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quarta-feira, 25 dezembro, 2024

Coca: Colômbia busca novos usos para a folha ancestral

 Quando o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, garantiu que o Estado compraria toda a colheita de coca dos agricultores do distrito de El Plateado, no departamento de Cauca, surgiu um amplo debate na mídia.

Por Ivette Fernández

Correspondente-chefe na Colômbia

A preocupação foi mesmo transmitida ao secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, que durante a sua participação na Conferência sobre Biodiversidade (COP16), realizada recentemente na cidade de Cali, foi questionado sobre a iniciativa.

Respondeu que não conhecia os detalhes da proposta, mas manifestou o seu apoio se este material vegetal fosse posteriormente reaproveitado de forma positiva e se, com a aplicação de tal medida, pudesse ser garantida a neutralização do tráfico de cocaína, por qual a folha é matéria-prima fundamental.

O chefe de Estado colombiano manifestou a ideia depois de o Exército ter desenvolvido uma ofensiva na referida região sudoeste, no dia 12 de outubro, para repelir uma facção do autoproclamado grupo armado Estado Mayor Central (EMC) que dominava a área há algum tempo. mais de cinco anos.

Ele disse que naquela época havia “um mercado de ações para a cocaína do mundo, onde chegam os cartéis do México, Albânia, Croácia, Alemanha… Europa e África”.

Segundo ele, os violentos queriam usar aquela região como produtora da folha para exportar o entorpecente por via marítima para os Estados Unidos e matar os indígenas que contrariassem seu ganancioso projeto.

Como parte desta reflexão, considerou que é necessário mudar os métodos para experimentar uma transformação em relação ao tema.

“Se vamos repetir a mesma coisa com os mesmos instrumentos, todos sabemos que os problemas não serão resolvidos. Então, vamos comprar suas plantações de coca do campesinato Micay, enquanto surge a economia legal”, afirmou.

El Plateado é considerado na Colômbia a porta de entrada e saída do Cânion Micay, região formada por vários municípios como Argelia, López de Micay e El Tambo, no sudoeste do país, onde se concentram três quartos dessas culturas. concentrado em Cauca.

Segundo o Sistema Integrado de Monitoramento de Culturas Ilícitas da ONU (Simci), foram detectados 26 mil hectares dessas culturas naquele território do sudoeste em 2023, o que o colocou em quarto lugar nos departamentos com maior área plantada com coca e cuja produção contribui 11 por cento do total nacional.

PROBLEMA HÁ MUITO DEVIDO

A substituição de culturas ilícitas na Colômbia não é um problema simples.

Embora o Governo promova iniciativas para erradicar estas plantações e facilitar aos agricultores a opção por atividades não penalizadas pela lei, a verdade é que muitas das comunidades que baseiam a sua subsistência em atividades ilegais são coagidas por grupos armados dedicados ao tráfico de droga.

Já não depende apenas da entrada económica de milhares de famílias em zonas onde as instituições do país estiveram ausentes durante décadas, mas do medo natural de perder a vida se contrariar quem manda no território.

A proposta do Petro também suscita dúvidas entre os estudiosos do assunto sobre a sua aplicação, pois alegam que, se não houver regulamentação legal ou algum tipo de regulamentação, isso poderá aumentar o percentual de culturas sob a desculpa de que o Estado comprará.

De qualquer forma, já foi levantada a necessidade de uma mudança de abordagem sobre o assunto.

Isso foi delineado desde que a Colômbia aderiu ao Exame Crítico da Folha de Coca realizado pela Organização Mundial da Saúde para reavaliar a categoria dessa espécie dentro da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, na qual aparece como droga da Lista I, para a qual os países devem criminalizar o seu uso e cultivo.

Também em linha com esta mesma posição, o governo nacional elaborou um decreto que permitiria o desenvolvimento de projetos de uso alternativo com plantas de coca e papoula nos campos medicinal, científico e industrial.

O texto, aberto a comentários de cidadãos e grupos de interesse, tem como foco não apenas gerar conhecimento sobre os empregos, benefícios e potencialidades dessas espécies, mas também promover o desenvolvimento produtivo e sustentável de medicamentos, fertilizantes, adubos, pigmentos, alimentos, entre outros produtos.

Conforme divulgado pelo Ministério da Justiça, a regulamentação também permitiria à academia desenvolver novos avanços científicos e gerar conhecimento sobre componentes biológicos que podem ser utilizados em ações produtivas legais, o que continuaria posicionando o país como fonte de conhecimento científico sobre o tema. de drogas.

Enquanto isso, a Ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação, Yesenia Olaya, apelou aos cientistas de diferentes ramos para gerarem soluções integrais que reativem os componentes culturais territoriais da folha de coca porque, como disse, vai “além do posicionamento e categorização como matéria-prima”. material da economia ilegal.”

Isto, garantiu, “é uma colheita de interesse científico-tecnológico e cultural para diferentes sectores económicos”.

No âmbito do seu discurso no ‘Encontro de Ciência, Tecnologia e Inovação sobre os usos lícitos da folha de coca: paz e desenvolvimento para os territórios’ afirmou que é necessário unir forças em torno da investigação científica e do desenvolvimento tecnológico que permita respostas urgentes a os problemas das regiões do país. O responsável destacou a importância de reforçar a investigação sobre a planta para redesenhar a sua utilização rumo a um desenvolvimento sustentável que beneficie as comunidades.

Para tanto, apresentou roteiros de trabalho de curto, médio e longo prazo com vistas ao cultivo na Colômbia, como etnobotânica, etnofarmacologia, análise e extração de bioativos, entre outras técnicas, e destacou o potencial da planta em setores como alimentos, biocombustíveis, cosméticos e produtos farmacêuticos, com o apoio da biotecnologia, da nanotecnologia e da genômica.

“A implementação destas tecnologias pode ajudar a superar processos de violência estrutural na Colômbia e promover novos modelos económicos que impactem a agricultura e outros campos de inovação para a Paz Total”, considerou.

RAZÃO PARA COLABORAÇÃO

Como dar novos empregos à folha de coca foi até tema de conversa com o vice-presidente boliviano, David Choquehuanca, com quem o chefe de Estado colombiano explorou possíveis colaborações para combater o aumento destas culturas.

De acordo com o divulgado pela Presidência, ambas as partes discutiram a necessidade de concentrar esforços na transformação destas plantações em economias lícitas, através de um trabalho conjunto que permita a obtenção e comercialização de produtos alternativos, a fim de reduzir o impacto do tráfico de droga na região.

Na opinião de Petro, devido ao tráfico de cocaína o país está numa guerra perpétua.

“Se não mudarmos a política, então não vamos resolver isto, temos realmente que pensar sobre isto: se vamos continuar a matar-nos uns aos outros por mais 70 anos, mais 100 anos, quando será isso? vai acabar? Isto tem que mudar, não pode ser, a sociedade colombiana não pode ser sacrificada”, declarou sobre o assunto.

De acordo com um estudo divulgado em outubro passado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime em conjunto com o Ministério da Justiça e Direito da Colômbia, o país experimentou um aumento de 10% na área plantada durante 2023. com coca, que responde à pressão global devido ao aumento da procura.

No entanto, o estudo nota que, pelo segundo ano consecutivo, se regista um abrandamento da tendência de crescimento.

É diante desta situação que o presidente insiste em mudar a estratégia para dar uma solução a um problema que, como considerou, não é mais apenas colombiano, mas global.

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