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terça-feira, 8 outubro, 2024

AGORA MARISA É MORTA. MAS…

Crispiniano Neto

Uma das expressões populares mais conhecidas nos países de Língua Portuguesa é: “Agora é tarde… Inez é morta”.

Inez de Castro, de origem galega e aia da esposa de Dom Pedro I de Portugal, filho do rei Dom Afonso IV, teve um caso com o príncipe que viria ser rei de Portugal posteriormente.

Para abafar o caso, Dom Afonso mandou encarcerar Inez numa torre na fronteira com a Espanha e quando Dona Constança, esposa de Dom Pedro morreu, Dom Afonso mandou matar Inez para que uma mulher de procedência estrangeira não viesse a ser rainha de Portugal. Dom Pedro entrou em conflito com o pai e os irmãos. Tornou-se rei, fazendo com todos cultuassem Inez com se rainha fosse e como se viva fosse. Até legitimou os filhos que teve com ela, alegando que havia casado com ela secretamente. Porém, tudo de bom e de ruim que se referisse a Inez se tornava inócuo porque Inez já era morta, nascendo assim a expressão pelo motivo óbvio de ela não mais poder cumprir pena nenhuma, tampouco receber homenagem alguma, “simplesmente” por estar morta.

Como se não bastasse o ridículo dos pedalinhos, da canoa de lata, da multa no pedágio que fica no rumo de Atibaia e do recibo do veterinário que cuidou da cachorrinha de Lula que foi picada de cobra no referido sítio, a Justiça ensandecida, agora mantém o processo de Dona Marisa como cúmplice de um nunca provado tráfico de influência de Lula.

A banda podre e insana do Judiciário brasileiro representada pela República de Curitiba e pelo TRF-4, agora deu-se ao desplante de não garantir a absolvição total de Dona Marisa Letícia pelo artigo 397 do Código de Processo Penal. O Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, é claro como a luz do sol: “O juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar, conforme o inciso IV (…) extinta a punibilidade do agente”.

Marisa Letícia morreu em fevereiro deste ano.

O desembargador Victor Luís dos Santos Laus, diz que: “Se existe algum debate no imaginário popular, estamos em face da liberdade de expressão (…). Não temos como proibir essa ou aquela pessoa de anunciar um juízo positivo ou negativo em relação à requerente”.

Ora. É exatamente por isto que o artigo 397 do CPP, em seu inciso IV manda absolver réus na condição dela. Só assim, a partir daí quem anunciar juízo negativo contra Dona Marisa poderá ser processado. No entanto, o que vemos é a Justiça liberando todo tipo de injúria, calúnia e difamação contra Lula e sua família. Não seria em nome do respeito à lei e a uma finada que essa gente inquisidora iria vestir a toga da ética. Até porque condenação após a morte, é um monstro que nunca deixou de assustar na História do Brasil.

E é necessário entender que a condenação pós morte no Brasil não é fato isolado. Senão vejamos:

Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes não apenas foi condenado à Pena de Morte por enforcamento público, mas a sua pena foi além da vida. Foi condenado também a ser esquartejado e ter os pedaços do seu corpo expostos ao escárnio. Vejamos a sentença: “(…) Portanto condenam ao Réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha, Tiradentes, Alferes que foi da tropa paga da Capitania de Minas, a que com baraço e pregão seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, aonde em lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes pelo caminho de Minas no sítio da Varginha e das Cebolas, aonde o Réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o Réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu (…)”. A família de Tiradentes passou cerca de cem anos sem poder se identificar como tal.

Antonio Conselheiro teve o cadáver desenterrado e desaparecido depois da derrota do Arraial de Canudos;

A Beata Maria Araújo, do chamado Milagre da Hóstia de Juazeiro, morta em 1914, teve o túmulo violado e seu corpo continua desaparecido 103 anos depois, nestes dias de 2017.

Foi dado sumiço aos corpos dos guerrilheiros do Araguaia, em sua maioria. E quando, após a ditadura os familiares resolveram procurar os restos mortais, uma campanha violenta contra foi mantida no Brasil por estes que agora se apresentam como bons cristãos e defensores da família. Este colunista viu na porta do Gabinete do deputado Jair Bolsonaro, no Anexo IV da Câmara Federal, um cartaz dizendo: “Quem procura osso é cachorro”, provando que este presidenciável, não é apenas, sádico, é também cretino.

Lampião depois de assassinado pela volante do Tenente Zé Bezerra, teve a cabeça cortada ao lado de outros dez cangaceiros e cangaceiras. Suas cabeças foram expostas de cidade em cidade, até chegar em Salvador. Corisco, não se entregou mas estava desarmado e mesmo assim foi metralhado. Seu túmulo violado e a cabeça arrancada. As cabeças de Lampião, Maria Bonita e Corisco ficaram expostas por 30 anos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador. Uma punição após a morte, para servir “de exemplo”, com base na lógica estúpida de que o mal está na cabeça e por isso ela deve ser arrancada.

Assim como foram arrancados os corações de alguns dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, recém canonizados pelo Papa Francisco. Era a estultícia de pensar que o mal está no coração. Os corações foram arrancados pelas costas e os corpos ficaram a apodrecer ao ar livre, a poucos quilômetros de Natal.

A exposição após a morte e a mutilação de cadáveres são penalidades anticristãs e que ferem as leis brasileiras hoje e mesmo quando os fatos aconteceram.

O corpo do deputado Rubens Paiva foi enterrado em algum lugar de alguma praia, sem que fosse dado direito à família de sepultá-lo conforme os princípios cristãos e as leis do Brasil. Da mesma forma o deputado potiguar Luís Maranhão, que depois de morto foi incinerado num forno de uma usina de cana-de-açúcar do Rio de Janeiro.

Felipe dos Santos, foi morto e esquartejado depois da Revolta de Vila Rica, em 1720. Há controvérsias sobre a forma do esquartejamento. Se foi feito a cutelo ou espada ou ainda se foi mesmo o seu corpo amarrado a quatro cavalos que, incitados, o teriam rasgado nas ruas da cidade que liderou com seus discursos inflamados contra a monarquia, contra a condição de colônia do Brasil e contra os impostos do ouro.

O fato é que para o poder autoritariamente exercido, matar inimigos ainda é pouco. É preciso também matar-lhe o pós vida, a fama, as ideias, a memória e a reputação. Não por acaso Getúlio Vargas disse em sua carta-testamento: “Saio da vida para entrar na História”. Esta seria realmente a sua maior vitória sobre o poder que o aniquilava. Entrar para a História foi adiar por dez anos o golpe que entregaria as riquezas do país ao imperialismo, como tentou lhe impor Chateaubriand, ao prometer deixar-lhe quieto se entregasse, na bandeja, a Petrobras ao Tio Sam. Entrar para a História foi fazer valer suas leis trabalhistas por 70 anos. E como a direita brasileira queria que aquelas leis nunca tivessem valido… Tanto que na primeira oportunidade lhe fizeram 115 mutilações, em pleno século XXI, em nome da modernidade.

A direita de hoje, a mais cruel e mais medíocre que toda a história de crueldade e mediocridade da Direita brasileira, quer destruir o legado de Lula, com ele vivo. E para isto, não tem cerimônia de condenar a esposa absolutamente isenta de todas as acusações. Condená-la seria uma forma de desmoralizar Lula. Mas… O que fazer, se agora Marisa é morta?

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