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sábado, 27 julho, 2024

Aliança estratégica entre Rússia e China marca novo capítulo na geopolítica global, aponta analista

© Sputnik / Sergei Savostyanov

Sputnik – A visita oficial do presidente russo Vladimir Putin à China, a primeira em seu novo mandato, simboliza a consolidação das relações entre os países em um momento de mudanças na geopolítica global — o que deve ser benéfico, inclusive, para a América Latina e Caribe.

O encontro reforça a aliança entre as nações e marca o 75º aniversário de suas relações diplomáticas, além de destacar a crescente importância dos BRICS e do Sul Global na arena internacional.
O doutorando em relações internacionais pelo Instituto San Tiago Dantas e membro pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE), Tito Lívio Barcellos Pereira, explica ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, que a história de cooperação entre Rússia e China não é nova, mas tem se fortalecido desde os anos 1990.
“A relação entre os dois países foi gestada desde o final dos anos 1990, quando houve uma inclinação russa não somente para a Ásia, mas também para o Sul Global”, disse aos jornalistas Melina Saad Marcelo Castilho, ressaltando a importância da parceria em resposta às tensões com o Ocidente, especialmente após o início do conflito na Ucrânia.

Qual a relação da China e Rússia?

A cooperação sino-russa vai além da política economia e abrange áreas como intercâmbio cultural desenvolvimento tecnológico. O professor menciona que muitos observadores ocidentais subestimam a profundidade da relação, que se mostra sólida em várias frentes, desde a construção de usinas nucleares até exploração espacial e desenvolvimento de armas.
Vladimir Putin, presidente da Rússia, e Xi Jinping, presidente chinês, participam de conversa informal na residência governamental de Zhongnanhai, Pequim, China, 16 de maio de 2024 - Sputnik Brasil, 1920, 17.05.2024

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A recente visita de Putin também reforçou a aliança dos dois países em relação ao conflito na Ucrânia, com ambos os líderes criticando o unilateralismo norte-americano e a hegemonia ocidental. Pereira destacou que, mesmo com críticas, China e Rússia enfatizam a necessidade de um diálogo multilateral para resolver conflitos globais, incluindo a questão ucraniana.

“China e outros países emergentes, como o Brasil e a África do Sul, podem ser mediadores importantes”, diz, comentando que “propostas de paz de países como a União Africana e a Indonésia foram rejeitadas por não se alinharem com os interesses ocidentais.”

Além disso, a cooperação promete benefícios significativos para a América Latina e o Caribe, regiões mencionadas no comunicado oficial dos dois países. Pereira explica que a parceria pode impulsionar investimentos em infraestrutura, tecnologia e agricultura, áreas onde os países latino-americanos têm grande potencial para se beneficiar da expertise russa e chinesa.

“A cooperação para a América Latina e o Caribe pode trazer benefícios significativos, […] investimentos em infraestrutura, desenvolvimento de novas tecnologias e a terceirização de indústrias chinesas são apenas algumas das maneiras pelas quais essa parceria pode fortalecer a região.”

Qual a participação da Rússia no BRICS?

No contexto dos BRICS, para o pesquisador Tito Lívio Barcellos Pereira, a visita mostra a importância do bloco como um contrapeso à hegemonia euro-atlântica. “Os BRICS estão se metamorfoseando na segunda década do século 21, agora incorporando novos países da África, Oriente Médio e Ásia”, comentou.
Segundo o pesquisador, a inclusão de novos atores globais é essencial para um sistema internacional mais democrático e plural.
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Para o Brasil, a aliança representa uma chance de fortalecer sua posição no cenário global sem um alinhamento incondicional a um único bloco de poder, segundo Pereira. “O Brasil tem uma política externa equilibrada. Reconhecemos a importância dos EUA e Europa, mas também vemos necessidade de uma voz mais forte de países emergentes nas decisões internacionais.”

“A China, por exemplo, é agora o principal parceiro econômico do Brasil, com um superávit comercial que não temos com os EUA”, observou. “Isso mostra a importância de estreitar relações com o sul global para uma maior possibilidade de intercâmbio comercial e tecnológico”, completa.

A China do presidente Xi Jiping, diz, ao contrário das potências ocidentais, não interfere nas políticas internas dos países com os quais colabora, tornando-se um parceiro atraente para muitas nações emergentes. “Os chineses não exigem contrapartidas políticas ou sociais, o que torna seus empréstimos e investimentos menos condicionados.”
“O legado soviético ainda é forte na África, mas a China tem sido a principal investidora em infraestrutura e energia. No entanto, a Rússia está recuperando terreno com projetos de usinas nucleares, ferrovias e mineração.”
O professor Ricardo Cabral, especialista em relações internacionais, destaca o simbolismo de Putin escolher a China como primeiro destino. Normalmente, segundo ele, a primeira visita de um chefe de Estado recém eleito é feita ao parceiro mais estratégico e importante.
Dono do portal História Militar em Debate, ele enfatiza a importância da parceria, que evoluiu significativamente desde a era soviética, superando antigas tensões. “Desde que Putin assumiu, temos um crescente intercâmbio, não apenas econômico. A China emergiu como uma potência econômica e a Rússia também tem demonstrado um crescimento significativo.”
A visita de Putin ocorre em um contexto de sanções ocidentais impostas à Rússia devido à operação especial na Ucrânia. Esses bloqueios têm, no entanto, reforçado os laços entre Moscou Pequim, que se tornaram aliados ainda mais próximos, por exemplo na modernização industrial russa. “A China, junto com a Índia, tem sido um dos aliados mais fiéis da Rússia.”
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente chinês, Xi Jinping, posam para foto antes de seu encontro como parte do 3º Fórum do Cinturão e Rota, no Grande Salão do Povo, em Pequim, na China - Sputnik Brasil, 1920, 17.05.2024

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Cabral destaca a importância estratégica dessa aliança na busca por um mundo multipolar que contesta a hegemonia norte-americana. “A superioridade norte-americana está em declínio, e essa aliança busca estabelecer um equilíbrio estratégico global.”
A visita de Putin também foi marcada por declarações sobre a iniciativa do Cinturão e Rota e a União Econômica Euroasiática, o que indica, para o pesquisador, um desejo de mudar o eixo das relações econômicas globais. “China e Rússia estão criando novas áreas econômicas dinâmicas e interdependências que estimulam novas formas de relações econômicas.”
Segundo Cabral, o impacto positivo na África e América Latina é evidente — enquanto a China foca na construção de infraestruturas que facilitem o comércio de commodities, a Rússia busca criar laços mais profundos, com intercâmbios culturais.

Em termos de comércio, o aumento de quase 25% nas trocas comerciais entre Rússia e China em 2023, atingindo US$ 227 bilhões (cerca de R$ 1,1 bilhão), é um indicativo claro do fortalecimento dessa aliança. Cabral prevê que, mesmo enquanto persistirem as sanções ocidentais, o comércio entre os gigantes continuará a crescer.

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