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quarta-feira, 4 dezembro, 2024

“Há contradições em novas diretrizes do Itamaraty”, diz Celso Amorim

Amorim é considerado um dos chanceleres mais influentes da história recente do Brasil (Antônio Araújo / Câmara dos Deputados)

Ex-chanceler afirma que, pela necessidade de obter recursos a curto prazo, Brasil pode ser levado a opções erradas na política externa.

por Deutsche Welle —Fernando Caulyt/Carta Capital

Ex-ministro das Relações Exteriores no governo Lula e da Defesa no governo Dilma, Celso Amorim vê contradições em algumas das novas diretrizes do Itamaraty, agora sob comando de José Serra. Entre elas está a política externa para os vizinhos sul-americanos, Mercosul e África.

Em entrevista à DW, ele afirma que, pela necessidade de obter recursos a curto prazo, o Brasil passará por um processo de privatizações rápidas caso o governo Michel Temer se mantenha, e isso acabará levando a opções erradas também na política externa.

“A longo prazo, você estará debilitando o país para se posicionar como uma das grandes potências do mundo – algo que o Brasil tem vocação de ser”, opina.

DW Brasil: Como o senhor avalia as novas diretrizes do Itamaraty sob o comando de José Serra?

Celso Amorim: No início, houve anúncios altamente preocupantes, como uma opção nítida por acordos comerciais bilaterais do que pela Organização Mundial do Comércio (OMC), uma visão pré-concebida e até cheia de preconceitos contra o Mercosul e o processo de integração na América do Sul, um desinteresse pela África muito grande e, também, uma menor ênfase em outras iniciativas como os Brics. Tudo isso foi muito negativo. Na verdade, isso tudo se baseou também em falta de conhecimento, em comprar com facilidade versões que, na realidade, não se baseavam na realidade. Pela necessidade de obter recursos a curto prazo, eu acho que o Brasil passará por um processo, caso este governo se mantenha, de privatizações muito rápidas, e isso acabará levando a opções erradas também na política externa.

DW Brasil: As diferenças entre a política externa de Temer e a de Dilma não são mais parecidas do que a retórica sugere? Afinal, a segunda viagem de José Serra foi para Cabo Verde. Não seria simplista afirmar que o atual chanceler não se importa com o sul global?

CA: Eu acho positivo que o ministro Serra tenha ido a Cabo Verde. Mas, no discurso geral, o tom continua sendo o mesmo. O fato é que a política externa de Lula era ativa e altiva, já a de Dilma manteve a altivez, com decisões importantes como não ir aos EUA após a descoberta da espionagem pela Agência de Segurança Nacional (NSA). Talvez ela tenha sido um pouco menos ativa, talvez até por estar mais voltada para questões internas e a economia.

DW Brasil: O Itamaraty rebateu duramente as críticas feitas ao processo de impeachment por governos bolivarianistas. O senhor acredita que o tom usado foi o certo?

CA: Eu estranhei o tom, poderia ter sido “mais diplomático”. Do ponto de vista estritamente formal, os procedimentos legais de acordo com os estipulados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foram seguidos. Agora, é o conteúdo que retira a legitimidade desse processo. O impeachment nos governos presidencialistas não é feito com o objetivo de mudar totalmente a orientação do governo. O impeachment, se é que, supondo que as causas sejam verdadeiras e isso é discutível, é feito para, digamos, tirar um governante que não é considerado probo e substituir por outro probo, e não para mudar de uma centro-esquerda para a centro-direita. Isso é outro sistema de governo. Só isso, em si, já tiraria a legitimidade do processo.

DW Brasil: Quais são as consequências da mudança das diretrizes brasileira, pelo menos provisória, para a política externa quanto aos vizinhos e ao Mercosul como um todo?

CA: Para os vizinhos, eu vejo muita contradição: ao mesmo tempo se fala em flexibilização do Mercosul e de levar adiante o acordo com a União Europeia. Para que haja o acordo, o Mercosul precisa de uma frente unida e não pode ser debilitado: se cada país fizer as concessões ao seu modo, acabou essa negociação e nem mesmo os europeus vão querer. Eu vejo muitas contradições: não há percepção da importância da Unasul. Hoje temos a crise na Venezuela. Quem mais ajudou a resolver a crise foi o Brasil, em 2003, porque o Brasil tinha credibilidade. Agora, se você se coloca numa postura de total oposição e censura para qualquer um dos lados, você perde a credibilidade.

DW Brasil: Em sua opinião, o Brasil tem responsabilidades especiais na Venezuela?

