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sábado, 23 novembro, 2024

Memória: as razões do tiro na madrugada

José Augusto Ribeiro*
“Quero voltar ao 24 de agosto de 1954 para contar de novo, sem a necessidade de qualquer comentário, um episódio daqueles dias. No auge daquela campanha, a mídia se mobiliza contra Getúlio, o jornalista Carlos Lacerda fala contra ele toda noite pelas duas únicas TVs em funcionamento no Brasil, uma no Rio e a outra em São Paulo, ambas de propriedade do Rei da Mídia de então, Assis Chateaubriand – um monopólio privado absoluto. A onda avança, manifestos militares exigem a renúncia de Getúlio e no auge da crise a chantagem e seu preço são anunciados sem meias palavras.
Assis Chateaubriand, que comanda o linchamento midiático de Getúlio, tem um encontro com o General Mozart Dornelles, subchefe do Gabinete Militar da Presidência da República, de quem era amigo pessoal desde a Revolução de 30, quando se conheceram, Mozart combatente e Chateaubriand jornalista. É Mozart que procura Chateaubriand, sem Getúlio saber, e pergunta por que tanto rancor, tanto ódio na campanha das televisões, das rádios e jornais fortíssimos da rede dos “Associados” de Chateaubriand em todos os Estados e de sua revista ilustrada O Cruzeiro, que vende meio milhão de exemplares por semana.
Chateaubriand não faz cerimônia, faz seu preço:
– Mozart, eu sou o maior admirador do Presidente, eu adoro o Presidente. À hora que ele quiser, eu tiro o Carlos Lacerda da televisão e entrego para quem ele quiser… É só ele desistir da Petrobrás.
É só ele desistir da Petrobrás…
O General, chocado com a crueza da proposta, volta para o Palácio do Catete, sede da Presidência da República, onde encontra o Ministro da Justiça Tancredo Neves, conta o episódio e pede uma opinião: deve contar ou não a Getúlio sobre a proposta de Chateaubriand?
– Acho que você deve contar – responde Tancredo. – O Presidente precisa saber disso. Mas nós dois sabemos de uma coisa: o Presidente morre, mas não desiste da Petrobrás.
Getúlio não desistiu – e o Brasil tem hoje o Pré-Sal, tão ameaçados neste agosto, o Pré-Sal e a própria e sessentona Petrobrás, quanto a Petrobrás recém-nascida no agosto de Getúlio na crise de 54.“
(Trecho de artigo de *José Augusto Ribeiro* publicado originalmente no blog da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET) em 2018. Ribeiro é autor da trilogia  *”Era Vargas”*, uma biografia política de Getúlio Dornelles Vargas.)

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