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sexta-feira, 6 junho, 2025

A teoria econômica e o conceito de progresso

– Quem encarna o interesse nacional

Prabhat Patnaik [*]

Os mercantilistas definiram a prosperidade de uma nação em termos da quantidade de metais preciosos que possuía e o progresso de uma nação em termos do aumento do seu montante de metais preciosos. Para aumentar a sua quantidade de metais preciosos, uma nação tinha de ter uma balança comercial favorável em bens e serviços (ou seja, as suas exportações tinham de exceder as suas importações), que teria então de ser resolvida através da importação de metais preciosos, especialmente ouro, a fim de que aumentasse a quantidade de ouro na sua posse.

Os mercantilistas foram os alvos de Adam Smith quando este escreveu a sua obra A riqueza das nações. A posição de Smith era a de que não era o stock de metais preciosos que definia a riqueza de uma nação, como afirmavam empresas mercantis monopolistas tais como a Companhia das Índias Orientais, mas sim a quantidade de capital social na sua posse. O progresso consistia, portanto, em acumular stocks de capital cada vez maiores, para o que se criavam as condições mais favoráveis através da eliminação de todas as restrições impostas pelo Estado à liberdade de funcionamento dos mercados e do capital, ou seja, assegurando a prevalência de condições de laissez faire na economia. Para que isso fosse possível, era necessário eliminar o domínio das empresas monopolistas, como a Companhia das Índias Orientais, sobre o Estado.

O notável na posição de Smith é o facto de, apesar da sua ruptura revolucionária com a concepção anterior, continuar a centrar-se na nação e não no povo; é a riqueza da nação, vista como uma entidade acima do povo, que conta como o desiderato. A concepção do que deveria ser contado como riqueza havia mudado, do ouro e da prata para o capital social, mas não a entidade de cuja riqueza se falava.

Esta ideia de uma nação distinta do povo e acima dele era uma caraterística do nacionalismo burguês desenvolvida na Europa na sequência dos tratados de paz da Vestefália. Embora tenha atingido o seu apogeu com o fascismo europeu nos anos 30, a ideia em si foi um tema constante ao longo de todo o pensamento burguês.

Como seria de esperar, embora a nação estivesse supostamente acima do povo, o “interesse nacional” era necessariamente identificado com os interesses de determinados segmentos burgueses. A passagem do mercantilismo para Adam Smith implicou, portanto, uma mudança da idolatria dos interesses de companhias mercantis monopolistas, como a Companhia das Índias Orientais, como sinónimo de “interesse nacional”, para o tratamento dos interesses da burguesia manufatureira emergente como a encarnação do “interesse nacional” – promover os interesses deste último segmento da burguesia tornou-se agora sinónimo de promover os interesses da nação. Mas esta mudança foi efetuada mantendo-se sempre uma conceção da nação cujos interesses tinham de ser promovidos e que era uma entidade distinta e superior ao povo.

David Ricardo tinha exatamente a mesma noção de progresso que Adam Smith, nomeadamente a acumulação de capital social no seio da nação. O seu receio de que se caminhasse para um estado estacionário, em que a acumulação de capital deixasse de se verificar, decorria precisamente da noção de que o capital social constituía a riqueza da nação; a cessação da acumulação de capital significaria o fim do progresso. John Stuart Mill foi, sem dúvida, uma exceção a este respeito, uma vez que declarou não se preocupar com um estado estacionário se os trabalhadores estivessem em melhor situação do que quando a economia estava em fase de acumulação de capital; ou seja, ao contrário dos seus antecessores, como Smith e Ricardo, colocou o bem-estar dos trabalhadores acima da acumulação de capital, mas este seu desvio da posição da economia política clássica pode ser explicado pelo facto de se ter orientado para um certo posicionamento socialista sob a influência da sua mulher Harriet.

