por Eduardo Vasco
Com o caos que o Brasil tem vivido desde o golpe de 2016, e especialmente nos dias de paralisação dos caminhoneiros, diversos analistas e veículos de comunicação enfatizaram a política de preços e o modelo de gestão da Petrobras como grande responsáveis pelo aumento no preço dos combustíveis e revolta dos grevistas.
Quando tomou o poder após derrubar Dilma Rousseff, Michel Temer mudou a política que vinha sendo levada a cabo pelos governos do PT, de pouco reajuste no preço dos combustíveis. Ao invés de se sujeitar à flutuação dos preços do mercado internacional, a Petrobras mantinha os preços estáveis, mais baratos do que os praticados atualmente.
Nas redes sociais, internautas lembraram que, na vizinha Venezuela, mesmo em meio a uma grande crise econômica, a gasolina continua como a mais barata do mundo, com o litro custando míseros quatro centavos. A Petróleos de Venezuela (PDVSA), gigante venezuelana do petróleo, é a empresa estatal daquele país, similar à Petrobras no Brasil. Entretanto, ao contrário da companhia brasileira, ela não vem sofrendo um processo de privatização, servindo ao povo venezuelano e não ao capital internacional.
História
Descoberto em meados do século XIX, o petróleo tem moldado todos os aspectos da vida na Venezuela. No início do século XX, as companhias estrangeiras foram conseguindo concessões do governo para exploração do petróleo, por meio de empresários venezuelanos que as repassavam para os estrangeiros, construindo fortunas desta maneira. Assim, as grandes corporações detiveram um grande poder político e de pressão sobre o governo nacional.
Nos anos 1920, a Venezuela se converteu no segundo maior produtor de petróleo do mundo, atrás dos EUA, e no principal exportador entre 1928 e 1970. Durante todo esse período, de governos democráticos e ditatoriais, houve embates entre as sucessivas administrações e as corporações. Foi nos anos 1940 que o Estado começou a impor algum controle às concessões, cobrando impostos mais justos.
No âmbito da crise mundial do petróleo e da maior união dos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), em 1976 a Venezuela finalmente nacionalizou a indústria petroleira e, em seguida, foi criada a PDVSA. Entretanto, essa nacionalização concedeu grandes indenizações e oportunidades de comercialização para as multinacionais, além de deixar uma brecha jurídica para sua reprivatização. A PDVSA também adotou uma política de gestão semelhante a de empresas privadas e não atendeu de maneira contundente aos interesses do povo venezuelano e às aspirações de soberania nacional.
A Fedecámaras – a FIESP venezuelana – se opôs à nacionalização do petróleo e foi uma das maiores entusiastas da “abertura petroleira” de vinte anos depois.
Nos anos 1990, com a finalidade de privatizar a PDVSA, o governo seguiu a cartilha neoliberal do FMI, aumentando o preço dos combustíveis. Já em 1989 o povo havia se insurgido contra as políticas neoliberais, causando centenas de mortos e desaparecidos devido à repressão estatal, no episódio que ficou conhecido como “Caracaço”.
A abertura petroleira que se iniciava era uma política de concessões e convênios com investidores privados, além da redução do direito de cobrança de impostos pelo Estado. Boa parte desse processo foi realizado sem respaldo legal e atendeu especialmente aos interesses estrangeiros.
Finalmente, a partir de 1997 as multinacionais puderam comercializar o petróleo e seus derivados, o que era monopolizado pela PDVSA até então, assim como sua venda e transporte. No entanto, tal comércio privado era feito com algumas regulamentações, como o controle por decreto do preço da venda da gasolina.
Esse controle continua até hoje. Ao contrário do que está fazendo a Petrobras a partir do golpe de Estado, a PDVSA subsidia a gasolina na Venezuela e seu preço não depende das flutuações do mercado internacional. Além do preço simbólico da gasolina e do gás de cozinha, os combustíveis – principalmente o petróleo – foram fundamentais para a Revolução Bolivariana.
Atualidade e desafios
A renda do petróleo financia importantes programas sociais na Venezuela. Cerca de metade dos fundos vai para as Missões Bolivarianas (como a contrução de moradias ou o acesso gratuito e universal à saúde e à educação) e o restante é distribuído através do Fundo Nacional de Desenvolvimento.
A atual lei obriga a PDVSA a ser participante majoritária em todos os projetos em que empresas privadas estão envolvidas. A constituição do país também determina que a totalidade das ações da petroleira pertence ao Estado, ou seja, suas ações não podem ser vendidas a particulares. Ela ainda tem o monopólio dos hidrocarbonetos que se encontram no subsolo da Venezuela. Mas, entre as regras atuais da PDVSA, está estabelecido que ela pode se associar e entregar concessões para a prestação de serviços relacionados com seus produtos.
Um dos pontos historicamente prejudiciais à empresa, como em qualquer parte do mundo, é a corrupção. Nos últimos anos, o governo encontrou uma intrincada rede de corrupção que causa instabilidade na gestão da PDVSA e, consequentemente, em toda a economia do país. Parte das irregularidades constatadas também estaria ligada às sabotagens que a oposição (com ligações dentro do aparato estatal) executa para desestabilizar o governo, como parte da guerra econômica em curso. Assim, no final de 2017 foram presos por lavagem de dinheiro 76 funcionários da PDVSA, entre eles 21 gerentes e dois ex-ministros, em operações ilícitas cometidas entre 2011 e 2012.
Recentemente catalogada como a segunda petroleira mais poderosa do mundo, atrás da ExxonMobil, a crise econômica e os escândalos de corrupção internos não enfraqueceram de maneira decisiva a companhia. Ela ainda conta com grande capacidade de refinamento, com 18 refinarias no exterior (oito delas nos EUA) e seis na Venezuela. A segunda maior refinaria do mundo é o Complexo Refinador Paraguaná, na Venezuela, obviamente pertencente à PDVSA.
De acordo com dados dos mais recentes, em comparação, o Brasil produz 2,5 milhões de barris de petróleo por dia, enquanto a Venezuela beira os dois milhões, exportando, mesmo sofrendo uma guerra política e econômica dos EUA, 1/3 do óleo cru para a superpotência do norte.
Um dos principais temas e promessas de Nicolás Maduro durante a campanha que o reelegeu presidente da Venezuela foi a luta contra a corrupção. Outro foi a diversificação da economia venezuelana, marcadamente dependente do petróleo (que representa mais de 95% de suas exportações).
O petróleo, ao mesmo tempo que levou prosperidade ao país, também o tornou seu refém. A queda de preço no mercado mundial se traduz em crises desastrosas para o país, historicamente dependente do “ouro negro”. Um dos desafios da Revolução Bolivariana, nesta nova etapa após a vitória eleitoral de Maduro, será a velha necessidade de diversificar sua economia para desenvolver suas forças produtivas e deixar para trás o modelo rentista, que, paradoxalmente às transformações vividas pela Venezuela em todos esses anos, deixa o país em uma condição de atraso com um capitalismo rentista de Estado incompatível com as aspirações revolucionárias da maioria do povo venezuelano, rumo à conquista de uma sociedade socialista.
Maduro sabe disso e tem tratado desse tema. Veremos se o governo terá condições e levará a maiores consequências essa necessidade, acossado por um bloqueio econômico que tenta driblar e por uma oposição político-empresarial interna com a qual tenta entrar em reconciliação.