemas do NS2

Mas há três grandes “problemas” a serem resolvidos. O problema número um é a, absurdamente exigida, aprovação política da ideia como explicado abaixo. O problema número dois é a premência de tempo pois a certificação do NS2 e o processo de comissionamento teriam de começar agora – o que quer dizer ontem – a fim de possivelmente fazê-lo com a brevidade suficiente pois o problema #1 ou #2 não são simples nem de resolução rápida. Por que isso? Bem, uma razão é a dependência de autorização dos EUA de qualquer coisa significativa para a Europa, o que agora é claramente exposto para todos verem. Isto também inclui, entre outras coisas, quaisquer decisões europeias de comércio e investimento com a Rússia. Além disso, devido a razões graves e mais válidas tecnicamente, várias semanas são necessárias antes que qualquer fluxo de gás natural possa escoar-se da Rússia para a Alemanha através do NS2. Caso contrário, os riscos de acidentes graves e/ou mau funcionamento poderiam significar o fim súbito de qualquer possível solução com êxito do problema em causa. A generalidade das pessoas – e mesmo políticos especializados de alto escalão – muitas vezes pensam que os fluxos de petróleo & gás podem ser ligados e desligados com o pressionar de um interruptor. Naturalmente, tudo o acima exige além disso cooperação alemã e decisões corretas tais como não utilizar instalações terminais do NS2 para quaisquer outros fins além daqueles a que foram destinados originalmente com critérios específicos de tecnologia de construção. Isto é da mais absoluta importância porque responsáveis alemães já anunciaram a sua ideia de “acelerar” e complementar a instalação de terminais de GNL com as hub-heads disponíveis do NS2 a fim de apoiar importações não russas de GNL.

E o problema número três é que nesta fase muito tardia do jogo a Gazprom só poderia entregar 25% da sua capacidade nominal. Em Maio, o presidente Putin da Rússia especificamente preveniu o chanceler alemão Scholz de que a Gazprom havia contratualmente reservado a capacidade de entrega do NS2 a qual precisava ser efetivamente comprada pois não podia permanecer indefinidamente suspensa no ar. Assim, o presidente Putin também advertiu o chanceler Scholz de que a Rússia seria forçada em breve a reencaminhar metade do volume do NS2 para consumo e processamento interno. Portanto, mesmo se a Gazprom fosse devidamente autorizada a lançar o NS2 amanhã de manhã, ela injetaria apenas 50% da capacidade nominal para que foi concebida originalmente. E uma vez que já estamos em mais da metade de 2022, isso seria apenas 20-25%… ou menos.
Ref # 10 https://www.aa.com.tr/en/energy/general/germany-unable-to-use-second-nord-stream-2-line-before-2028-gazprom/35291

Interferência dos EUA

Os EUA não dão liberdade à Europa para tomar decisões racionais, simplesmente porque a Europa constitui um grupo heterogéneo de estados vassalos ainda sob a ocupação militar estado-unidense. O gasoduto NS2 corre sob o Mar Báltico da Rússia para a Alemanha, junto ao agora problemático NS1. A sua construção foi completada recentemente mas foi-lhe negada certificação e comissionamento pelas autoridades alemãs antes da crise na Ucrânia. Apesar da insistência do ex-chanceler Gerhard Schroeder, o governo alemão disse reiteradamente que o lançamento do NS2 está agora fora de questão. É impossível inventar estas coisas…

Tempestade perfeita na UE

Tempestade.

“A Europa está a enfrentar uma tempestade perfeita:   preços de energia em alta, crescimento económico em baixo e inverno a aproximar-se”, como oficialmente declarado pelo sr. Josep Borrell, o diplomata principal da UE e Alto Representante para Negócios Externos e Política de Segurança.

Acrescente-se a isto os níveis de água mais baixos de sempre no Rio Reno – quase intransitável para barcaças de qualquer calado – e fica-se com a ideia. Este nível ultra-baixo do Reno restringe tremendamente – e possivelmente pode cortar – os prementes carregamentos de carvão para as agora absurdamente re-comissionadas centrais termoelétricas. Naturalmente, isto também impacta as entregas físicas de tudo – não apenas de combustíveis e matérias-primas – com custos necessariamente muito mais elevados que exigem camiões não disponíveis. “O risco aqui é o comércio de enormes quantidades de commodities que de outra forma seriam utilizadas para evitar uma crise económica com o congestionamento no Reno quando os níveis da água tornam certas partes intransitáveis. Os custos de despacho do carvão estão portanto a aumentar, o que por sua vez incha os custos das fábricas que com ele operam”.

Os baixos níveis de água já vão a forçar a “operação irregular” de uma central termoelétrica a carvão da [empresa] Uniper, a Staudinger-5, com 510 megawatts, durante a primeira quinzena de Setembro porque cada vez menos barcaças foram capazes de entregar carvão e os stocks minguam. Águas do Reno com níveis abaixo dos 40 centímetros em Kaub interromperiam fretes internos por via fluvial para a central termoelétrica, forçando fretes por terra altamente dispendiosos e ineficientes. Muitas outras indústrias chave são gravemente afetadas.

O Rio Reno afeta diretamente a logística comercial e industrial de vários países chave europeus, nomeadamente a Áustria, Suíça, Alemanha, França e Holanda enquanto indiretamente afeta muitos outros ou, em alguns casos, todos os outros. Em particular, o über-importante sistema de transporte interno alemão – e portanto toda as redes de cadeias de abastecimento – dependem de níveis normais nas águas do Reno. Porque não se trata apenas de uma questão de fornecer a qualidade, a quantidade e o preço certos de qualquer produto. É igualmente importante recebê-lo Just-In-Time em unidades de processamento como refinarias ou centrais elétricas. Simultaneamente, todas as partes interessadas europeias estão a competir entre si com unhas e dentes para encontrar, contratar e reter exatamente os mesmos recursos a fim de resolver os mesmos problemas inesperados de uma vez por todas e na mesma data.
Ref #11 https://www.eeas.europa.eu/eeas/europe%E2%80%99s-energy-balancing-act_en
Ref #12 https://www.zerohedge.com/commodities/german-barge-traffic-shrinks-rhine-water-levels-fall
Ref #13 https://thesaker.is/europe-hypnotized-into-war-economy/
Ref #14 https://www.zerohedge.com/commodities/germanys-uniper-warns-irregular-operation-power-plant-rhine-river-dries

[*] Escritor.

O original encontra-se em thesaker.is/anatomy-of-the-eu-gas-crisis/

Este artigo encontra-se em resistir.info

 

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