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quarta-feira, 18 setembro, 2024

 América Latina sem soberania – Crônicas de arrogância, rapina e maldade (6)

Pedro Augusto Pinho*

6ª Crônica – Os males que vêm se aprofundam, e duram muito mais.

Nos anos 1980, um tsunami abalou a civilização que se construía há bem uns dois séculos e meio: a civilização industrial, com os recursos das energias fósseis. Esta onda demolidora dos Estados Nacionais já se mostrara uma década antes, no que ela denominara “crises do petróleo” (1973,1979).

Ora, caros leitores, não era o petróleo, esta mistura de hidrocarbonetos, que estava em crise. Era a espoliação que algumas nações industrializadas faziam daquelas exportadoras de produtos primários, sem qualquer beneficiamento, que recebiam, em moeda constante, o mesmo preço pelo barril exportado que o de 1928 (Acordo Achnacarry), meio século antes.

Já se pode perceber, nesta expressão: crise do petróleo, que o inimigo era astuto, sabia o poder da mensagem e das palavras, trabalhava-as como arma de guerra, não como meio de comunicação.

Tudo começara pelos anos da II Grande Guerra, que aperfeiçoara a transmissão de mensagens até as grandes descobertas e invenções da década de 1940: o computador (Electronic Numerical Integrator And Computer, Eniac, 1946), a Teoria Matemática da Comunicação, desenvolvida pelos matemáticos Claude Shannon e Warren Weaver (1949), e a esquematização do fluxo informacional possibilitando interferir, isoladamente, nos três pontos chave: a emissão/recepção, a conversão para atravessar o canal, e o próprio canal.

Enquanto os industriais viam na informática apenas o meio de afastar o ser humano do processo produtivo, pela automação, pela robotização, os financistas, que davam as cartas até o século XIX, percebiam a força das mensagens indo direto ao inconsciente das pessoas, influenciando suas percepções com as sutilezas verbais como exemplificado nas “crises do petróleo”, ou seja, a mistura de hidrogênio e carbono provocasse crise.

Na década de 1980, governos nacionais perdem seus papeis disciplinadores ao abolir os controles da circulação da moeda, ao desregularem as finanças das obrigações em seus próprios países. E, expandindo para todo mundo sob sua dominação as desregulações financeiras. Era o mundo dos paraísos fiscais que se abria. Da ordem de uma dezena, em 1980, passaram a quase uma centena em 20 anos.

PARAÍSOS FISCAIS E O MUNDO DAS FINANÇAS

Em 2019, a relação de 84 paraísos estava assim distribuída:

  1. a) nos territórios da Commonwealth Britânica: 32, como a City (bairro autônomo de Londres), as Ilhas Cayman (Caribe) e Seychelles (África) e Ilhas do Canal da Mancha (Alderney, Guernsey, Jersey, e as menores Casquets, Crevichou, Houmets, Les Dirouilles, Ortac e Pierres de Lecq);

  2. b) em territórios estadunidenses: dez, como Delaware, pequeno Estado no nordeste dos Estados Unidos da América (EUA), Porto Rico (Caribe) e Ilhas Marshall (Pacífico, Micronésia);

  3. c) em territórios holandeses: quatro, os próprios Países Baixos, Aruba e Curaçao (Caribe);

  4. d) territórios franceses: dois, na Polinésia Francesa (Pacífico Sul) e nas Ilhas Saint-Pierre et Miquelon (Atlântico Norte canadense);

  5. e) em Estados formalmente independentes: 36, quais sejam:

e.1) no Oriente Médio: nove. 1) Bahrein; 2) Catar; 3) Emirados Árabes Unidos; 4) Iêmen; 5) Irã (ilha Queixome); 6) Jordânia; 7) Kuwait; 8) Líbano: e 9) Omã;

e.2) na Ásia e Oceania: nove. 1) Brunei; 2) Hong Kong; 3) Ilhas Fiji; 4) Ilhas Maldivas; 5) Ilhas Palau (Micronésia); 6) Malásia (Labuão); 7) Nauru (Micronésia); 8) República Kiribati (Pacífico); 9) Samoa.

