Amazônia perdeu 18 árvores por segundo em 2021 – Douglas Magno/AFP
Entenda como a destruição do bioma ganhou velocidade, alcançou novas frentes e atingiu áreas até então preservadas
A comprovada piora dos indicadores de desmatamento durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) não se resume ao aumento da área total derrubada. O desmonte da fiscalização e o incentivo ao crime ambiental provocaram também mudanças qualitativas no desflorestamento dos biomas. Sob o bolsonarismo, a devastação está cada vez mais veloz, mais espalhada pelo território e atingindo regiões, até então, 100% preservadas.
A conclusão está no Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do Mapbiomas, lançado em julho deste ano. O estudo identificou que a grande frente de devastação ambiental no Brasil é a Floresta Amazônica, palco de 60% da área desmatada em 2021. O Brasil de Fato procurou a assessoria de imprensa da Presidência da República e dos órgãos ambientais federais, mas não obteve resposta.
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Aumento das grandes derrubadas
A pesquisa revela que os desmatadores estão se sentindo mais à vontade para infringir a lei. Para não despertar atenção das autoridades, as derrubadas normalmente ocorrem em polígonos pequenos. Mas a área média dos alertas de desmatamento cresceu 45% na Amazônia. No bioma, o tamanho saltou de 14 para 21 campos de futebol entre 2020 e 2021.
O clima de anistia ambiental vigorou a partir do enfraquecimento dos órgãos de fiscalização. Entidades de servidores federais do setor afirmam que o discurso pró-desmatamento de Bolsonaro, feito ainda durante a campanha em 2018, empoderou os criminosos ambientais, que passaram a reagir com violência contra a fiscalização.
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Os servidores que decidem trabalhar sob risco de morte enfrentam perseguição de bolsonaristas alçados a cargos de chefia. A Associação Nacional dos Servidores Ambientais relata crescentes episódios de assédio moral e perseguição. Segundo a entidade, foram abertos mais de 100 Processos Administrativos Disciplinares (PADs) baseados em denúncias falsas de infratores ambientais. O PAD pode resultar em demissão.
Ampliação das frentes de desmatamento
Em um movimento inédito, o arco de desmatamento – onde se concentra a expansão ilegal da fronteira agropecuária – cresceu e incorporou o Sul do Amazonas. Nessa região estão cidades que passaram para o topo do ranking de municípios mais devastados. Entre 2016 a 2022, o desmatamento nas cidades de Lábrea, Apuí e Humaitá, todas no Amazonas, cresceram respectivamente 92%, 238% e 817%.
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As cidades fazem parte da região chamada de Amacro (junção das siglas de Amazonas, Acre e Rondônia, por abranger partes dos três estados), que se tornou uma nova frente de expansão do agronegócio. Segundo o Mapbiomas, a região concentrou 20% de tudo o que foi derrubado na Amazônia entre 2020 e 2021.
Na Amacro, o aumento de devastação é causado pela promessa feita por Bolsonaro de asfaltar a BR-319, única ligação por terra de Manaus ao restante do país. A rodovia foi aberta pela ditadura militar, mas perdeu o asfalto por falta de manutenção. Sob Bolsonaro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) licenciou a obra, ignorando condições impostas pelo próprio órgão ambiental no passado.
Com isso, o Amazonas ganhou duas posições no ranking de estados que mais desmatam e foi para segundo lugar em 2021, concentrando 12% da área derrubada. O primeiro lugar continua com o Pará, responsável por quase um quarto de todo o desmatamento no país. Na sequência aparecem o Mato Grosso e o Maranhão, estados que também integram a Amazônia Legal.
Em 2019, 31% dos municípios brasileiros haviam registrado alertas de desmatamento. O percentual saltou para 52% em 2021. No acumulado entre 2019 e 2021, segundo o MapBiomas, 61% das cidades tiveram no mínimo um foco de desmatamento detectado.
Mais veloz
Outro indicativo da sensação de impunidade é o aumento da “produtividade” dos criminosos ambientais. A velocidade de desmatamento em todos os biomas aumentou. Em média, foi de 139 para 189 hectares por hora, entre 2019 e 2021. Só a Amazônia perdeu 1,9 hectare por minuto, o equivalente a 18 árvores por segundo.
O mercado de máquinas pesadas utilizadas para derrubar a vegetação está aquecido. Abrir uma cratera para retirar minérios do solo, por exemplo, não é mais feito com máquinas pequenas e trabalho manual. Agora, com retroescavadeiras de última geração. Uma empreitada de garimpo que duraria um mês pode ser concluída em uma semana, segundo estimou uma reportagem da Repórter Brasil.
A explicação pode estar em uma promessa feita por Bolsonaro e políticos aliados nos estados da Amazônia: a de proibir a destruição do maquinário usado no garimpo ilegal, prática prevista em lei federal e avalizada pelo Supremo Tribunal Federa (STF).
“Desmatamento ilegal” é redundância
No Brasil, dizer “desmatamento ilegal” é quase uma redundância. Isso porque somente 0,87% da destruição da vegetação atendeu às exigências legais. Em quase 80% da área desmatada, os responsáveis podem ser identificados, pois os imóveis rurais estão inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR), com identificação do proprietário.
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Mesmo assim, o governo federal não fiscalizou. Segundo o Mapbiomas, embargos e autuações realizados pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) até maio de 2022 atingiram apenas 2,4% dos desmatamentos e 10,5% da área desmatada entre 2019 e 2021.
Nem os 52 municípios definidos como prioritários pelo Ministério do Meio Ambiente para o combate ao desmatamento na Amazônia apresentaram índices satisfatórios. Nessas cidades, a penalização ocorreu em 4,4% dos alertas e 21,2% da área desmatada.