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quinta-feira, 28 março, 2024

A crise e a balança comercial

A redução de déficit comercial ou mesmo obtenção de superávit no comércio exterior nem sempre é sinal de bons ventos na economia de um país.

Paulo Kliass *

EBC

É bastante compreensível que, em momentos de crise como a que vivemos atualmente, procuremos ansiosamente por informações positivas de qualquer natureza, por fatos ou relatos que sejam capazes de nos transmitir algum otimismo ou esperança com relação aos cenários futuros.

Ocorre que na economia – assim como em quase tudo na vida – as coisas nem sempre são aquilo que aparentam ser. Como o quadro geral é marcado pela recessão, pelo  desemprego e por outros dados pouco animadores de uma forma geral, todo mundo tende a se mobilizar quando surge alguma notícia  que possa representar um sinal de luz no final do túnel. As manchetes de alguns meios de comunicação que vieram à tona agora no início do mês de abril são um bom retrato dessa confusão. “Balança comercial tem melhor resultado em 28 anos”. “Março apresenta superávit comercial recorde”. E por aí vai. Em tempos de Olimpíadas, a palavra recorde pode significar superação positiva e conquista importante. Mas como podemos interpretar de forma mais racional e menos emocional tal desempenho no chamado setor externo da economia brasileira?

Antes de mais nada, é necessário frisar que as estatísticas divulgadas pela Secretaria de Comércio Exterior do MDIC são absolutamente verdadeiras. O sistema de coleta, apuração e divulgação das operações de comércio exterior é muito eficiente. Ali podemos obter e consolidar informações diárias, semanais, mensais e de outras periodicidades. Além disso, estão disponíveis também os números relativos às exportações, importações, saldo comercial e mesmo a desagregação dos fluxos por categoria de produtos.

Comemorar o superávit na Balança Comercial?

Então vamos a eles. Durante o mês de março que se encerrou há pouco o Brasil registrou um total de exportações de US$ 16 bilhões. As importações atingiram a marca de US$ 11,6 bi. Logo, graças a uma simples operação de subtração, chega-se ao saldo comercial positivo de US$ 4,4 bi. Esse dado, por si só já significa um superávit recorde para toda a série histórica de março envolvendo todos os anos anteriores. Sim, mas e daí? Será que isso apenas estaria a justificar algum tipo de comemoração precipitada, como se qualquer tipo de saldo positivo nas contas externas fosse sempre um fato alentador?

Antes de qualquer avaliação pontual a respeito do desempenho isolado em um único mês do calendário, talvez seja interessante verificar o que estaria acontecendo com a tendência de prazo mais elástico dos movimentos envolvendo as atividades de nosso comércio exterior. E aqui então surgem as estatísticas relativas ao primeiro trimestre do ano. Tomada essa cautela necessária, ainda assim parecem estar confirmadas as hipóteses de estaríamos frente a uma alteração na dinâmica das relações comerciais da economia brasileira com o resto do mundo.

Na realidade, não houve um superávit inédito apenas em março. Ao longo dos três primeiros meses do presente ano, as exportações acumularam um valor de US$ 40,6 bi. As importações, por sua vez, chegaram a US$ 32,2 bi. Com isso, o saldo positivo surge também para o conjunto do trimestre e foi de US$ 8,4 bi.  Assim, muito provavelmente o fator que mais tenha contribuído para esse quadro seja a deterioração gradual das condições internas de nossa economia. É verdade que as exportações sofreram queda em razão da diminuição dos preços das “commodities”, mas as importações caíram ainda mais acentuadamente. Para isso colaborou também a desvalorização cambial, que tornou os produtos importados mais caros aqui dentro.

