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quinta-feira, 26 dezembro, 2024

A mídia boliviana e a luta anti-imperialista

Por Leonardo Wexell Severo

O governo do general Juan José Torres foi um marco na história boliviana e da América Latina para romper com as amarras do imperialismo. Apesar da curta duração da sua gestão presidencial – de 7 de outubro de 1970 até 21 de agosto de 1971 – derrubada pela oligarquia a serviço dos Estados Unidos, nos deixou frutíferos ensinamentos, expressos no livro “Em defesa de minha nação oprimida”.

Torres encarava a mídia como imprescindível na batalha de ideias, seja nos campos político, econômico e cultural. Daí a razão de ter investido tanto na construção de meios próprios – como o jornal “El Nacional” -, não só para dar sustentação às medidas do governo revolucionário, mas contribuir, diariamente, para a formação de uma geração cada vez mais consciente. E independente.

Por demonstrar uma indissolúvel unidade entre palavra e ação, deixou como patrimônio, “medidas concretas convertidas em realidade irrefutável”, descreveu sua esposa e companheira, Emma Obleas de Torres. Estão aí, citou Emma, a “intervenção nas instalações da Bolívia Gulf Oil Company e entrega das mesmas à Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB); nacionalização da Mina Matilde; reposição salarial dos mineiros; reversão das concessões da empresa petrolífera Bolivian Atlantic Corporation; expulsão do ‘Corpo de Paz’ americano – usado para esterilizar mulheres -; respeito exemplar às garantias e direitos humanos, libertação de todos os presos políticos; ampliação do orçamento das universidades e do setor educacional; apoio à formação da Assembleia Popular; projeto de restauração do estado de direito, com nova Constituição assegurando uma ampla participação, capaz de garantir a continuidade do processo de libertação nacional”.

Há poucos dias, o jornalista brasileiro Paulo Cannabrava Filho, então responsável pelo El Nacional, voltou à Bolívia depois de 52 anos. Graças à dedicação e ao compromisso da Fundação Flavio Machicado Viscarra, reviu os valiosos exemplares do jornal. Tudo gravado pelo cinegrafista argentino Andrés Sal.Ari, que logo converterá os preciosos momentos em um documentário. Em 1970, Cannabrava entrou com Torres no Palácio Presidencial.

Em tempos sombrios de fake news, em que a podridão do bolsonarismo persiste como chaga em setores doentios da sociedade, ecoa o alerta de Torres sobre a relevância da informação para a consolidação da unidade, bem como da “vigilância que devemos sustentar e redobrar”. Afinal, “a reação não abandona o campo de luta sem esgotar todos os recursos que dispõe para manter sua sobrevivência política”.

Derrotados nas urnas, insistem na uniformidade do discurso, já que os grandes jornais e sites, bem como as emissoras de rádio e televisão no Brasil continuam sendo monopólio de uma casta contra os interesses da sociedade. E aí temos o canto de sereia de neoliberais e entreguistas sobre a importância da “responsabilidade fiscal”, do Banco Central “independente”, dos ditames de Washington, das privatizações/desnacionalizações, que apoiaram na presidência um propagandista de armas contra os livros, da contaminação contra as florestas e índios, da doença contra a vacina.

Neste momento em que a Pátria e a Humanidade se levantam contra a irracionalidade imperialista, precisamos atuar de forma consciente, unida e coordenada para alterar a “correlação de forças”. Sem a compreensão exata de que a correlação é uma condicionante de nossa atuação, mas nunca uma determinante, nos reduziríamos a ser meros espectadores do nosso fracasso e, consequentemente, do projeto de emancipação sonhado por Tiradentes e Bolívar. Apequenaríamos nossa existência a de seres conformistas, intimidados e acovardados – no melhor dos casos – quando não de vulgares colaboracionistas, sempre dispostos a negociar corações e mentes em troca de qualquer migalha oferecida pelo opressor.

Contra a alienação, é chegada a hora de informação e formação!

Boa leitura!

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“Nossa força e firmeza no governo emana da vigilância consistente e incansável das massas populares, vigilância que devemos manter e redobrar porque a reação não abandona o campo de luta sem esgotar todos os recursos de que dispõe para manter sua sobrevivência política”, afirmou o presidente general Juan José Torres, esclarecendo que a revolução boliviana estava “ocorrendo simultaneamente em todas as frentes”. “A luta do povo é econômica, é social, é política, é cultural, é militar”, alertava, frisando que “os inimigos da pátria não deveriam encontrar nenhuma trincheira aberta, pois esse seria o calcanhar de Aquiles para a sua permanência”.