Os economistas clássicos, como Smith e Ricardo, não devem, no entanto, ser demasiado criticados por se centrarem na magnitude do capital social (e na quantidade de produção que este produzia) como o desiderato, e não no bem-estar da população trabalhadora. Eles tinham muita simpatia pelos trabalhadores, mas acreditavam que estes tendiam a procriar rapidamente se houvesse uma melhoria da sua condição material de vida (uma ideia que encontrou expressão na teoria malthusiana da população). Se os salários reais subissem acima de um nível de subsistência, então a população aumentaria e a oferta de trabalho também, o que faria com que os salários reais voltassem ao nível de subsistência. Por conseguinte, qualquer melhoria da sua condição de vida dependia apenas deles próprios. Eles tinham de mudar os seus hábitos e restringir o seu crescimento numérico mesmo quando se deparavam com uma melhoria nas suas condições de vida; só assim poderiam manter quaisquer melhorias verificadas nas suas vidas. Só assim poderiam manter a melhoria das suas condições de vida. Uma vez que a política nada podia fazer quanto a isto, o foco da política tinha de se concentrar no aumento do capital social total e, consequentemente, no aumento da produção; isto aumentava o montante total disponível para todos, do qual os trabalhadores poderiam obter uma parte maior se mudassem os seus hábitos.

A mesma benevolência que se pode dar a Smith e a Ricardo não pode, no entanto, ser dada à chamada economia burguesa “mainstream” de épocas posteriores. A crença na teoria malthusiana da população havia terminado há muito tempo. Na verdade, a descrição de Marx desta teoria como uma “calúnia contra a raça humana” encontraria hoje uma aceitação geral, ao contrário do que acontecia no final do século XVIII e início do século XIX. Mesmo assim, a teoria burguesa “dominante” continua a considerar o nível do Produto Interno Bruto como o índice de prosperidade de uma “nação” e a sua taxa de crescimento como o índice do seu progresso. Uma vez que o “progresso”, neste sentido, só pode ser alcançado através das ações dos capitalistas, o interesse da “nação” seria melhor servido se se fizesse a vontade aos capitalistas, dando-lhes incentivos, promovendo os seus interesses e tratando-os como seres privilegiados. Se bem que Smith e Ricardo possam ter adotado esta posição por pensarem (erradamente) que nada mais poderia ser feito até que os trabalhadores mudassem os seus hábitos, o facto de os economistas atuais adoptarem a mesma posição representa um puro viés ideológico.

O exemplo mais recente deste viés é o anúncio feito pelo CEO da Niti Aayog de que a Índia é agora a quarta maior economia do mundo, tendo acabado de ultrapassar o Japão em termos da dimensão do seu PIB que agora ultrapassou os US$4 trilhões de dólares O CEO da Niti Aayog não mencionou este fato apenas de passagem; fez questão de o referir como um grande feito e, sem surpresa,   desenvolvimento foi louvado por membros do big business indiano. Contudo, é significativo que o facto de a Índia ter uma população mais de dez vezes superior à do Japão não foi mencionado por aquele CEO. O seu cacarejar foi exatamente igual à observação de Modi, algum tempo atrás, de que a Índia teria em breve um PIB de US$5 milhões de milhões.

Mas absolutamente aparte da questão da dimensão do país, a qual torna sem sentido todas as afirmações baseadas na comparação da magnitude absoluta do nosso PIB com os dos países capitalistas avançados, concentrar-se no PIB em si representa uma perspectiva totalmente falsa. Não só é um retrocesso a uma perspectiva antiga que acreditava no malthusianismo, como é completamente desfasada de uma sociedade democrática. Numa democracia é a condição de vida do povo que importa e o progresso deve ser medido exclusivamente em função da medida em que estas condições estão a melhorar.

Esta perspectiva está também em desacordo com a perspectiva da nossa luta anticolonial. O conceito de uma “nação” cujo PIB é supostamente superior ao do Japão é suposto ser motivo de celebração, é o de uma “nação” que se posiciona acima do povo, cuja realização ‘gloriosa’ é totalmente alheia à condição de vida do povo. Isto é um anátema completo anátema para o espírito da luta anticolonial que via a libertação da “nação” do domínio imperialista como sinónimo de libertação do povo.

Não só a condição do povo continua a ser quase tão miserável [quanto antes] após mais de três quartos de século de independência, com a Índia a ocupar em 2024 o 105º lugar no Índice Global da Fome entre os 127 países para os quais esse índice é elaborado, como também temos um governo que, ao invés de se envergonhar deste facto, se gaba da dimensão do nosso PIB.

06/Junho/2025

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/0601_pd/economics-and-concept-progress

Este artigo encontra-se em resistir.info

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