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domingo, 13 outubro, 2024

19 anos de guerra sem fim: Que alvo após a Síria ?

Os acontecimentos que, desde 2001, se produziram no «Médio-Oriente Alargado» seguem uma lógica implacável. A questão actual é a de saber se é chegado o momento de uma nova guerra na Turquia ou na Arábia Saudita. A resposta depende nomeadamente do relançar de hostilidades na Líbia. É neste contexto que deve ser interpretado o Protocolo Adicional negociado pelos Presidentes Erdoğan e Putin para resolver a crise de Idleb.

 | DAMASCO (SÍRIA)  

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O mapa inicial da «remodelagem do Médio-Oriente Alargado», publicado pelo Coronel Ralph Peters.

19 anos de «guerra sem fim»

OPresidente George W. Bush decidiu transformar radicalmente as missões do Pentágono, conforme explicou, em 13 de Setembro de 2001, o Coronel Ralph Peters na revista do Exército, Parameters. O Secretário da Defesa, Donald Rumsfeld, nomeou o Almirante Arthur Cebrowski para a missão de treinar os futuros oficiais. Este passou três anos a dar a volta às universidades militares de modo que hoje todos os oficiais generais seguiram os seus cursos. O seu pensamento foi difundido para o grande público pelo seu ajudante, Thomas Barnett.

As zonas atingidas pela guerra dos EUA seriam entregues ao «caos». Este conceito deve ser entendido no sentido do filósofo inglês Thomas Hobbes, ou seja, como a ausência de estruturas políticas capazes de proteger os cidadãos da sua própria violência («O homem como lobo do homem»). E não no sentido bíblico de fazer tábua rasa antes da criação de uma ordem nova.

Esta tipo de guerra é uma adaptação das Forças Armadas dos EUA à era da globalização, a transição do capitalismo produtivo para o capitalismo financeiro. «A guerra é uma extorsão», dizia antes da Segunda Guerra Mundial o General mais condecorado dos Estados Unidos, Smedley Butler [1]. A partir de agora, amigos e, ou, inimigos não contarão nada, a guerra permitirá uma simples gestão dos recursos naturais.

Esta forma de guerra supõe inúmeros crimes contra a humanidade (nomeadamente limpezas étnicas) que as Forças Armadas dos EUA não podem cometer. O Secretário Donald Rumsfeld contratou, pois, exércitos privados (entre os quais a Blackwater) e desenvolveu organizações terroristas enquanto fingia combatê-las.

As Administrações Bush e Obama seguiram esta estratégia: destruir as estruturas estatais de regiões inteiras do mundo. A guerra dos EUA já não tem como objectivo vencer, mas durar (a «guerra sem fim»). O Presidente Donald Trump e o seu primeiro Conselheiro de Segurança Nacional, o General Michael Flynn, puseram em causa esta evolução sem conseguir alterá-la. Hoje em dia, os defensores da teoria Rumsfeld/Cebrowski prosseguem os seus objectivos não tanto através do Secretariado da Defesa mas mais através da OTAN.

Depois do Presidente Bush ter lançado a «guerra sem fim» no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), uma forte contestação surgiu entre as elites políticas de Washington a propósito dos argumentos que haviam justificado a invasão do Iraque e da desordem que lá reinava. Foi o período da Comissão Baker-Hamilton (2006). A guerra jamais cessou, nem no Afeganistão, nem no Iraque, mas foi preciso esperar cinco anos para que o Presidente Obama abrisse novos teatros de operação: Líbia (2011), Síria (2012) e Iémene (2015).

Dois actores exteriores interferiram neste plano.
- Em 2010-11, o Reino Unido lançou a «Primavera Árabe», uma operação decalcada da «Revolta Árabe» de 1915, que permitiu a Lawrence da Arábia colocar os wahhabitas no Poder na península arábica. Desta vez, tratava-se de colocar os Irmãos Muçulmanos no Poder com a ajuda já não do Pentágono, mas do Departamento de Estado dos EUA e da OTAN.
- Em 2014, a Rússia interveio na Síria, cujo Estado não havia colapsado e que ela ajudou a resistir. Desde então, os Britânicos —que aí tentaram mudar o regime durante a «Primavera Árabe» (2011-início de 2012)—, depois os Norte-Americanos —que aí buscavam derrubar não o regime, mas destruir o Estado (meados de 2012 até à actualidade)— tiveram que se retirar. A Rússia, que persegue o sonho da Czarina Catarina, bate-se hoje em dia contra o caos, e pela estabilidade —quer dizer, pela defesa das estruturas estatais e o respeito das fronteiras—.

