O Azerbaijão
solicitou oficialmente a entrada no BRICS. O anúncio foi feito no final de agosto, um dia após
o presidente russo Vladimir Putin visitar o país e
celebrar o desejo do governo azerbaijano de fortalecer a cooperação com o grupo no âmbito de um encontro com o presidente do Azerbaijão, Ilham Aliev.
Com a solicitação, o Azerbaijão se torna mais um pretendente ao grupo, que desde 1º de janeiro deste ano passou a incluir Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Etiópia. Em entrevista ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, especialistas analisam o que a entrada do Azerbaijão pode representar para o BRICS e o que ela sinaliza sobre a ascensão do grupo no cenário global.
Embora tenha relações menos expressivas com muitos países do BRICS do que outros candidatos, a exemplo do Cazaquistão,
o Azerbaijão tem a seu favor uma forte relação justamente com os dois principais líderes do grupo:
Rússia e China. É o que aponta Guilherme Conceição, bacharel em relações internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisador do Centro de Investigação em Rússia, Eurásia e Espaço Pós-Soviético (CIRE/San Tiago Dantas).
“Só em termos de investimento, a Rússia injetou quase US$ 300 milhões [cerca de R$ 1,6 bilhão] no setor petrolífero do Azerbaijão apenas nos primeiros nove meses do ano passado”, destaca Conceição.
Porém ele afirma que para além do comércio e investimento, o Azerbaijão busca os ganhos políticos que a adesão ao BRICS pode trazer, “visto que essa adesão simbolizaria uma reafirmação do seu peso estratégico, geopolítico ou mesmo de ponte Ocidente-Oriente, que tem sido o foco da política externa do país”.
Em contraponto, Conceição afirma que a adesão do Azerbaijão ao BRICS possibilitaria aos parceiros do grupo um maior escoamento de suas mercadorias “em direção à Turquia, mas principalmente em direção ao restante da Europa”. Isso porque o país está no centro do Cáucaso, compartilhando fronteiras com duas potências geopolíticas, Irã e Rússia, além de fazer limite com a Geórgia. Segundo o especialista, essa posição geográfica estratégica beneficiaria também o Brasil.
“O próprio Brasil poderia se utilizar dos benefícios desse porto [de Baku] para aumentar a sua relação com os países do Cáucaso, não só do Cáucaso, como também da Ásia Central e os demais membros da Comunidade dos Estados Independentes, que ainda possuem uma relação pouco expressiva com o Brasil, se a gente comparar as nossas relações com as de outros colegas do BRICS.”
Conceição ressalta que o estreitamento das relações do Brasil com países do Cáucaso e da Ásia Central é um desejo antigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o tema foi discutido inclusive nos dois mandatos anteriores do líder brasileiro.
Lula já afirmou que estará presente na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2024 (COP29), que ocorre em novembro, em Baku. Para Conceição, isso traz oportunidades de acordos bilaterais entre o Brasil e o Azerbaijão fora do âmbito do BRICS, principalmente em cooperações na área técnico-científica.
“Estamos falando de uma ex-república soviética, que, portanto, possui ótimos índices, tanto em educação como também de infraestrutura. Além dessas características, [o Azerbaijão seria] uma ponte entre o Brasil e o restante da Ásia Central, o restante do Cáucaso e dos países membros da Comunidade dos Estados Independentes.”
Ele acrescenta que a construção da identidade nacional do Azerbaijão, compreendendo elementos das culturas turca, muçulmana, persa e caucasiana, faz do país uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, o que é uma forte ferramenta de soft power.
“É importante dizer que o Azerbaijão faz parte tanto do Conselho Europeu como da Comunidade dos Estados Independentes, ao mesmo tempo que também faz parte da Organização para a Cooperação Islâmica e da Organização dos Estados Turcos”, explica Conceição.
Adesão ao BRICS pode causar retaliação dos EUA e da Europa
Para Augusto Rinaldi, professor de relações internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), além do estreitamento de laços com Moscou e Pequim, a adesão do Azerbaijão ao BRICS poderia fornecer ao governo azerbaijano o apoio de China e Rússia à disputa regional do país com a Armênia em torno da região de Nagorno-Karabakh.
“São os países que, tradicionalmente, não necessariamente apoiam, mas de algum modo se apresentam como interlocutores para o Azerbaijão nesse conflito; são a Rússia e a Turquia. Eu acho que fazer parte do BRICS pode trazer algum ganho de capital político ou geopolítico na região.”
Já em termos econômicos ele afirma que a adesão ao BRICS facilitaria o acesso do Azerbaijão a mercados do grupo, em especial da China, que hoje é o principal parceiro comercial do Azerbaijão, sobretudo na área de cooperação energética.
“Eu acho que isso traria um ganho interessante para o Azerbaijão. E para além dessa questão do comércio energético, eu acho que estar no BRICS poderia facilitar o acesso do Azerbaijão a recursos financeiros via banco do BRICS, o chamado Novo Banco de Desenvolvimento. O país poderia se utilizar desses recursos para investir em setores da infraestrutura, energia, petroquímica.”
Entretanto, Rinaldi ressalta que a adesão do Azerbaijão ao BRICS deixaria em alerta os EUA e seus aliados europeus, que consideram o grupo um arranjo antiocidental, o que abre margem para retaliações a Baku. Ele lembra que com a eclosão do conflito ucraniano o Azerbaijão acabou se tornando uma fonte alternativa ao petróleo e ao gás russos, insumos dos quais a União Europeia reduziu o consumo como forma de sancionar Moscou.
“Então o Azerbaijão aumentou muito o intercâmbio comercial com os europeus, e se ele fizer parte do BRICS, talvez a União Europeia fale: ‘Bom, então indiretamente você está apoiando a guerra na Ucrânia, você está adentrando um arranjo em que a Rússia é membro-fundadora’, e isso pode ter algum tipo de penalidade, em termos de cooperação, comércio.”
Ele acrescenta que os EUA mantêm uma relação militar próxima com o Azerbaijão e que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) mantém diálogo com Baku, tendo inclusive já realizado alguns exercícios militares no território azerbaijano.
“Então os EUA podem, de algum modo, diminuir essas relações militares com o Azerbaijão, e isso, do ponto de vista dos azeris, pode ser algo ruim. Eles vão ter mais dificuldade, por exemplo, de acessar as armas, a tecnologia ocidental”, explica.
Segundo Rinaldi, o “selo antiocidental” conferido ao BRICS colocou o grupo em evidência, embora ele não seja considerado um arranjo contrário ao Ocidente por muitos países que desejam integrar o grupo.
“Do ponto de vista do Sul Global, não é a forma como eles enxergam o BRICS. Pelo contrário, tanto é que a gente vê, ano após ano, reunião do BRICS após reunião do BRICS, um monte de novos países querendo ser membros. A gente tem hoje, não oficialmente, mas publicamente declarada a intenção de 30 [países] querendo adentrar o grupo […], todos eles vindo do Sul Global. Então eu acho que fazer parte do BRICS pode, sim, aumentar o status do país, porque é um arranjo muito seletivo.”