Zelensky não está em boa situação. Está entre a “espada de aço” e a “privada de ouro”.
Em primeiro lugar, Zelensky perdeu a guerra, uma guerra que ele poderia ter terminado já em abril de 2022, em condições mais vantajosas que as de agora e com um número de vítimas muito menor.
Foi convencido, no entanto, por Boris Johnson, por Biden e pela obsoleta e lamentável Otan a persistir numa guerra inútil, com a promessa de apoio incondicional e vitória certa.
Quebrou a cara. Apesar da resistência e da tentativa (fracassada) de uma contraofensiva, a Ucrânia viu-se atolada numa guerra de desgaste (attrition warfare), que a vem fazendo perder ainda mais território e um número irreparável e insubstituível de soldados.
Perdeu 24% de seu território (e continua a perder) e não tem mais capacidade para repor os mortos e aqueles que se tornaram incapacitados para servir.
Os analistas objetivos e com um mínimo de informação, como Jeffrey Sachs e John Mearsheamer, sabem disso há muito tempo. Macron e outros, no entanto, não receberam o “claro memorando”.
Além de ter perdido a guerra com a Rússia, Zelensky está perdendo a guerra interna. Desencadeou-se, como se sabe, um grande escândalo de corrupção na Ucrânia. Dinheiro de ajuda externa destinado para dar segurança à usina Zaporizhia e resolver problemas graves de energia, teria sido desviado.
Dezenas de milhões de dólares, que foram parar, por exemplo, no banheiro de Tymur Mindich, amigo de Zelensky e diretor da companhia de energia Energoatom. Foi parar, mais especificamente, numa privada de ouro, ou banhada a ouro.
A tal banheira se transformou no grande símbolo de corrupção do governo de Zelensky, enfurecendo a população ucraniana, indignada com um desvio desse tamanho, ao todo US$ 100 milhões, em tempos de guerra.
Assim, Zelensky está emparedado entre a espada de ferro da Rússia e a banheira de ouro da corrupção interna.
Tem de negociar.
Pois bem, os pontos do acordo exibidos até agora divulgados (28) impõem uma derrota política à Ucrânia e à Otan, mas parecem pontos realistas e incontornáveis.
Ademais, como explico mais adiante, o acordo interessa muito aos EUA e a Trump. Na realidade, trata-se, fundamentalmente, de um acordo bilateral Rússia-EUA, no qual Zelensky e a Otan entram como atores secundários.
No que tange à questão dos territórios, por exemplo, o assunto mais delicado, o acordo determina que Crimeia, Luhansk e Donetsk serão reconhecidos como de fato russos, inclusive pelos Estados Unidos.
Já Kherson e Zaporizhia serão “congelados” ao longo da linha de contato, o que significa reconhecimento de fato dos territórios dominados pela Rússia até a linha de frente.
A Rússia, contudo, renunciará a outros territórios acordados que controla fora das cinco regiões.
As forças ucranianas se retirarão da parte do Oblast de Donetsk que atualmente controlam, e essa zona de retirada será considerada uma zona neutra desmilitarizada, reconhecida internacionalmente como território pertencente à Federação Russa. As forças russas não entrarão nessa zona desmilitarizada.
No campo das garantias, um acordo abrangente de não agressão será concluído entre Rússia, Ucrânia e Europa. Todas as ambiguidades e atritos dos últimos 30 anos serão considerados resolvidos.
Espera-se, de um lado, que a Rússia não invada países vizinhos e que, de outro, a Otan não se expanda mais.
Ademais, um diálogo será realizado entre Rússia e Otan, mediado pelos Estados Unidos, para resolver todas as questões de segurança e criar condições para a desescalada militar, garantindo segurança global e aumentando oportunidades de cooperação e desenvolvimento econômico futuro.
A Ucrânia receberá garantias de segurança confiáveis, providas pelos EUA.
O acordo será juridicamente vinculante. Sua implementação será monitorada e garantida por um Conselho da Paz, presidido pelo Presidente Donald J. Trump. Sanções serão impostas em caso de violações.
A Rússia será reintegrada à economia global e será convidada a retornar ao G8. O levantamento das sanções será discutido e acordado em etapas e caso a caso.
Mas os pontos mais interessantes do acordo tangem aos aspectos econômicos, que colocam, com centralidade, os interesses dos EUA. Esses são os pontos que deverão fazer o acordo se tornar realidade.
Os Estados Unidos entrarão em um acordo de cooperação econômica de longo prazo com a Rússia para desenvolvimento mútuo nas áreas de energia, recursos naturais, infraestrutura, inteligência artificial, data centers, projetos de extração de metais raros no Ártico e outras oportunidades corporativas mutuamente benéficas.
Além disso, os fundos congelados da Rússia serão usados da seguinte forma: US$ 100 bilhões em ativos russos congelados serão investidos em esforços liderados pelos EUA para reconstruir e investir na Ucrânia. Os EUA receberão 50% dos lucros dessa iniciativa.
A Europa adicionará US$ 100 bilhões para aumentar o valor do investimento disponível para a reconstrução da Ucrânia.
O restante dos fundos russos congelados será investido em um instrumento de investimento separado EUA-Rússia para implementar projetos conjuntos em áreas específicas. Esse fundo visa fortalecer as relações e aumentar interesses comuns para criar um forte incentivo para “não retornar ao conflito”.
Em outras palavras, os EUA de Trump pretendem lucrar muito com o acordo, com a reconstrução da Ucrânia e com um futuro tratado amplo de investimentos com a Rússia. Esse é o ponto crucial que a mídia, desinformada, não destaca.
O governo Trump e Trump, pessoalmente, têm amplo interesse no sucesso do acordo. Assim como têm interesse na reconstrução de Gaza.
Por conseguinte, a pressão sobre Zelensky será muito forte. Se impuser muitas condições, “melará” um grande negócio, no qual há muito interesse econômico dos EUA envolvido.
Duvidamos que Zelensky, enfraquecido politicamente e militarmente derrotado, tenha condições de modificar, na essência, um acordo que parece interessar tanto aos EUA. Muito provavelmente, vai ter de engolir as cláusulas fundamentais já negociadas entre Putin e Trump.
Putin, estratega, soube explorar esse filão econômico e sua vantagem militar, obtida com muita paciência e inteligência. Já Zelensky, um bobo geopolítico, caiu na conversa mole da Europa e da Otan.
Vai sentar-se no “trono dourado”.
* Marcelo Zero é sociólogo e especialista em Relações Internacionais.
Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.