Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Pedro Pinho*
Examinando os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do Império e da República encontram-se até médicos, o que dizer então de políticos, chefes de polícia e tremendamente evangélico ou católico. Porém sente-se a falta do baiano Augusto Teixeira de Freitas, com a erudita e magnífica “Introdução” para “Consolidação das Leis Civis” (1857), dos prolíficos e profundos civilistas, o cearense Clóvis Beviláqua e o alagoano Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, também do saudoso professor Roberto Tavares de Lira, que, no entanto, se faz presente por seu colega penalista, Nelson Hungria Hoffbauer, ambos da Comissão Revisora do Projeto de Código Penal de 1940.
Também encontramos muitos pensadores da sociedade brasileira, exemplificados por Alberto de Seixas Martins Torres, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, por juristas do porte de Eduardo Espínola, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, José Filadelfo de Barros e Azevedo, Orozimbo Nonato da Silva, Pedro Augusto Carneiro Lessa, Themístocles Brandão Cavalcanti e do tributarista Aliomar de Andrada Baleeiro.
E hoje? Que deserto de ideias! Todos rezando na cartilha do Consenso de Washington (1989) e adotando causas identitárias, preferindo agradar as finanças à lei, autorizando alienações da Petrobrás, como se subsidiárias não fossem departamentos, com personalidade jurídica própria apenas para flexibilidade administrativa. Mas quem dos onze ministros debateria questões administrativistas? Ou controvérsias civilistas? Ou penalistas? Ou constitucionalistas? Poucos talvez ainda ensaiassem discutir questões processuais, mas, certamente, sem a presença da pessoa ou da obra de Arnoldo Wald, Caio Mário da Silva Pereira, o que não dizer do professor Humberto Theodoro Júnior?
Leiam-se as palavras com que o estudioso e ativo Clóvis Beviláqua inicia a “Introdução” da sua “Teoria Geral do Direito Civil”, na 2ª edição, alertando, no prefácio, terem sidos “decorridos vinte anos da primeira, de 1908”:
“Por ciência do direito, pretendo significar, com Hermann Post (Allgemeine Rechtswissenschaft, 1891), a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica da humanidade e a determinação de suas causas. E, como a vida jurídica, por um lado, se manifesta sob a forma de leis e usos jurídicos, e, por outro, é operação da consciência individual, a ciência geral do direito é, ao mesmo tempo, sociologia e psicologia”.
Prossegue o jurista: “A feição sociológica é constituída pela história e pela legislação comparada ou, antes, pela legislação comparada operando no campo do passado e do presente”.
“A feição psíquica tem sido ainda muito pouco explorada de modo sistemático. Uma ou outra indagação, a que não falta profundeza, tem sido feita, mas sem vista de conjunto. Todavia é certo que os estudos de Kohler, na Alemanha, e de V. Miceli (Il diritto quale fenomeno di credenza collettiva, na Rivista Italiana di Sociologia, e Le fonte del diritto dal punto di vista psicosociale, Palermo, ambos de 1905), na Itália, mostram que, da orientação psicológica dos estudos jurídicos, devemos esperar a elucidação de muitos problemas e a remodelação de muitos conceitos”.
Mas será neste texto ou em Karl Larenz, que busca a subjetividade da “justiça” (Richtiges Rech. Grundzüge einer Rechtsethik, 1985), que define a ciência do direito, como segue, em “Methodenlehre der Rechtswissenschaft” (“Metodologia da Ciência do Direito”, na tradução de José de Souza e Brito e José António Veloso, para Fundação Calouste Gulbenkian, da 2ª edição (1969) do original, Lisboa, 1978), que se orientam, talvez sem saberem, os ministros?
“O que é a ciência do Direito?”, indaga Larenz. “É, de fato, uma “ciência”, quer dizer, uma atividade do espírito metodicamente dirigida à aquisição de conhecimentos – ou é apenas um saber organizado do que, numa certa comunidade jurídica, hic et nunc, é visto como “Direito”? Não será mesmo a hipótese de ser uma simples “técnica” ou “tecnologia”, um conjunto de instruções para resolver de maneira equitativa os casos jurídicos, de acordo com um certo número de regras a incluir máximas de ordem prática ou regras de convenção? Ou ainda: não será a ciência do Direito todas estas coisas ao mesmo tempo?”.
