por Carlos Morais
Quando está prevista é menos dolorosa. A derrota eleitoral neste domingo (06) na Venezuela pelas forças revolucionárias e de esquerda articuladas no Gran Polo Patriótico Simón Bolívar [GPPSB], é uma má notícia para o povo trabalhador venezuelano, mas também para o conjunto dos povos latino-americanos e caribenhos, e do resto do mundo, como o galego.
O resultado das eleições legislativas venezuelanas tem uma dimensão geoestratégica polo rol que cumpre o processo revolucionário – tanto a escala continental como no âmbito global – como um dos mais destacados referentes anti-imperialistas. Eis a importância concedida antes e depois polos meios de [des]informação maciça; primeiro, a gerarem um estado de opiniões hostil com a Revolução – que identificam com uma dessas ditaduras que os seus proprietários também conhecem, ao questionarem o seu sistema eleitoral e apresentarem Maduro como um ditador – e agora a avalizarem com mal dissimulado entusiasmo o resultado e a exigirem celeridade na aplicação do “mandado popular” para iniciar a “Transição”, de maneira que se identifiquem as legislativas de ontem com um plebiscito sobre Maduro e a continuidade da Revolução Bolivariana.
Um conjunto de fatores permite compreendermos este novo cenário
Sem lugar a dúvidas, a guerra económica que o País padeceu nos últimos anos, traduzida na sabotagem económica e elétrica que tem provocado um enorme desabastecimento de produtos básicos e no aumento da inflação, minaram o apoio popular à Revolução Bolivariana.
Mas não só podemos agarrar-nos a este fator para explicarmos a contundente vitória eleitoral da contrarrevolucionaria na Venezuela.
Um processo revolucionário que não avança inevitavelmente retrocede. O processo revolucionário chavista e bolivariano nos últimos dois anos tem estado submetido a um profundo debate entre o setor que hegemoniza o poder institucional e a base auto-organizada nos partidos, coletivos e movimentos sociais revolucionários inseridos no PSUV ou com projetos claramente autónomos como o representando polo Partido Comunista da Venezuela.
Este debate até agora sempre se saldou com a vitória ideológica do primeiro, visado na defesa de um modelo nacional de capitalismo de estado, contrário a avançar no horizonte socialista, mais preocupado por perpetuar e blindar os privilégios atingidos pelo que se denomina corretamente como boliburguesia, que por implementar um programa e um conjunto de medidas de choque para solucionar o desabastecimento que desgasta a moral do povo, e por desenvolver o “Programa da Pátria [2013-2019]” elaborado por Chávez.
A morte prematura de Hugo Chávez em março de 2013 acelerou as contradições internas no movimento bolivariano e a presidência de Nicolás Maduro não co9nseguiu acabar ou ate mesmo abrandar a corrupção, nem a insegurança emanada da delinquência [ malandros ] e o paramilitarismo com vínculos diretos com os partidos e dirigentes dos contrarrevolucionários.
As lutas intestinas, cada vez mais públicas e sonoras, no seio do PSUV e as ambições de Diosdado Cabello por ocupar o Palácio de Miraflores contribuíram a desenhar um cenário onde o resultado da eleição era mais que previsível.
Para a casta que ocupa o poder no seio do Estado e do PSUV, e que manteve enorme passividade à hora de combater a corrupção e agiu com enorme prepotência e petulância, o Socialismo não passa de ser uma palavra de ordem vazia de conteúdo. O comandante Hugo Chávez foi transformado num fetiche desprovido do seu projeto genuinamente revolucionário, mas útil para ganhar eleições pela profunda devoção e legitimidade com que conta nas entranhas da Venezuela pobre e popular.