O Coronel Ralph Peters, que tinha revelado em 2001 a nova estratégia do Pentágono, publicou em 2006 o mapa dos alvos do Almirante Cebrowski. Ele mostrava que apenas Israel e a Jordânia seriam poupados. Todos os outros países do «Médio-Oriente Alargado» (quer dizer, de Marrocos ao Paquistão) seriam progressivamente privados de Estado e todos os grandes países (entre os quais a Arábia Saudita e a Turquia) desapareceriam.

Constatando que o seu melhor aliado, os Estados Unidos, previa cortar o seu território em dois, a fim de criar um «Curdistão livre», a Turquia tentou em vão aproximar-se da China, depois adoptou a teoria do professor Ahmet Davutoğlu: «Zero problemas com os seus vizinhos» Ela distanciou-se de Israel e começou a negociar a paz com Chipre, a Grécia, a Arménia, o Iraque etc. Apesar do diferendo territorial sobre Hatay, criou um mercado comum com a Síria. No entanto, em 2011, quando a Líbia estava já isolada, a França convenceu a Turquia que poderia escapar à partição se ela se juntasse às ambições da OTAN. O Presidente Recep Tayyip Erdoğan, um islamista político da Millî Görüş, aderiu à Confraria dos Irmãos Muçulmanos, da qual não fazia parte, na esperança de assim recuperar, em seu proveito, os frutos da «Primavera Árabe». A Turquia virou-se contra um dos seus principais clientes, a Líbia, e depois um de seus principais parceiros, a Síria.

Em 2013, o Pentágono adaptou a «guerra sem fim» às realidades encontradas no terreno. Robin Wright publicou dois mapas rectificativos no New York Times. O primeiro tinha a ver com a divisão da Líbia, o segundo com a criação de um «Curdistão» atingindo apenas a Síria e o Iraque e poupando a metade oriental da Turquia e do Irão. Ela anunciava também a criação de um «Sunnistão» a cavalo sobre o Iraque e a Síria, a divisão da Arábia Saudita em cinco e do Iémene (Iêmen-br) em dois. Esta última operação começou em 2015.

Muito satisfeito com esta rectificação, o Estado-Maior turco preparou-se para os acontecimentos. Concluiu acordos com o Catar (2017), o Kuwait (2018) e o Sudão (2017) para aí instalar bases militares e cercar o Reino saudita. O qual, em 2019, financiou uma campanha de imprensa internacional contra o «Sultão» e um Golpe de Estado no Sudão. Simultaneamente, a Turquia apoiou o novo projecto de «Curdistão» poupando o seu território e participou na criação do «Sunnistão» pelo Daesh (E.I.), sob o nome de «Califado». No entanto, as intervenções russa na Síria e iraniana no Iraque fizeram falhar este projecto.

Em 2017, o Presidente regional Massoud Barzani organizou um referendo de independência no Curdistão iraquiano. Imediatamente, o Iraque, a Síria, a Turquia e o Irão compreenderam que o Pentágono, voltando ao seu plano inicial, se aprestava a criar um «Curdistão livre» esquartejando os seus respectivos territórios. Assim, eles coligaram-se de modo a fazê-lo falhar. Em 2019, o PKK/PYG anunciou que preparava a independência do «Rojava» sírio. Sem esperar, o Iraque, a Síria, a Turquia e o Irão concertaram-se de novo. A Turquia invadiu o «Rojava», caçando o PKK/YPG, sem grande reacção dos Exércitos sírio e russo.

Em 2019, o Estado-Maior turco ficou com a convicção que o Pentágono, tendo renunciado provisoriamente em destruir a Síria, devido à presença russa, se aprestava agora a destruir o Estado turco. Para afastar o desastre, tentou reactivar a «guerra sem fim» na Líbia, depois ameaçar os membros da OTAN com as piores calamidades: a União Europeia de subversão migratória e os Estados Unidos de uma guerra com a Rússia. Para o conseguir, abriu a sua fronteira com a Grécia aos migrantes e atacou os Exércitos russo e sírio em Idleb, onde estes bombardeavam os jiadistas da Alcaida e do Daesh (E.I.), que aí estavam refugiados. É este o episódio que presenciamos hoje em dia.

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O mapa rectificativo do projecto de «remodelagem do Médio-Oriente Alargado», publicado por Robin Wright.

O Protocolo adicional de Moscovo

Em Fevereiro de 2020, o Exército turco causou baixas russas e sírias, enquanto o Presidente Erdoğan multiplicava os telefonemas ao seu homólogo russo, Putin, para fazer baixar com uma mão a tensão que provocava com a outra.

O Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, comprometeu-se a conter os apetites do Pentágono se a Turquia ajudasse este ultimo a relançar a «guerra sem fim» na Líbia. Este país está dividido entre um milhar de tribos que se confrontam em volta de dois líderes principais, agentes, aliás. patenteados pela CIA, o Presidente do Conselho Presidencial, Fayez al-Sarraj, e o Comandante do Exército Nacional, Khalifa Haftar.

Na semana passada, o enviado especial do Secretário-Geral da ONU para a Líbia, o Professor Ghassan Salamé, foi convidado a demitir-se por «razões de saúde». Ele concordou, não sem deixar de expressar o seu mau humor durante uma conferência de imprensa. Foi formado um eixo para apoiar al-Sarraj, pela Confraria dos Irmãos Muçulmanos, em torno do Catar e da Turquia. Uma segunda coligação (coalizão-br) nasceu em volta de Haftar com o Egipto e os Emirados Árabes Unidos, mas também a Arábia Saudita e a Síria.

É o grande retorno desta última à cena internacional. A Síria está aureolada pelos seus nove anos de Resistência vitoriosa à Confraria e aos Estados Unidos. Duas embaixadas, líbia e síria, foram abertas com grande pompa, em 4 de Março, em Damasco e em Bengazi.

Além disso, a União Europeia, após ter solenemente condenado a «chantagem turca com refugiados», enviou a Presidente da Comissão observar o fluxo de refugiados na fronteira greco-turca e o Presidente do Conselho sondar o Presidente Erdoğan em Ancara. Este confirmou que um acordo era possível se a União se comprometesse a defender a «integridade territorial» da Turquia.

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Com um prazer sardónico, o Kremlin encenou a rendição da Turquia: a delegação turca está de pé, contrariamente ao que é habitual em que se providencia cadeiras aos hóspedes; nas suas costas, uma estátua da Imperatriz Catarina, a Grande, lembra que a Rússia estava já presente na Síria no século XVIII. Finalmente, os Presidentes Erdoğan e Putin estão sentados em frente a um pêndulo comemorativo da vitória russa sobre o Império Otomano.

Foi, pois, com esta base que o Presidente Vladimir Putin recebeu, no Kremlin, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan, a 5 de Março. Uma primeira reunião, restrita, de três horas foi consagrada às relações com os Estados Unidos. A Rússia teria prometido proteger a Turquia de uma possível divisão com a condição que ela assinasse e aplicasse um Protocolo Adicional sobre a estabilização da situação na zona de distensão de Idleb [2]. Uma segunda reunião, igualmente de três horas mas aberta a ministros e assessores, foi dedicada à redacção deste texto. Ele prevê a criação de um corredor de segurança de 12 quilómetros de largura em torno da rodovia M4, vigiado conjuntamente pelas duas partes. Claramente: a Turquia recua para o Norte da auto-estrada que será reaberta e perde a cidade de Jisr-el-Shugur, bastião dos jiadistas. Acima de tudo, ela deverá finalmente aplicar o memorando de Sochi que prevê apoiar apenas a oposição armada síria, suposta de ser democrática e não islamista, e de combater os jiadistas. Ora, esta «oposição armada democrática» não passa de uma quimera imaginada pela propaganda britânica. De facto, a Turquia deverá ou matar, ela própria, os jiadistas, ou prosseguir e terminar a sua transferência de Idleb (Síria) para Djerba (Tunísia), depois para Trípoli (Líbia), tal como havia já começado a fazer em Janeiro.

Por outro lado, a 7 de Março, o Presidente Putin contactou o antigo Presidente Nazarbayev para estudar com ele a possibilidade de colocar, sob os auspícios da Organização do Tratado de Segurança Colectiva (CSTO), «chapkas azuis» cazaques na Síria. Esta opção havia já sido considerada em 2012. Os soldados cazaques têm a vantagem de ser muçulmanos e não ortodoxos.

A opção de tratar agora a Arábia Saudita em vez da Turquia foi activada pelo Pentágono, julga-se saber em Riade, muito embora o Presidente Trump lhe imponha delirantes ordens de encomendas de armamento em troca da sua protecção. A divisão da Arábia Saudita tinha sido encarada pelo Pentágono desde 2002 [3].

Misseis foram disparados esta semana contra o palácio real em Riade. O Príncipe Mohamed bin Salman (dito «MBS», de 34 anos) mandou deter o seu tio, o Príncipe Ahmed (70 anos), e o seu antigo concorrente e antigo Príncipe herdeiro, o Príncipe Mohamed bin Nayef (60 anos), assim como diversos outros príncipes e generais. A província xiita de Qatif, onde várias cidades foram já arrasadas, foi isolada. As explicações oficiais sobre as querelas de sucessão e o coronavírus não são suficientes para explicar tudo [4].

Tradução
Alva

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