e.3) na Europa: sete. 1) Andorra; 2) Liechtenstein: 3) Luxemburgo; 4) Mônaco; 5) Noruega; 6) San Marino; e 7) Suíça;

e.4) no Continente Americano: seis. 1) Costa Rica; 2) Comunidade Insular da Dominica: 3) Guiana; 4) Honduras; 5) Panamá; e 6) Uruguai;

e.5) na África: cinco. 1) Djibuti; 2) Essuatini (ex-Suazilândia); 3) Gâmbia; 4) Ilhas Maurício; e 5) Libéria.

Hoje esta relação é meramente exemplificativa, pois os paraísos fiscais se espalham por ilhas e porções continentais da Ásia, África e Américas, fugindo de tributações, lavando dinheiro de drogas, fazendo contrabandos de pessoas, e ilícitos diversos.

Boa parte, senão todo capital que controla as empresas, que controla os países e que comanda as sociedades, que impõe novos valores e condutas, está nos paraísos fiscais.

Vistos os locais do crime, vejamos os agentes. Genericamente eram denominados bancos, mas, desde o início do século 21, eles mesmos convencionaram se referenciar como “gestores de ativos”.

E quem são os gestores de ativos?

São empresas que desenvolvem o planejamento estratégico, a aquisição, manutenção, locação, alienação, extinção ou exclusão de todos os tipos de ativos. Nestes ativos, se encontram os físicos, como terrenos, instalações, máquinas, veículos e equipamentos, assim como os ativos intangíveis: a propriedade intelectual, invenções, descobertas e até mesmo dados dos clientes. Tudo que for possível atribuir algum valor monetário e exista um mercado para negociar, para comprar e vender, é ativo para estes gestores.

Ao final de 2022, as 500 maiores gestoras de ativos do mundo detinham centenas de bilhões de dólares estadunidenses (USD). Porém, existe a competição, sempre acirrada entre os próprios gestores, onde uns engolem total ou parcialmente outros, além das costumeiras transferências de rendas e de ativos públicos, dos Estados, para os gestores (dívidas e privatizações), que aumentam seus volumes de recursos e, consequentemente, de poder.

Os 20 maiores, com respectivos países sede, são: BlackRock, Vanguard, Fidelity, State Street Global, J.P. Morgan Chase e Goldman Sachs, todos os seis com sede nos EUA. Em sétimo se encontra o alemão Allianz. A partir do oitavo, ainda com predominância estadunidense, surgem gestores em outros países. Em oitavo, o Capital Group, dos EUA; em nono, Amundi da França, em décimo, UBS, da Suíça.

Provavelmente alguns gestores foram reconhecidos pelos seus bancos comerciais (J.P. Morgan Chase e UBS), pela seguradora (Allianz) ou alguma financeira. Mas é apenas um dos ramos de negócios. A principal função destes conglomerados é captar recursos, impor privatização de bens públicos e especular com toda sorte de ativos.

Os dez seguintes são: BNY Mellon (EUA), Legal & General Group (Reino Unido), Invesco (EUA), Franklin Templeton (EUA), Prudential Financial (EUA), T. Rowe Price Group (EUA), BNP Paribas (França), Northern Trust (EUA), Morgan Stanley Investment Management (EUA) e Natixis Investment (França), todos com mais de bilhão e meio de dólares estadunidenses.

PETRÓLEO E GESTORES DE ATIVOS

O petróleo (óleo e gás natural) é a fonte primária de energia que supre mais da metade da demanda mundial. E isso com toda campanha que se faz para o substituir, mesmo sem respaldo técnico-científico. E as finanças obviamente não deixam este ativo sem ter suas fortes participações acionárias, a fim de influenciar suas atuações.

As três maiores empresas de petróleo são estatais: uma da Arábia Saudita (Saudi Arabian Oil) e duas da China (China Petroleum & Chemical e Petrochina). Deste modo a participação dos gestores tem início com a quarta maior petroleira, a Exxon Mobil, estadunidense.

