Luís Ercílio Faria Junior é doutor em Ciências Naturais da Universidade Federal do Pará (UFPA)
Em entrevista ao Petronotícias, o pesquisador aplaudiu a declaração da diretora da Petrobrás Sylvia Anjos que afirmou que a presença de uma barreira de corais na região é uma “fake news científica”, apresentada pelo Greenpeace em 2017, e que está sendo usada pelo Ibama para impedir os estudos exploratórios da Petrobrás na Margem Equatorial Brasileira.
O cientista lembra que qualquer discussão sobre a existência ou não dos corais deve partir da análise do mapa geológico oficial da plataforma continental do Brasil, elaborado pelo Serviço Geológico Brasileiro (SGB). “Para mim, o que a diretora Sylvia disse foi excelente, pois ela ressaltou a importância de considerar o mapa geológico do Brasil para estudos ambientais, e não elucubrações ou imaginações de pessoas que, como eu disse, nunca estiveram na área e ficam fazendo mapinhas de computador”, concluiu.
Leia abaixo a íntegra da entrevista:
Professor, para facilitar o entendimento dos nossos leitores, vamos fazer as perguntas de uma forma cronológica. Assim, seria importante voltar ao passado. Poderia começar relembrando quando começaram os estudos de pesquisadores brasileiros na plataforma continental da região Norte?
O Brasil acumula mais de 50 anos de estudos e conhecimento geológico sobre a plataforma continental da região Norte. Eu, pessoalmente, trabalhei diretamente em estudos na região no final da década de 80. Eu e meus colegas da UFPA conduzimos estudos, em cooperação com universidades do Brasil e dos Estados Unidos, dentro do projeto internacional chamado AMAS-SEDS (Amazon Shelf Sedimentary Studies). Esse projeto contou com mais de 100 pesquisadores, com o objetivo de estudar a geologia e biologia da região.
Em quatro anos de pesquisa, acumulamos muitos dados. Daí resultaram os mapas geológicos que confirmam os mapas geológicos oficiais. Os resultados desses trabalhos do AMAS-SEDS são publicados até hoje. Os estudos nessa área não pararam. Hoje, os colegas da UFPA continuam com uma cooperação com a Marinha do Brasil, que ainda embarca cientistas em seus navios para a realização de pesquisas.
E quais foram os principais resultados desses estudos?
Com base nessas pesquisas e nas décadas de dados acumulados, posso afirmar com convicção que não existem recifes de corais na plataforma continental brasileira. Esse conhecimento se apoia em pesquisas de longa data, como as conduzidas pelo professor Mamá El-Robrini, especialista na área e responsável pela criação do curso de Oceanografia na UFPA.
Posso afirmar com segurança que conhecemos a datação das rochas da nossa plataforma continental. O fundo marinho é um ambiente, assim como outros na superfície. Portanto, ele possui uma vida própria e características físicas e químicas específicas das águas. No entanto, afirmar que se trata de uma barreira de coral, como a que existe na Austrália, é um blefe. Isso não é verdade. Posso afirmar que não existe barreira de coral nessa área.
É preciso ter muito conhecimento para afirmar isso. Por isso, desconfio até do conhecimento científico dos pesquisadores que defendem essa tese. A plataforma continental brasileira já esteve mais de 100 metros abaixo do nível do mar atual, com variações significativas ao longo do tempo. Durante essas oscilações, as rochas calcárias e carbonáticas foram formadas, mas isso não significa que temos uma barreira de corais comparável à da Austrália. Isso é uma “fake científica”, e reitero isso com base em mais de 50 anos de estudos sólidos e contínuos.
Professor, agora vamos viajar um pouco mais adiante no tempo. Vamos ao ano de 2017. Naquela ocasião, o bloco FZA-M-059, na Bacia da Foz do Amazonas, era operado pela britânica BP. A empresa elaborou o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental do projeto e apresentou essas informações em uma audiência pública. O senhor esteve nessa audiência e presenciou a participação do Greenpeace. Poderia relatar esse episódio?
