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quinta-feira, 10 outubro, 2024

A nova falácia contra Dilma

Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:
No esforço para combater a Medida Provisória 703, que favorece acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção, o procurador Carlos Fernando de Santos Lima, um dos coordenadores da Lava Jato, deixa claro seu engajamento na linha do quanto pior melhor.

Você sabe qual é o debate sobre a MP. Interessado em impedir que o cidadão comum seja forçado a pagar as investigações da Lava Jato com com recessão, desemprego e falta de perspectivas, o governo quer promover uma mudança importante e positiva na Lei Anti-Corrupção, assegurando que os dirigentes responsáveis por atos ilícitos sejam punidos – mas evitando que a pessoa jurídica seja destruída, produzindo um desfalque desnecessário à riqueza do país. Trocando em miúdos, o que se quer é salvar criança quando se joga fora a água suja do banho.

Em campanha pública contra a MP 703, Carlos Fernando dos Santos Lima faz uma acusação que é puro absurdo. Disse ele em entrevista ao Valor:

– A pretensão verdadeira do governo é exclusivamente a de salvar o capital dos estimados financiadores das caríssimas campanhas eleitorais.

É um argumento que equivale a uma confissão sobre a própria falta de argumentos e a carência de raciocínio lógico.

Foi justamente a presidente Dilma Rousseff quem, através de um veto corajoso, derrubou um artigo de uma emenda constitucional que autorizava as contribuições dos personagens que o procurador designa como “estimados financiadores das caríssimas campanhas eleitorais.”

Em vez de salvar empresários que compram apoio político em troca de recursos de campanha, Dilma simplesmente proibiu o livre trânsito de recursos destinado a alugar os poderes públicos em favor de interesses privados. Atendeu ao clamor de uma campanha popular que recolheu mais de 7 milhões de assinaturas.

O veto presidencial tornou-se politicamente possível em função de uma decisão histórica do Supremo Tribunal Federal, tomada em setembro de 2015.

Por 8 votos contra 3, o STF decidiu que as contribuições de empresas privadas eram proibidas pela Constituição. A decisão marcou uma derrota do ministro Gilmar Mendes, adversário declarado do governo Dilma e do Partido dos Trabalhadores no Judiciário, que segurou a decisão por um visto recorde de um ano e cinco meses.

É indecoroso, diante de tais antecedentes, acusar o governo de pretender “exclusivamente salvar o capital dos financiadores de campanha.” A cronologia da proibição do financiamento privado mostra que foram entidades que os adversários costumam definir como “satélites do PT” que levaram uma campanha de quatro anos por essa mudança.

Os partidos de oposição, liderados por Eduardo Cunha e pelo PSDB, ficaram do outro lado. Se alguém pretendia “salvar o capital dos financiadores de campanha” eram eles. Quando a votação ocorreu na Câmara, Cunha utilizou sua motoniveladora para bater a base do governo e atropelar uma cláusula constitucional numa só tacada. Toda vez que o debate sobre a campanha de 2014 apareceu no TSE, Gilmar Mendes, relator das contas de Dilma, valia-se da Lava Jato para acusar o governo.

O debate sobre a MP não é assunto de delegacia. Envolve os interesses do país e seu futuro.

Num momento em que economistas insuspeitos afirmam que o clima de insegurança política e outros desdobramentos econômicos nascidos pela Operação Lava Jato arrancaram uma fatia de 2% do PIB -num ano em que a atividade ficou em 3 pontos negativos, isso equivale a 2/3 de toda tragédia econômica que se abateu sobre o Brasil em 2015 – a única crítica razoável a essa iniciativa do Planalto é ter sido tardia demais.

Através da 703, o governo quer assegurar que os executivos responsáveis por abusos e desvios sejam punidos com todos os rigores da legislação que, aliás, foi agravada tanto no governo Luiz Inácio Lula da Silva como no governo Dilma Rousseff. A 703 não quer proibir que as empresas, na condição de pessoas jurídicas, possam participar de novas licitações de obras públicas.

O argumento do governo apoia-se na jurisprudência dos países desenvolvidos, onde a distinção entre pessoas físicas que dirigem uma empresa, e a própria instituição, permitiu a preservação da riqueza, a evolução tecnológica de cada companhia e a própria memória do negócio.

Se a Alemanha tivesse seguido o exemplo sugerido em 2015 pelo Ministério Público, a Volkswagen, uma das glórias da indústria europeia, sequer teria sobrevivido a Segunda Guerra Mundial, em função de sua proximidade com o regime de Adolf Hitler e cumplicidade com atos criminosos infinitamente mais graves de de qualquer ponto de vista, vamos combinar.

(A empresa não apenas sobreviveu, mas foi capaz, em 2015, de fraudar um sistema de controle de poluentes que lhe permitia vender automóveis com emissões 400 vezes acima do permitido pelas leis dos Estados Unidos, onde as autoridades lançaram uma multa de US$ 18 bilhões).

Não é o único caso. Madrinha dos paraísos fiscais, a Suíça teria se transformado num sociedade de criadores de gado leiteiro e oficinas de artesãos-relojoeiros depois que se demonstrou que seus bancos protegiam a fortuna acumulada não apenas por políticos corruptos, mas por várias famílias de mafiosos e ditadores de todos os continentes.

A crise dos derivativos, em 2008-2009, colocou sob a luz do dia as operações combinadas entre altos dirigentes do setor financeiro dos Estados Unidos e autoridades encarregadas de zelar pela saúde de papéis sem valor real que eram oferecidos a investidores desprevenidos e ludibriados. Por exemplo: depois de dar notas AAA para cassinos que se passavam por instituições sérias, as agências de risco estão aí, dando notas para as economias de diversos países, inclusive o Brasil.

A questão é essa. A Lava Jato realiza uma investigação necessária sobre denúncias de corrupção na maior empresa brasileira. (Não vamos discutir aqui seu caráter seletivo).

Não lhe cabe, porém, servir de instrumento para ataques ao emprego e aos sonhos de prosperidade da população brasileira.

Apenas uma visão essencialmente elitista da construção da riqueza de um país permite confundir a grandeza de uma empresa com as operações ocultas e atos de esperteza sem princípios de determinados dirigentes.

Tanto a Petrobras, como os gigantes privados construídos a seu redor são fruto do empenho, do suor e da competência de seus funcionários, seja o o mergulhador de águas profundas, o operário que levantou plataformas, a equipe de engenheiros e milhares de brasileiros que tiveram a dignidade de carregar nos ombros o sonho de um país melhor para si e seus descendentes. O fruto desse esforço nada tem a ver com a corrupção. Nada.

E é por isso que a 703 é uma proposta bem vinda. Só atrapalha quem sonha com o quanto pior, melhor. Ou quem já disse, como o próprio Carlos Fernando dos Santos Lima, que o objetivo da Lava Jato é “refundar o nosso Brasil.” Pode?

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