Examinemos as participações dos gestores de ativos nas empresas de petróleo, conforme as informações da CNN Business.

Nem sempre estes gestores são majoritários, na Total Energies, francesa, a associação dos empregados tem participação acionária de 7% do capital, assim como o Governo da Noruega, 67% na Equinor, e da Itália, 38% na ENI. Mas as participações diretas dos gestores de ativos nos Conselhos das petroleiras permitem influenciar as decisões e orientar as empresas a atuar conforme o interesse financeiro em detrimento de outros.

Exxon Mobil (EUA): Vanguard, State Street Global (SSgA), BlackRock, Fidelity, Geode, Norges Bank, Northern Trust, T. Rowe Price, JPMorgan, e Dimensional.

Shell PLC (Reino Unido – RU): Dimensional, Fisher, Fidelity, Eagle Capital, Arrowstreet, Norges Bank, Wellington, Hotchkis & Wiley, Orbis Investment, e Franklin Advisers.

Total Energies (França): Fisher Asset, T. Rowe Price, Wellington, Fidelity, Capital Research, Managed Account Advisors, Arrowstreet, Federated Investment, Columbia, e Wells Fargo.

Chevron (EUA): Vanguard, SSgA, Berkshire Hathaway, BlackRock, Geode, Charles Schwab, Northern Trust, Morgan Stanley, Capital Research, e Norges Bank.

BP PLC (RU): SSgA, Arrowstreet, Fisher, Acadian Asset, Dimensional, Wellington, Boston Partners, Citadel, T. Rowe Price, e Morgan Stanley.

Equinor (Noruega): Arrowstreet, Strategic Advisers, Earnest Partners, Fidelity, Wellington, FIAM, Todd Asset, Goldman Sachs, Parametric Portfolio, e Newton Investment.

ENI (Itália): Arrowstreet, Natixis, Morgan Stanley, Parametric Portfolio, Pacer Advisors, Goldman Sachs, Aperio Group, CI Investments, Managed Account Advisors, e Macquarie Investment.

Além das participações diretas, os gestores de ativos aplicam, na compra de ações de empresas, os recursos que captam de investidores no mercado de fundos, o que lhes dá ainda maior capacidade de influenciar decisões.

Nesta relação excluímos as empresas que não atuam em todos segmentos do negócio do petróleo: o upstream e o downstream. Assim, grande empresa, como a Marathon Petroleum, estadunidense, foi excluída por não atuar na exploração de petróleo (a busca por óleo e gás natural).

Qualquer segmento empresarial, nesta terceira década do século 21, apresentará composição acionária semelhante à das empresas de petróleo. Pelo alcance bélico e social de seus produtos, relacionaremos apenas a indústria farmacêutica, classificadas pelo volume de vendas, e as gestoras de ativos que participam do controle acionário. A fonte continua sendo a CNN Money.

Pfizer (EUA): Vanguard, BlackRock, SSgA, Wellington, Capital Research, Geode, Charles Schwab, Norges Bank, Massachusetts Financial, e  Northern Trust.

AbbVie (EUA): Vanguard, BlackRock, SSgA, Capital Research, JPMorgan, Geode, Charles Schwab, Northern Trust, e Norges Bank.

Johnson & Johnson (EUA): Vanguard, SSgA, BlackRock, Geode, State Farm, Capital Research, Northern Trust, Norges Bank, Morgan Stanley, e Wellington.

Merck (EUA): Vanguard, BlackRock, SSgA, Wellington, Geode, Fidelity, Charles Schwab, Northern Trust, T. Rowe Price, e Norges Bank.

Novartis (Suíça): Dodge & Cox, Primecap, Dimensional, Franklin Mutual, Loomis&Sayles, Wellington, Charles Schwab, Morgan Stanley,  Managed Account, e Parametric Portfolio.

Hoffmann-La Roche (Suíça): Dodge & Cox, Parnassus, Fisher, Loomis&Sayles, Principal Global, Mairs & Power, AllianceBernstein, Pacer Advisors, abrdn, Inc (antiga Standard Life Aberdeen), e Financial Gravity.

