San Salvador (Prensa Latina) Em El Salvador há agora um debate que nada tem a ver com o mitológico Velocino de Ouro, nem com a cidade que El Dorado identificou na Colômbia, nem com a mítica cidade inca de Paititi, chamada pelos conquistadores espanhóis de El Dorado, na selva amazônica do sul do Peru
Por Luis Beatón
Correspondente-chefe em El Salvador
Longe disso e mais atuais estão as declarações do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que assegura que o seu país tem a maior concentração de ouro do mundo, o que gera polémica.
Em El Salvador, hipoteticamente, existem os depósitos de ouro com maior densidade por quilómetro quadrado do mundo devido à atividade vulcânica, disse o presidente, citando estudos que alegadamente identificaram locais onde existem 50 milhões de onças de ouro avaliadas hoje em 131.565 milhões. dólares.
Tal cifra significaria alívio para o país e a possibilidade de Bukele cumprir sua promessa de resolver todos os problemas econômicos de seus compatriotas. Haveria fundos para todos os seus projetos e ele não receberia críticas por cortes nos orçamentos da saúde e da educação, temas hoje controversos.
O engenheiro Ricardo Navarro, presidente do Centro de Tecnologia Apropriada (Cesta), rejeitou a teoria do presidente de que o país tem a maior concentração de ouro do mundo.
“Estamos extremamente surpresos com a decisão do presidente Bukele de querer explorar a mineração de metais no país. “Ele diz que aqui temos a maior concentração de ouro do mundo, isso é totalmente falso”, afirmou Navarro no dia 28 de novembro.
O especialista questionou se o país, por estar dentro do Círculo de Fogo do Pacífico, possui esses recursos. “Isso se baseia em ciência que não existe”, disse ele.
Expressou que há anos as empresas mineiras se afastaram porque a concentração de ouro é muito baixa e na altura não era economicamente viável, mas agora há novos interesses porque “o preço do ouro subiu. É por isso que querem cair nesses depósitos”, afirmou.
Navarro descreveu o compromisso de Bukele com a mineração e a energia nuclear como um “erro”, que “são coisas, afirmou ele, que já estão parando” diante dos danos ambientais.
Da mesma forma, Luis González, membro da Mesa Redonda Nacional contra a Mineração Metálica, que questiona as estimativas de concentração de ouro, estimou que sua exploração é inviável devido aos danos aos recursos hídricos, aos ecossistemas e à população.
A extração de ouro e a concessão de licenças às grandes empresas mineiras vai destruir o país e afetar a capacidade do ecossistema de nos dar vida e mantê-la, e é isso que não deve ser permitido, destacou.
Há histórias para contar sobre a questão do ouro em El Salvador, que sempre envolveu autoridades locais e transnacionais em busca de lucros, independentemente dos danos causados ao povo.
Em 2008, o governo da época, presidido pelo quarto e último presidente do partido Aliança Republicana Nacionalista (Arena), Elías Antônio Saca, autorizou licenças para 29 projetos de exploração de 11 empresas mineiras, especialmente dos Estados Unidos e Canadá.
A mineração de metais ainda não era proibida em El Salvador, como aconteceu em março de 2017.
A história da atividade mineradora em El Salvador, especialmente ouro e prata, remonta à época colonial. Os primeiros registros de produção mineira datam de 1780, porém, nos últimos anos grandes mineradoras têm tentado expandir sua atuação na América Central.
Em resposta, há um forte movimento de ambientalistas e moradores, entre eles, membros da Associação de Desenvolvimento Socioeconômico de Santa Marta (ADES) que enfrentam um processo judicial que supostamente tenta eliminar os protestos no departamento de Cabañas, devido à sua suposta grande potencial dourado.
Desde o final da década de 1990, El Salvador emergiu cada vez mais como um território em disputa por recursos naturais.
A luta pelo acesso, controlo, disposição e utilização dos territórios e dos seus recursos surge como uma das estratégias mais rentáveis de geração de lucros, especialmente depois das repetidas crises de preços das matérias-primas a nível internacional.
Uma das principais atividades nesse cenário é a mineração de metais, uma vez que o ouro e a prata são altamente valorizados nos mercados mundiais.
Embora o presidente salvadorenho insista que o seu é o único país onde a mineração de metais é proibida e procure reverter essa lei, esta atividade gera altos índices de contaminação da terra e da água, bem como um alto impacto na destruição imediata da vida selvagem, tanto animal quanto vegetal.
Nos protestos contra este tipo de exploração de recursos não faltaram ações violentas contra os opositores às ações das empresas mineiras.
Em julho de 2009, o corpo de Marcelo Rivera, conhecido ambientalista de Cabañas, foi encontrado morto, com sinais de tortura e após vários dias de desaparecimento, num poço abandonado no município de Ilobasco.
Poucos meses depois, Ramiro Rivera Gómez, também ativista da luta antimineração, foi assassinado. Já havia sofrido um atentado em agosto de 2009, recebendo oito tiros de arma longa, acontecimento do qual foi salvo e pelo qual. ele recebeu proteção de vítimas e testemunhas da Polícia Nacional Civil (PNC).
Depois de uma árdua luta de 12 anos, que gerou uma grande aliança que incluiu comunidades afetadas pela mineração em todo o território nacional, organizações sociais, religiosas e estudantis, governos locais, ONGs e instituições estatais, a mineração foi finalmente proibida em El Salvador em março de 2017.
Hoje Bukele propõe suspender sua proibição total em El Salvador para obter recursos.
Neste esforço, destacou através das redes sociais que toda a riqueza potencial em ouro existente em El Salvador poderia ser de “três biliões de dólares”, o que equivaleria, segundo os seus cálculos, a 8.800 por cento do Produto Interno Bruto (PIB). nacional, que fechou 2023 em 34.015 milhões.
“Somos o único país do mundo com proibição total da mineração de metais, algo que nenhum outro país aplica. “Absurdo!”, escreveu ele na rede social X, antigo Twitter.
Agora, o Presidente Bukele propõe que a extração de ouro é uma riqueza que poderia transformar El Salvador e salientou que geraria milhares de empregos de qualidade, financiaria infraestruturas em todo o país e impulsionaria as economias locais.
Entretanto, aqueles que se opõem a este esforço salientam que tal ação trará problemas, morte e poluição, e também complicará a situação no país.
Um analista disse que o presidente, se quiser melhorar a situação económica, deve parar de gastar tanto com propaganda e reduzir recursos para as Forças Armadas.
Sem dúvida, é um cenário complicado onde um presidente com mais de 90 por cento de aprovação da sua administração se aventura num campo perigoso que talvez, mais do que aumentar o seu desempenho, reduza a sua popularidade no país.