Durante a audiência pública sobre o licenciamento ambiental do bloco FZA-M-059, que naquele ano ainda era operado pela bp, o Greenpeace distribuiu folders e projetou um mapa do que seria uma barreira de corais. Contudo, a imagem destacada representava a plataforma carbonática, composta por rochas carbonárias da nossa plataforma continental — uma estrutura que se estende do continente até aproximadamente 120 ou até 200 metros de profundidade.
Quando vi o mapa, com a descrição de “barreira de corais”, imediatamente questionei, já que a projeção incluía um estudo referenciado de 2016, assinado pelo pesquisador Rodrigo Leão Moura. Eu já tinha experiência com audiências públicas e fui verificar a bibliografia do Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambienta (EIA/RIMA) elaborado pela bp, mas não encontrei referências ao trabalho do Moura, citado pelo Greenpeace.
Naquele momento, eu levei essa questão para um representante do Ibama, apontando que o estudo citado pelo Greenpeace sequer estava na bibliografia oficial do EIA/RIMA em discussão na audiência. E isso não poderia acontecer.
Quando chegou a minha vez de falar, eu questionei a legitimidade do mapa apresentado, pois parecia ser uma manipulação: o contorno ali não representava recifes de corais de fato, mas sim rochas carbonáticas. Por fim, ressaltei que o Ibama não deveria considerar aquilo, pois o trabalho sequer estava citado no EIA/RIMA. O correto seria utilizar o mapa geológico oficial da plataforma continental do Brasil.
Professor, de fato, os folders com as fotos dos corais elaborados pelo Greenpeace citam esse estudo científico do pesquisador Rodrigo Moura, da UFRJ. Trata-se de um estudo publicado em 2016 na revista “Science Advances”. Esse trabalho, inclusive, é citado no parecer técnico do Ibama que embasou a decisão que negou a licença à Petrobrás. Esse mesmo parecer técnico deixa uma margem para o debate, dizendo que “trata-se de pesquisa ainda em curso e que demanda um maior aprofundamento”. O senhor chegou a ler esse estudo científico?
Eu já li esse trabalho. Contudo, ainda que digam que a existência desses corais possa ser um debate científico interessante, acontece que essa discussão não é relevante. Na verdade, trata-se apenas de uma tentativa de impor uma ideia manipulada. Como já disse, temos um mapa geológico com o tipo de rocha definido.
Contudo, importante ressaltar que esse pesquisador e o próprio Greenpeace não possuem amostras. Por outro lado, eu e meus colegas da UFPA temos amostras com datações de cada ponto coletado, demonstrando que aquilo é uma área de rochas carbonáticas e não um recife de corais. Pode ter sido um recife há 10 mil anos, mas hoje é uma rocha consolidada há muito tempo. Corais vivos existem apenas na região do Nordeste brasileiro, entre o Ceará e o sul da Bahia.
Como o senhor vê o papel do Greenpeace ao divulgar essas informações sobre os supostos corais?
O primeiro ponto que precisamos esclarecer é que o Greenpeace não é uma instituição científica. Esse é um ponto de partida essencial. Todos os trabalhos que eles realizam, apesar de envolverem pesquisadores, partem de uma organização que não se configura como uma entidade científica. Muitas vezes, eles conseguem atrair profissionais acadêmicos, principalmente porque há uma escassez de recursos em algumas áreas de pesquisa. Essa limitação financeira acaba facilitando que ONGs, como o Greenpeace, estabeleçam parcerias com pesquisadores de instituições reconhecidas, como universidades e institutos de pesquisa.
Agora, chegando ao atual momento, uma Petrobrás veio a público, na semana passada, para contestar abertamente a existência desses corais. Como avalia essa nova postura da empresa?
A postura está ótima. Chega de ficção e de imaginação. O pronunciamento dela sobre as rochas calcárias e carbonáticas é algo que eu já ouvi do ex-ministro Aldo Rebelo e de outras personalidades. Isso é muito bom, pois precisamos trazer as questões para a realidade, não para a ficção. A ficção é como os filmes de dinossauros do Steven Spielberg. Para mim, o que a diretora disse foi excelente, pois ela ressaltou a importância de considerar o mapa geológico do Brasil para estudos ambientais, e não elucubrações ou imaginações de pessoas que, como eu disse, nunca estiveram na área e ficam fazendo mapinhas de computador.
Jornalismo AEPET