19.5 C
Brasília
segunda-feira, 18 novembro, 2024

Vida difícil de informantes, dedos-duros e delatores ‘premiados’ 

John KiriakouOpedNews
Wall Street Journal noticiou semana passada que funcionários federais estão preocupados, porque seus ‘ratos’ [ing. rat; aprox. “alcaguete”] e informantes sofrem cada vez mais frequentemente ataques nas prisões, por causa do livre acesso a documentos de tribunais e à ‘mídia’ que os identifica como informantes. Como resposta a isso, os tribunais federais analisam meios para tornar mais secretos os processos judiciais criminais, o que tem despertado preocupação entre advogados de defesa e ativistas a favor das liberdades civis.

Autoridades judiciais federais nos EUA dizem que nos últimos três anos cerca de 700 “testemunhas e informantes” foram ameaçados ou feridos e 61 foram mortos por outros prisioneiros por terem testemunhado contra ou espionado companheiros de cadeia.

Claro que há poderoso incentivo para virar alcaguete. Procuradores podem reduzir sentenças em anos inteiros, em troca de informação. Alguns informantes sequer são presos. Outros são enviados para prisões de segurança máxima para cumprir pena, mas também há os que são mandados para campos de trabalho sob mínima vigilância. Os Procuradores, por sua vez, conseguem condenar em 98,2% dos respectivos casos, segundo ProPublica, sentenças que praticamente sempre são resultados de acordos. Ante o depoimento de uma seleção de alcaguetes, o acusado absolutamente não tem qualquer chance.

Mas o sujo segredinho do sistema judicial nos EUA é que pouquíssimos acusados sequer ficam sabendo quem os acusou num tribunal, e tampouco são julgados por júri formado de seus pares. Como ideia, é linda. Mas nunca acontece.

Não é difícil saber que alguém testemunhou contra você, mesmo que você esteja preso e sem acesso à internet. Todas as prisões federais nos EUA são obrigadas, por lei, a manter uma biblioteca de livros de Direito. Essas bibliotecas, também por lei, têm de garantir acesso aos registros LexisNexis dos julgamentos. Mas mesmo que não haja informação detalhada sobre informantes no LexisNexis, qualquer prisioneiro pode pedir que alguém do lado de fora entre no portal PACER, portal pay-per-page administrado pelos tribunais, e procure literalmente qualquer arquivo arquivado de qualquer caso. Inclusive, claro, os nomes de informantes e uma resenha da informação que o informante forneceu.

Não posso deixar de dizer aqui que NÃO concordo com nenhuma violência contra seja quem for. Não acho que informantes devam ser atacados como algum tipo de ‘revide’, em nenhum caso, seja como for. Mas entendo que aconteça. Dou-lhes um exemplo pessoal.

Quando fui preso pela primeira vez em 2013, depois de alertar para a existência de um programa de tortura da CIA, meus advogados me preveniram de que o FBI e o Departamento de Justiça estavam furiosos com a pena (curta) de 30 meses, que recebi. Inicialmente haviam pedido condenação a 45 anos de cadeia, mas o muito que eu sabia da roupa suja da CIA e a minha disposição para testemunhar a meu favor forçaram o governo a sentar à mesa de negociações. Os advogados disseram que o FBI e o Departamento de Justiça fariam quase absolutamente qualquer coisa para me acusarem de qualquer outra coisa, servindo-se eles, para isso, de informantes dentro da prisão, e que em seguida usariam o que conseguissem para aumentar minha pena. Os advogados disseram que eu não confiasse em ninguém. Eu estava portanto perfeitamente alertado.

Poucas semanas depois, um prisioneiro aproximou-se de mim na nossa unidade de habitação e disse, “Ei, John. Há um sujeito novo aqui, que quer encontrar você. Diz que foi porta-voz dos Talibã nos EUA.” Eu lembrava vagamente de um afegão-norte-americano que vivia em New Jersey e que trabalhara para os Talibã, e lembrava que ele se dera mal, acusado de ter feito alguma coisa com armas. “Não, obrigado,” disse eu. “Não estou interessado.” Pena federal mínima para acusação que envolva armas ilegais é cinco anos.

Três ou quatro dias depois eu caminhava pelo corredor da prisão, quando um homem obviamente afegão caminhou na minha direção com a mão estendida para me cumprimentar. Eu imediatamente levantei os dois braços, prevendo, corretamente, que os guardas da prisão estavam atentos, prontos para me fotografar quando abraçasse o rato do FBI. Disse a ele que sumisse da minha frente (em palavras menos bem educadas). “Oh, cara, calma” – disse ele. – “Temos tanta coisa em comum”. “Não temos nada em comum”, respondi, já me afastando. “Não faça isso”, ele voltou a tentar me cercar. “Você é um rato. Não há nenhuma dúvida disso. Nunca mais fale comigo.” Três ou quatro dias depois o homem foi “transferido”, depois de ter passado apenas uma semana na minha prisão. Ou foi posto lá pelo FBI para me ‘ratear’, ou recebeu a sentença federal mais curta de toda a história dos EUA.

Não há solução fácil para o problema de proteger os delatores em geral. Mas essa nem é a questão. A questão é que o governo não deveria precisar de ratos e informantes e delatores, para instruir seus processos e condenar culpados. O estado deve julgar sobre provas. Todos e quaisquer acusados têm direito a julgamento justo.

Todos têm direito a uma chance real de julgamento legal… não apenas a chance ‘teórica’ ou virtual. Com essa medida, garanto que a grande maioria dos delatores diria literalmente coisa alguma sobre outros prisioneiros, para encurtar a própria sentença. Ratos, delatores ou informantes não têm nenhum compromisso com a verdade. O único objetivo deles ao acusar outras pessoas é reduzir a própria pena. O que haveria de justiça ou de democracia nisso?

Tradução: Vila Vudu

ÚLTIMAS NOTÍCIAS