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segunda-feira, 21 outubro, 2024

Eurocomunismo, ou o render dos ideais

 


por Catarina Casanova [*]
“A não ser para troçar do senso comum e da história, é claro que não se pode falar de “democracia pura” enquanto existirem classes diferentes, pode-se falar apenas de democraciade classe. (Digamos entre parênteses que “democracia pura” é não só uma frase de ignorante,que revela a incompreensão tanto da luta de classes como da essência do Estado, mas também uma frase triplamente vazia, pois na sociedade comunista a democracia, modificando-se e tornando-se um hábito, extinguir-se-á, mas nunca será democracia “pura”.)
A “democracia pura” é uma frase mentirosa de liberal que procura enganar os operários. A história conhece a democracia burguesa, que vem substituir o feudalismo, e a democracia proletária, que vem substituir a burguesa”.
(Lenine 1918, in “A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky”) Obras Escolhidas em Três Tomos, 1977, Edições Avante! – Lisboa, Edições Progresso – Moscovo
“Assim, na revolução de 1917, quando a questão da significação do papel do Estado foi posta em toda a sua amplitude, posta praticamente, como que reclamando uma ação imediata das massas, todos os socialistas-revolucionários e todos os mencheviques, sem exceção, caíram, imediata e completamente, na teoria burguesa da “conciliação” das classes pelo “Estado”. Inúmeras resoluções e artigos desses políticos estão profundamente impregnados dessa teoria burguesa e oportunista da “conciliação”. Essa democracia pequeno-burguesa é incapaz de compreender que o Estado seja o órgão de dominação de uma determinada classe que não pode conciliar-se com a sua antípoda (a classe adversa). A sua noção do Estado é uma das provas mais manifestas de que os nossos socialistas-revolucionários e os nossos mencheviques não são socialistas, como nós, os bolcheviques, sempre o demonstramos, mas democratas pequeno-burgueses de fraseologia aproximadamente socialista”.
(Lenine, 1917 in “O Estado e a Revolução”)
in www.marxists.org/portugues/lenin/1917/08/estadoerevolucao/index.htm

É em Dezembro de 1968 na cidade de Champigny que o Partido Comunista Francês (PCF) oficializa um programa (manifesto de Champigny) que vê o socialismo como um sistema naturalmente decorrente da democracia burguesa, fruto de sucessivas e contínuas reformas.

O texto admite que existe uma espécie de contínuo entre estes dois tipos de sistema: de reforma em reforma, sempre que a correlação de forças for favorável ao trabalho, os trabalhadores e a classe operária vão avançando rumo ao socialismo.

Referem os “comunistas” franceses que para trás fica progressiva e gradualmente a ditadura do capital. Passar-se-á do sistema capitalista ao socialista com acções de massas que pura e simplesmente vão ” limitar progressiva e sistematicamente as empresas monopolistas na economia nacional, a enfraquecer o capitalismo monopolista de Estado nos seus meios económicos e financeiros “, que os monopólios vão ser obrigados a ” ceder as suas posições ” – porque não vão contrariar a vontade popular – abrindo-se assim a ” via do socialismo “. Defendem que ” isolando a grande burguesia, apoiando-se na colaboração política dos partidos democráticos ” os trabalhadores chegarão ao sistema socialista. E os “comunistas” franceses sustentam todo este edifício “teórico” na tese de que a democracia é um valor universal fazendo tábua rasa de todos os ensinamentos marxistas-leninistas sobre o que é a democracia.

O manifesto de Champigny conclui, assim, pela possibilidade de uma rendição da burguesia sem luta e sem recorrer à força. Não seria necessária qualquer revolução. Pacificamente, o capitalismo transformar-se-ia em socialismo pela acção de massas dos ” partidos democráticos ” dentro do quadro legal.

Mas afinal qual é a natureza de classe das estruturas políticas que vão assegurar o domínio da classe operária e dos trabalhadores e que antes asseguravam a defesa dos interesses do capital?

O manifesto de Champigny passa qual buldózer por cima da natureza de classe do Estado, como se a democracia não fosse sempre a forma de uma classe dominante exercer o poder sobre a classe dominada.

Por outro lado, o documento tenta tranquilizar os comunistas ao juntar a esta capitulação – sem vergonha absolutamente nenhuma – afirmações como o facto do PCF continuar a ser “marxista-leninista”, e continuar a ser um partido “revolucionário”, de novo tipo. Isto é um exercício de dissimulação. A verdade é que este partido, ao defender que o papel da vanguarda, o papel do partido, é ” sem se substituir aos órgãos do Estado, às instituições representativas e às administrações”, “traçar em cada etapa as perspetivas do desenvolvimento socialista nos diferentes sectores da vida económica social, política e cultural “, está a negar a função da vanguarda. A vanguarda aponta precisamente a via da revolução, educa e organiza os trabalhadores para a fazer. Uma força política que se limita a apontar “perspectivas de desenvolvimento” não é uma vanguarda: é, quando muito, um departamento de qualidade da democracia burguesia.

'.Na década seguinte assistimos ao transplante desta indigência ideológica para a grande maioria dos partidos comunistas da Europa: o PCF, em conjunto com o Partido Comunista Italiano (PCI) e o Partido Comunista Espanhol (PCE) defendem abertamente aquilo que fica conhecido poreurocomunismo . Os secretários-gerais destes partidos de então (Marchais, Santiago Carrillo e Berlinguer) abandonam as posições marxistas-leninistas, os seus partidos deixam de ser revolucionários, e defendem inclusive o abandono da perspectiva revolucionária transformadora da sociedade demitindo-se do papel de vanguarda da classe operária.

Com a derrota do campo socialista dos chamados países de leste, estes partidos deixam de existir enquanto partidos comunistas e perdem a grande maioria da sua influência de massas (e eleitoral). Embora ainda ostentando a designação de “comunista” nos seus nomes, o seu discurso e a sua prática é a de traidores de classe.

Estes partidos continuaram a trilhar caminhos revisionistas: renunciaram à perspectiva marxista do Estado enquanto ditadura da burguesia, traíram a visão leninista de um partido de novo tipo, e o PCF foi ao ponto de defender a “economia social de mercado”, no âmbito da sua participação (destacada, como a dos restantes partidos eurocomunistas) na organização retintamente reformista que é o Partido da Esquerda Europeia – aliás, Pierre Laurent, secretário-geral do PCF, preside à organização.

Há muito que estes partidos não são comunistas, embora só em 2013 o PCF tenha abandonado a simbologia comum aos partidos comunistas (a foice e o martelo). No entanto, o PCE que votou cortes salariais na Andaluzia e a Refundação Comunista que fez, em 2014, a campanha eleitoral “Uma Outra Europa Com Tsipras”, estão muito longe dos tempos em que, de armas na mão, combateram as ditaduras fascistas de Mussolini e de Franco. O PCF, que no final da 2ª Guerra Mundial era conhecido como o “Partido dos Fuzilados” (não apenas lutando contra o nazi-fascismo mas também contra o governo colaboracionista de Vichy), transforma-se num partido da capitulação sem vergonha, ao serviço da burguesia. É essencial entender como se chegou aqui.

Da mesma autora:

Centrismo ou linha revolucionária

[*] Professora Associada da Universidade de Lisboa

O original encontra-se em www.odiario.info/…

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

07/Mai/16

 

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