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Em meio ao crescente apoio ocidental à Ucrânia e à intensificação do conflito, a Rússia tem reforçado suas capacidades militares e estratégias de retaliação, enviando um claro sinal de que o equilíbrio de poder na região pode estar mudando.
A recente demonstração de poder militar com o lançamento de um míssil hipersônico, que viaja a 3 quilômetros por segundo, não foi apenas um teste técnico, mas uma ação estratégica com implicações significativas no cenário global.
A Rússia, tradicionalmente mais cautelosa, deixou claro que qualquer fornecimento de armamento avançado à Ucrânia, como mísseis de longo alcance, será considerado uma provocação direta.
Essa nova realidade geopolitica surge com a autorização das potências ocidentais para que a Ucrânia ataque o território profundo russo, uma decisão que Moscou vê como uma escalada irresponsável e perigosa.
O governo russo adverte que, ao armar a Ucrânia com equipamentos militares capazes de atingir o território russo, o Ocidente não apenas apoia um conflito, mas potencialmente coloca em risco a estabilidade de toda a Europa.
Tito Olívio Barcelos Pereira, mestre em estudos estratégicos e doutorando em relações internacionais, explica em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, que “não foi um teste, exatamente. Agora foi uma espécie de um batismo de fogo, de um modelo que provavelmente já devia estar sendo desenvolvido há muito mais tempo e que agora se tornou de conhecimento público”.
Segundo ele, essa ação tem um “elemento estratégico” de mostrar capacidades militares inéditas e, ao mesmo tempo, enviar “um recado diplomático, um recado político” de que a Rússia está pronta para expandir suas retaliações.
Para o especialista, a Rússia reage a um cenário em que as potências ocidentais continuam “reafirmando o seu apoio logístico, político, militar e material à Ucrânia”, permitindo à Ucrânia atacar alvos no território russo.
Ele afirma que o recado de Moscou é claro: “Agora, a Rússia pode aumentar o leque de retaliações, atingindo com essas novas armas não apenas o território ucraniano em si, mas também os membros da aliança”.
Papel do Ocidente
Quando questionado sobre o papel do Ocidente, Pereira observa que a autorização para que a Ucrânia atacasse a Rússia “tem que ser entendida num cenário de transição política nos Estados Unidos”, onde a perda de poder do Partido Democrata pode abrir caminho para uma mudança de abordagem com um governo do presidente eleito Donald Trump.
Ele acredita que o republicano, ao prometer negociar um cessar-fogo e um eventual acordo de paz, poderia exigir dos ucranianos “concessões à Rússia”, incluindo a não integração da Ucrânia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
“Essas concessões podem ser territoriais, mas também geopolíticas“, ressalta Pereira, destacando que isso cria um grande desconforto em Kiev e nas capitais europeias.
O especialista vê nas ações recentes do Ocidente uma tentativa de desacelerar o avanço russo. “Você tem uma política de praticamente uma terra arrasada, criando dificuldades para o próximo governo”, afirma, referindo-se às medidas para aumentar a ajuda militar e financeira à Ucrânia.
O analista acredita que o governo Joe Biden, ao deixar pacotes de apoio para o governo de Trump, busca fortalecer a posição ucraniana, mas isso pode resultar em um aumento da resistência russa.
“É importante lembrar que, além dessa retirada das restrições no lançamento de mísseis estratégicos, você também tem tramitando iniciativas para que parte da dívida ucraniana seja perdoada“, o que só amplia a tensão.
Sobre o míssil Oreshnik
Na última quinta-feira (21), o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou um teste bem sucedido do mais recente míssil hipersônico de alcance intermediário Oreshnik. O Exército da Rússia conduziu um ataque de míssil contra a cidade ucraniana de Dnepropetrovsk, importante produtora de armamentos que tem um dos maiores complexos industriais do país, conhecidos desde os tempos da União Soviética.
De acordo com o especialista em geopolítica Rodolfo Laterza, o Oreshnik é um sistema balístico hipersônico de alta precisão, capaz de atingir velocidades de Mach 10, ou seja, dez vezes a velocidade do som. Com um alcance de até 5.000 quilômetros e capacidade para operar ogivas MIRV (múltiplos veículos de reentrada independente), o míssil pode atingir vários alvos de forma simultânea, com trajetórias distintas, sendo considerado um marco no campo da tecnologia militar.
“É um sistema extremamente avançado. Até os próprios analistas russos ficaram surpresos com a sua efetividade e precisão”, afirmou o especialista, também em declarações ao Mundioka.
Laterza ressaltou que ele foi desenvolvido em um centro secreto na Rússia, o Kasputin Yar, e representa uma resposta clara da Rússia às ameaças percebidas, especialmente no contexto do conflito na Ucrânia.
“Esse ataque, realizado em Dnepropetrovsk, teve caráter demonstrativo, com o objetivo de dissuadir qualquer ação contra a Rússia”, explicou o analista, destacando que o sistema foi projetado para atingir alvos em qualquer parte do mundo, especialmente na Europa, caso a Ucrânia fosse utilizada como palco de ataques ao território russo.
Nova doutrina de segurança nuclear russa
Laterza também comentou as recentes mudanças na doutrina de segurança nacional da Rússia, que agora permite o uso de armas nucleares em resposta a ataques convencionais que ameacem a soberania e integridade territorial do país. A mudança, segundo o analista, foi motivada pelo crescente envolvimento da OTAN no conflito ucraniano, uma ação que exigiu uma revisão das estratégias de defesa russa.
“A Rússia agora considera que qualquer ameaça à sua integridade territorial justifica uma resposta nuclear, mesmo que o ataque seja convencional“, afirmou.
Sobre o uso do Oreshnik, Laterza ressaltou que a Rússia não apenas quer demonstrar sua capacidade militar, mas também enviar uma mensagem clara à OTAN e seus aliados de que há um limite para as provocacões.