Mas será que esse início de 2016 está se revelando como um ano diverso dos demais? Ao que tudo indica, a resposta é positiva, uma vez que esses dados foram bastante diferentes do ocorrido nos anos anteriores. Entre 2013 e 2015, por exemplo, houve uma média anual de balança comercial deficitária de US$ 5,5 bi no primeiro trimestre – um resultado diametralmente oposto ao verificado atualmente. Essa mudança tão brusca de saldo positivo para déficit em apenas 12 meses é algo a ser mais bem avaliado.  Isso porque os valores das exportações foram mais elevados – US$ 48 bi, ou seja, 20% maiores do que do trimestre atual. Por outro lado, as importações também estavam mais altas naquele triênio e apresentaram média de US$ 53 bi, ou seja, 30% maiores do que o trimestre de 2016.

Redução das importações é fruto da recessão.

A identificação de quais setores teriam sido os maiores responsáveis por essa mudança tão acentuada só permite a avaliação dos dois primeiros meses, pois as informações completas de março ainda não estão disponíveis para consulta. De qualquer maneira, já é indicativo de tendência. As exportações de 2016 não teriam sido tão afetadas assim na comparação com janeiro/fevereiro de 2013/15 – elas caíram apenas US$ 4 bi em um total de US$ 29 bi. Já o quadro das importações é bem mais expressivo, uma vez que a queda do primeiro bimestre de 2016 foi de US$ 15 bi em relação ao mesmo período de 2013/15 – uma queda de 40%.

Assim, percebe-se que o fator que mais tem influenciado a transformação da tendência no saldo da balança comercial foi a brutal redução das importações. O ponto a reter é que nem sempre a redução de déficit comercial ou mesmo obtenção de superávit no comércio exterior é sinal de bons ventos na economia de um país. Se o alcance dessa meta fosse o resultado de um planejamento econômico e governamental estabelecido preliminarmente, talvez até pudéssemos avaliar melhor os seus efeitos.

Mas no caso presente a mudança de perfil no setor externo é fruto apenas do descontrole sobre os rumos da economia brasileira. Não se trata de uma estratégia relativa à tão necessária recuperação da política industrial, com o objetivo de apoiar a criação de empregos em nosso país e se contrapor às práticas desleais de parceiros asiáticos, onde a China é o maior exemplo. O fato concreto é que face ao atual nível de integração entre as economias e à internacionalização das mesmas, qualquer mudança de curto prazo desse tipo, sem planejamento, pode-se revelar muito prejudicial.

Impacto negativo sobre os investimentos.

O aspecto mais preocupante refere-se à análise da composição da queda recente nas importações. Dessa diminuição total de US$ 15 bi verificada apenas no primeiro bimestre, por volta de 80% (US$ 12 bi) estão concentrados nas rubricas de importação de bens intermediários utilizados no processo industrial e de bens de capital propriamente dito. Isso significa que a queda nas importações revela-se como um sintoma e uma consequência do próprio processo recessivo. A simples diminuição do ritmo de atividades de nossa economia já contribui para a redução dos investimentos de uma forma geral. No caso específico, comprime ainda mais que proporcionalmente os investimentos que seriam realizados por meio da utilização de máquinas e equipamentos importados.

Assim como não se devia bater no peito ufanista com a existência de um ilusório “real forte”, tampouco cabe comemorar o atual superávit comercial. O descompasso entre as diferentes economias do mundo globalizado impõe a realidade de que a moeda brasileira deveria sofrer um pouco de desvalorização, pois a situação anterior era apenas fruto do ingresso de capitais externos especulativos. No caso do saldo da balança comercial, é importante assumir que não conseguiremos constituir um amplo setor de bens de capital e bens industrializados de um dia para o outro. Haverá sempre a necessidade de importar uma parcela de nossas necessidades nesse campo.

Assim, para que a economia brasileira consiga crescer e ingressar em um movimento de retomada de projeto de desenvolvimento, os investimentos necessários implicarão uma parcela de máquinas e equipamentos importados. O economês chama isso de “coeficiente de importações”. Dado seu impacto multiplicador sobre o resto do ambiente econômico, nesse caso o déficit é bem vindo e pode, inclusive, se revertido a médio prazo com eventual recuperação de dinamismo exportador.

* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

Créditos da foto: EBC

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