Daí a necessidade do investimento na informação, assinalava, pois não se pode permitir “as manipulações dos traficantes da dependência, as especulações dos promotores de negócios duvidosos, e os planos apressados ​​e vorazes dos trustes internacionais”, que buscam a todo custo fazer recuar a roda da história em prol “da oligarquia financeira, importadora, bancária e mineira”.

A mídia elitista, argumentou o general, se caracterizava pela “falta de identificação com o nosso povo” e era guiada para “alcançar uma sociedade típica de consumo, tendo como base a criação de necessidades artificiais”, de “comodidades supérfluas”, enquanto havia bolivianos padecendo na “ignorância, no morticínio e na miséria”. “A propaganda se converte em um poderoso instrumento de distorção de valores”, advertia o presidente, denunciando “a ânsia de introduzir nos hábitos de consumo os últimos modelos automáticos que os mecanismos publicitários associam à ideia de necessidade”.

Na avaliação do general, “a libertação nacional é uma consciência do povo boliviano que, por isso mesmo, deve se manter informado de tudo o que está sendo feito na linha de frente da ação e da luta patriótica”. “Nenhum cidadão deve ficar à margem dos problemas do país e a voz das aspirações populares deve chegar a todos os lares, não só para calar os boatos da campanha interna, que os monopólios e a reação nacional espalharam, mas também para incentivar a educação e a cultura em todas as ordens de pensamento e ação social”, enfatizou.

Por conta disso, exemplificou, “a rádio Illimani, emissora estatal, desempenhou um papel fundamental na história revolucionária do último 7 de outubro, demonstrando que se colocou definitivamente ao lado do povo, reunindo seus desejos e levando o alcance do processo revolucionário até os confins da pátria e do exterior”. O presidente ressaltou que naqueles dramáticos dias, “a emissora do Estado se converteu em porta-voz dos patriotas frente aos desígnios dos agentes da dependência” e “neutralizou a ação da propaganda reacionária que queria acabar com o movimento das maiorias nacionais”. Continuando a transmitir o trabalho libertador do governo, assinalou, “o preconceito que conspira contra todos os meios de comunicação estatais foi superado”, fazendo com que a rádio se colocasse entre as maiores de todo o país.

“O mesmo trabalho tem sido feito pela televisão boliviana que, à medida que seus programas melhoram, tem uma audiência crescente porque serve ao povo não só como meio de divulgação de informação, mas também como instrumento de educação artística e cultural. Atualmente, estão sendo dados os primeiros passos para uma nova ampliação de suas perspectivas, englobando também uma tarefa de orientação política”, destacou.

“El Nacional: jornal que dirige as massas”

Em suas intervenções, o líder elogiou o papel do jornal El Nacional, que “tornou-se uma trincheira de defesa do processo revolucionário e um meio de orientação política das massas e do povo boliviano”. Em inúmeras ocasiões, citou Torres, “esclareceu problemas e substituiu a verdade histórica diante das acusações interesseiras feitas ao governo e ao processo de libertação nacional”. “As páginas editoriais do El Nacional contêm o mais completo material de opinião e orientação de todos os jornais publicados no país”, declarou o presidente, lembrando que o órgão não competia com os demais no volume de vendas, “mas no patamar de jornal que dirige as massas”.

Segundo Torres, ao ver as palavras nacionalização, estatização, planificação, valorização dos salários e direitos nas manchetes, “a direita reacionária exumou de seus depósitos as bandeiras do anticomunismo e a impaciência extremista deu-lhe as justificativas para a sua campanha”.

“Uma camarilha de políticos deslocados e um grupo de soldados subornados se reuniram nos porões da CIA para tramar o complô que me tirou do poder após três dias de luta sórdida, sangrenta e desigual”, recordou Torres. Assim, sem que tivesse tempo de consolidar seu projeto nacional-desenvolvimentista, o presidente foi deposto em meio a um banho de sangue promovido pelo psicopata Hugo Banzer.

A partir de 1974, a chamada “Operação Condor”, uma forma de integração regional das forças repressivas, perseguiu e executou líderes políticos populares e anti-imperialistas. Inúmeros presidentes latino-americanos foram depostos ou eliminados fisicamente, em uma etapa marcada pela forte ingerência externa dos Estados Unidos.

Profundamente humanista, Juan José Torres foi assassinado com os olhos vendados e três tiros na cabeça em 1976 pela Triple A (Aliança Anticomunista Argentina), esquadrão da morte treinado e patrocinado pelo imperialismo, quando tratava de retornar à Bolívia e construir uma ampla frente cívico-militar de libertação nacional.

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