E prossegue Larenz: “a ciência do Direito é de fato uma ciência, na medida em que desenvolveu certos métodos que se dirigem a um conhecimento racionalmente comprovável. Conclusão a que não obstam nem a circunstância de ela nunca poder atingir o grau de “exatidão” que caracteriza a matemática e as ciências da natureza, nem a de muitos dos seus conhecimentos só terem uma validade circunscrita no tempo. A ciência do Direito tem a ver com o Direito, o que, porém, significa que tem a ver com um objeto que nós não conseguimos apreender a não ser na medida em que tomamos consciência do sentido, da significação, de certos atos e das suas objetivações – em leis, em decisões judiciais, em contratos, eventualmente. Trata-se, portanto, de uma ciência de “compreensão” que tem a ver com determinado “material”, nomeadamente com as normas e os institutos de certo Direito positivo”.
E, conclui, “se a ciência nos diz o que hic et nunc é direito, não está no entanto ao seu alcance fazer afirmações sobre o que é ou não justo em si mesmo”. Reprovado em epistemologia da ciência e do direito! Simples tautologia.
Xi Jin Ping, em 17/11/2012, diante do Birô Político do Comitê Central do 18º Congresso do Partido Comunista da China (PCCh), enunciou com muito mais objetividade e força a que serve o direito, ao tratar do socialismo com as características chinesas: “(este sistema) também integra organicamente o sistema democrático e a posição do povo como dono do país e a administração conforme a lei” (XJP, “A Governança da China”, Contraponto, RJ, 2019, I volume).
OS IMPÉRIOS DAS FINANÇAS
As finanças que dominaram o século XIX não eram apátridas, como as atuais, eram britânicas. Para isso se prepararam por muitos anos, séculos na verdade, pois temos duas datas muito significativas para observar sua ascensão.
A primeira foi em 1215, a Magna Carta, assinada por João Sem-Terra e referendada: seis vezes por Henrique III; três vezes por Eduardo I; catorze vezes por Eduardo III; seis vezes por Ricardo II; também seis vezes por Henrique IV; uma vez por Henrique V; e uma por Henrique VI (1422-1471). Por que tantas confirmações? Porque garantiam aos nobres o poder das terras, o poder fundiário, base do poder financeiro.
A segunda, em 1694, após a permissão para reingresso na Grã-Bretanha dos judeus, com a criação do Banco Central da Inglaterra, instituição privada de nobres e judeus, estes últimos para dotá-lo de tecnologia de ponta nesta nova forma de poder. Por que? Para que esta não fugisse para mãos holandesas, que criara seu Banco de Amsterdã em 1609, com os judeus que foram expulsos das cidades italianas (Veneza, Gênova, Nápoles, Sicília), da Espanha e de Portugal, e dinamizaram o comércio e as finanças dos Países Baixos, como comprovam as três guerras anglo-holandesas, entre 1652 e 1674.
A Inglaterra atravessa a Revolução Industrial, segunda metade do século XVIII, sem que surja a nova classe dos empreendedores, dos líderes industriais, na configuração do poder, como aconteceu nos Estados Unidos da América (EUA).
Pode-se identificar mais um momento, na construção do poder financeiro inglês, em 1814/1815, com o Congresso de Viena, reunindo as potências vencedoras da França bonapartista para redesenhar o mapa político da Europa, sob a direção do grande estadista austríaco Príncipe Klemens Wenzel von Metternich. A Grã-Bretanha foi, inicialmente, representada pelo Secretário dos Negócios Estrangeiros, o Visconde de Castlereagh. Após fevereiro de 1815, substituído por Arthur Wellesley, Duque de Wellington, e, ao fim, pelo Conde de Clancarty.
A astúcia dos representantes britânicos entregou à Inglaterra a estratégica Ilha de Malta, o Ceilão e a Colônia do Cabo, que lhe garantiu o controle das rotas marítimas, ao tempo que, consagrado o conceito de “fronteiras geográficas”, colocou a Europa continental em permanente estado belicoso que logo têm início, exemplificado por:
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a) Guerras Liberais em Portugal entre 1828 e 1834;
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b) Guerras da Independência Italiana, em 1848/1849, 1859, 1866, envolvendo, a princípio, os Reinos, Grão-Ducado e Estados na península e ilhas italianas e o Império Austríaco, logo se alargando para incluir a França e estados germânicos, ou seja, praticamente toda Europa, exceto a península ibérica e as nórdicas;
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c) Guerra da Criméia, em 1853/1856, entre os Impérios Francês, Russo, Otomano, o Reino de Sardenha, sobrando até para o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda; e
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d) Guerra Franco-Prussiana, em 1870/1871.