Com um histórico de exploração por potências ocidentais e atualmente preterida por esses mesmos países, a África é tratada pela China como uma oportunidade política e econômica.
Em setembro,
durante o Fórum para Cooperação China-África, realizado em Pequim, o presidente chinês, Xi Jinping, firmou o compromisso de aumentar para
US$ 51 bilhões (R$ 286 bilhões) a assistência financeira ao continente africano ao longo dos próximos três anos.
Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas explicam por que a África atrai tanto interesse da China e quais os principais setores de investimento de Pequim no continente.
Marcos Cordeiro, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-graduação em ciências sociais na mesma universidade e no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas, explica que os principais destinos dos investimentos da China na África são os setores de infraestrutura, ferrovias, hidrelétricas, estradas, mineração e, mais recentemente, a criação de parques industriais em diversos países.
Ele rechaça a ideia propagada por alguns analistas de que os investimentos chineses são uma forma de Pequim dominar a África, afirmando que essa tese é dita por aqueles que querem desviar o foco do projeto chinês, que são justamente os mesmos que por séculos espoliaram o continente e agora creem que as iniciativas chinesas serão
iguais às do Ocidente, ou seja,
espoliar, criar dívidas, implementar reformas liberais e depois deixar a África à deriva.
“A maior parte dos países da África em 2024 […] teve taxa de crescimento superior a 5%. Grande parte do impulso para esse crescimento, com certeza, está vinculado a uma série de projetos chineses na África.”
Segundo ele, uma das principais características dos investimentos chineses é inverter a
lógica da assistência internacional — em primeiro lugar, fazendo investimentos que criam bases para o desenvolvimento, que depois possibilitarão a criação de uma demanda.
“Se a China financia uma ferrovia grande, bonita, moderna, como a do Quênia, é porque ela tem a tecnologia, […] projetos de engenharia, capacidade [para realizar a obra]. […] Por outro lado, quando se cria uma infraestrutura de transporte, viabiliza economicamente a produção agrícola, mineral, industrial, então a China faz um investimento olhando o longo prazo, a criação de renda, a criação de novos mercados e aquilo que ela necessita de forma mais urgente, que é garantir sua soberania ou abastecimento de alimentos e matérias-primas.”
Cordeiro afirma que desde que a China ascendeu como uma república popular, em 1949, “ela sempre esteve, do ponto de vista concreto, apoiando os países recém-saídos do colonialismo”.
“A China foi uma grande liderança na Conferência de Bandung, que reuniu os países da África e da Ásia como uma estratégia de se reerguer depois do colonialismo. […] No começo dos anos 50, a China ajudou, mesmo muito pobre, mesmo sem recursos, a fazer uma ferrovia ligando a Zâmbia até a Tanzânia. É uma ferrovia emblemática, que contribuiu, dentre outras coisas, para garantir a própria independência da Zâmbia e da Tanzânia”, afirma.
Outro ponto importante na corrida da China pela África, segundo o especialista, é a não interferência, a capacidade de fazer negócios sem impor “um pacote completo de modelo político, de modelo de sociedade, de valores, de religião”.
“A China não exporta o próprio modelo, não tem uma religião para exportar, não diz o que é certo ou o que é errado em assuntos internos de outros países. Talvez ela até seja criticada justamente por esse tipo de pragmatismo, porque ela respeita a própria ordem nacional de cada país e vai lidando com o país do jeito que ele realmente é, não daquele que a China gostaria que fosse.”
Energia limpa e difusão da cultura chinesa
Amabilly Bonacina, bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestre em ciência política pela Universidade de Montreal e pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos Africanos da Faculdade de Ciências Econômicas (CEBRAFRICA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), enfatiza que o principal alvo dos investimentos chineses, hoje, na África, é o setor de energia, que afirma ser o maior gargalo para o desenvolvimento do continente.
Bonacinaafirma que, atualmente, a tecnologia chinesa é quase um monopólio na produção de energia solar no continente africano. Segundo ela, “apesar da existência de recursos, como vento e luminosidade solar para as fazendas de produção de energia solar, ainda há pouca infraestrutura nesse sentido” no continente.
“Hoje, os painéis e tudo o que compõe a cadeia de produção de energia solar […] é mais ou menos 75% produzido na China. Então eles acabam sendo o parceiro natural porque têm essa tecnologia e estão dispostos a cooperar com termos interessantes para os países em desenvolvimento e para os países africanos em específico”, explica.
Ela afirma ainda que a China tem investido em difundir sua cultura na África, aumentando exponencialmente o número de institutos Confúcio pelo continente.
“Penso também no caso dos programas de rádio, que rádio ainda é um dos meios de comunicação mais utilizados pelos africanos, e existem programas de rádio que são desenvolvidos para tentar ampliar o acesso dos africanos à cultura chinesa.”
Bonacina sublinha que outro dado interessante no investimento em longo prazo da China na África é a explosão demográfica prevista para acontecer em 2050 no continente africano.
“Essa explosão demográfica significa pessoas jovens. E essas pessoas jovens são um grande mercado consumidor para os produtos excedentes da economia chinesa. Então eu acho que, mesmo que não seja tão evidente agora, o fator demográfico vai ser muito importante no futuro, e eu acho que não vai ter outro lugar que nem o continente africano daqui a 50 anos nessas questões de demografia”, explica.