Bristol-Myers Squibb (EUA): Vanguard, BlackRock, SSgA, Capital Research, JPMorgan, Geode, Norges Bank, Fidelity, Northern Trust, e Columbia.

AstraZeneca (Reino Unido): UK Government Pension Fund, Vanguard, American Funds New Perspective, Goldman Sachs, American Funds EuroPacific Growth, American Balanced, e American Funds Income Fund of America.

Sanofi (França): Dodge & Cox, Fisher, Boston Partners, Fidelity, Strategic Advisers, Managed Account, Invesco, BlackRock, Parametric, e  Newton Investment.

GlaxoSmithKline (Reino Unido): Dodge & Cox, Fisher, JTC Plc,  Primecap, Fidelity, Arrowstreet, SSgA, T. Rowe Price, Strategic Advisers, e RBC Capital Markets.

Takeda (Japão): Nomura Asset,  Nikko Asset, Government Pension Fund – Global, Daiwa Asset, Vanguard, American Funds Capital World Growth, American Funds Income Fund of America, e iShares Tr. (iShare pertence à BlackRock e atua principalmente capitando pelo mundo para investir na Ásia – China, Hong Kong, Japão, Taiwan).

Novo Nordisk (Dinamarca): Jennison Associates, Renaissance Technologies, Fisher, Fayez Sarofim, Fidelity, Loomis&Sayles, T. Rowe Price, Folketrygdfondet, Polen, e Managed Account.

CONCLUSÕES

Ao longo das seis crônicas buscamos entender porque a América Latina não conseguiu se libertar do jugo colonial. Ora esta dominação se dava pela força das armas, pelo massacre que sofreram os primitivos habitantes das Américas. Ora pela dominação ideológica da religião imposta pelos europeus. Mas ao correr do tempo, foram os americanos do norte que se tornaram os senhores do espírito brasileiro e de toda América Espanhola.

O escritor mineiro Delcio Monteiro de Lima, em “Os Demônios Descem do Norte”, 1987, descreve a penetração da Igreja Adventista do Sétimo Dia, sediada em Washington, no Brasil e as consequências para nossa educação, saúde e negócios. A igreja católica foi perdendo força, até que os neopentecostais criam a bancada da bíblia e passam a dominar na política, nas finanças e nas camadas mais humildes da população.

O fator religioso foi fundamental para manter a colonização. E o neopentecostalismo ajustou-se ao neoliberalismo formando um poder dominante na sociedade brasileira. Mas só na brasileira?

Manuel Cofiño, cubano, vencedor do Prêmio “Casa de las Américas”, em 1971, escreve em “A Última Mulher e o Próximo Combate”: “Às vezes vejo estes campos como através das recordações. É como daquela vez, mas diferente. É que todos os dias falta mais gente. Nunca pensei que viessem tão poucos. Era por uma questão de consciência, por falta de um bom trabalho político. Ia voltar a insistir com ele mas dei-me conta que não percebia e falei-lhe de outra coisa”.

Falta a educação construtora da cidadania. Não a formadora de braços para o trabalho, mas a que desenvolve a sociedade como um todo, não só para encher os cofres dos capitalistas.

E tanto mais passa o tempo, mais se perde nesta guerra.

Livre da dominação espanhola a América Latina caiu na influência inglesa. Superada a inglesa, chegou a estadunidense, e, com a derrocada dos EUA, chegam as finanças em sua pujança, dominando o Reino Unido, os EUA e a Europa.

E as parcelas de poder local, não sentem capazes de enfrentar as forças alienígenas. Principalmente por ter medo do povo. Por que não se distribui armas ao povo para manter as revoluções: brasileira, mexicana, argentina? E por que causa tanto medo a estas mesmas vendidas elites a revolução cubana? Porque Fidel discursava diante de multidão armada, sem qualquer receio, pois ele traduzia o pensamento e a vontade de todos que ali se reuniam.

Como reflete o personagem de Manuel Cofiño: “falta um bom trabalho político”.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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