CA: O Brasil apoiou a democracia na Venezuela, claro, não vou esconder de você que nós procuramos e intensificamos as relações com aquele país da mesma maneira que com Colômbia e Peru, que era de centro-direita. O Brasil estava muito interessado na integração sul-americana e em respeitar a opção de cada país. Hoje em dia, eu não vejo o governo brasileiro com credibilidade para poder influenciar nesse momento. O Brasil tem responsabilidades, é o maior país da América do Sul e sempre tem que exercer essa responsabilidade sem interferir no que é propriamente um negócio interno, mas buscando o diálogo das forças.

DW Brasil: Há risco de um afastamento brasileiro em relação aos Brics, caso o governo interino de Michel Temer seja efetivado?

CA: Há também interesses econômicos grandes que acabarão pesando na decisão. Mas eu sinto que não há uma disposição de usar o grupo em favor de uma multipolaridade, que seria mais útil. Por exemplo: parece que o ministro deu pouca importância pela busca do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Claro que é difícil, mas não temos que abandonar as bandeiras só porque elas são difíceis. As pessoas criticam muito a política externa, a chamam de lulopetista, mas isso vem do governo Sarney. Há sempre esse argumento facho de que a política dos outros é partidária e a sua é de Estado. E, sobretudo, quando a política dos outros é da esquerda, ela é vista como partidária. Quando é da direita, é de Estado. Talvez porque a direita sempre tenha dominado o Estado…

DW Brasil: Quando o senhor deixou seu posto de chanceler, o Itamaraty perdeu importância. O senhor acredita que não foi feito o suficiente durante seu mandato como chanceler para institucionalizar a pasta como ministério-chave?

CA: Eu não sei se estou de acordo com sua premissa. Acho que isso não é uma questão propriamente institucional. Claro que, hoje, a política externa internacional depende muito dos presidentes. Mas eu fui ministro da Defesa de Dilma, e nesta área, que não é supérflua, houve orientações de grande importância, como o fortalecimento do Conselho de Defesa Sul-Americano e a aproximação com a África e os países dos Brics sem perder a relação com os demais. O que nós procuramos fomentar foi a diversidade, e eu acho que essa percepção não desapareceu no governo Dilma. Pode ter havido menor intensidade, mas acho que não é um problema de institucionalização, mas é necessária a proximidade do ministro com o presidente.

DW Brasil: Como o senhor vê o momento político atual do Brasil e o avanço da Operação Lava Jato?

CA: A Lava Jato pode ter cometido exageros aqui ou ali, mas vejo como uma coisa positiva. O problema da Lava Jato é que ela ataca só os sintomas, que são graves e têm que ser atacados, mas não as causas. E a causa é o sistema político-eleitoral no Brasil, a força do dinheiro nas eleições e a força da mídia na eleição no Brasil, que está ligada ao poder financeiro. Eu acho que, nesse momento, o melhor caminho para o Brasil seria ter eleições gerais ou pelo menos uma Assembleia Constituinte. E isso só é possível se Dilma for absolvida se ela assumir este compromisso. Eu acho que ela tem que ser absolvida – o Senado não pode condená-la, porque é claro que este governo [interino], se ficar, não é ele que vai mudar [as regras no sistema político-eleitoral].

DW Brasil: Em sua opinião, o PT cometeu erros que colaboraram para chegarmos à situação atual?

CA: Nenhuma administração é perfeita. Se eu for fazer uma autocrítica, é o partido não ter feito a reforma política no momento em que talvez tivesse mais força para tentar fazê-la. Nunca teria sido fácil, mas talvez pudesse ter tentado. Na época em que a presidente pensou, em 2013, já não tinha força, porque já havia tido aquelas manifestações, e as eleições de 2014 já estavam próximas.

DW Brasil: Se Michel Temer for efetivado como presidente, quais cenários você vê para o Brasil?

CA: É evidente que a ênfase social que foi dada pelos governos do PT não permanecerá. Claro que temos um problema econômico no momento, e ele tem que ser superado. É preciso combater a desigualdade, e eu não sei se o governo Temer vai nesse sentido.

DW Brasil: Do ponto de vista estritamente econômico, pode ser até que tenha uma melhoria no curto prazo, porque se você faz uma política de privatização da economia da maneira que está sendo proposta, creio que haverá certo influxo de capitais. Mas, a longo prazo, você estará debilitando o país para se posicionar como uma das grandes potências do mundo – algo que o Brasil tem vocação de ser.

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