Venceu a direita pro-imperialista, a oligarquia que manteve a Venezuela como uma neocolónia ianque e o povo na miséria absoluta até 1999, e todo indica que tentará reverter às conquistas sociais atingidas, desmontar a arquitetura institucional da Revolução Bolivariana e mudar a política internacional de integração Latino-americana e caribenha, a da Pátria Grande frente o imperialismo ianque. A vitória de Macri na Argentina e a tentativa de impeachment a Dilma fazem parte desta estratégia de ofensiva imperialista em que devemos enquadrar a normalização das relações diplomáticas com Cuba e o apoio ao processo de paz na Colômbia.
Situação inquietante
Quando escrevo estas reflexões de urgência ainda faltam por assignar 22 representantes [“curules”] da Assembleia Nacional. Atualmente o GPPSB logrou 46, frente aos 99 do MUD. Se a contrarrevolução atingir 2 mais, poderá censurar membros do governo; e se chegar aos 110, poderá promover referendos, reformas constitucionais, promulgar leis orgânicas que desmontem a arquitetura institucional bolivariana e mesmo iniciar um processo para uma nova Assembleia Constituinte.
A contrarrevolução vai apresentar esta vitória como um plebiscito que deslegitime a presidência de Nicolás Maduro. Sem lugar a dúvidas, a instabilidade política e social que vive a Venezuela vai continuar, agora com uma correlação de forças institucional alterada. Não esqueçamos que a direita, por primeira vez, já não questiona os resultados nem a legitimidade do Conselho Nacional eleitoral, já nem montou guarimbas nos bairros ricos, nem protestou. Agora a sua estratégia vai centrar-se na erosão a Maduro, mesmo tentará forçar a convocatória de um referendo para revogar a Presidência da República.
Desafios do chavismo
O chavismo tem dois grandes reptos: recuperar o apoio popular perdido, ativar esse importante setor da base social chavista desencantada que na eleição votou tapando-se literalmente o nariz, como condições indispensável para gerar as condições subjetivas que permitam dirigir e capitalizar uma contraofensiva contra a reação que tentará liquidar as conquistas sociais mediante privatização e retirada do apoio às Missons.
Mas, simultaneamente, deve promover sem limitações um profundo debate político-ideológico que culmine com a substituição e cessamento da burocracia parasita corresponsável desta derrota. Porém, as resistências vão ser muito grandes, pois os interesses em jogo som imensos. É mesmo possível que um setor desta fração burocrática procure uma saída negociada com a contrarrevolução, uma “transiçom” para assegurar os seus privilégios em troca de voltar para um modelo de democracia burguesa do agrado de Washington e o FMI.
Mas afortunadamente nestes 17 anos de Revolução Bolivariana um setor mui importante do povo venezuelano tem atingido um grau importante de politização e auto-organização, disposto a defender por todos os meios a sua [a nossa] Revolução.
Há que desenvolver o socialismo comunal e bolivariano, dar poderes ao povo auto-organizado como permite a Constituição Bolivariana, ocupar as ruas e, dos bairros e dos centros e trabalho, fazer frente aos planos da camarilha da MUD teledirigida polos Estados Unidos.
Nicolás Maduro terá que recorrer novamente a uma Lei Habilitante que lhe conceda poderes especiais, que lhe permita governar por decreto e ganhar tempo [seis meses], para recompor o chavismo com o debate pendente que reclamaram durante anos as correntes revolucionárias no seio do PSUV e as forças aliadas, e preparar-se para um novo cenário em que a Assembleia Nacional vai responder às diretrizes da embaixada dos Estados Unidos e não aos interesses do povo trabalhador venezuelano.
Vai ser tempos duros. Tem razão Nicolás Maduro quando afirma no seu discurso reconhecendo a derrota eleitoral que tem de vir “uma nova etapa da Revolução Bolivariana”. Sem uma profunda correção da linha socialdemocrata e pacifista até hoje hegemónica, sem uma profunda democratização do PSUV, não será factível aproveitar esta derrota tática para convertê-la num revulsivo que facilite o tão desejado e reclamado avanço estratégico.
Galiza, 7 de dezembro de 2015
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/