Cartoon de Pawel Kuczynski.
– “Fora com os telemóveis e tablets da sala de aula!”
– O vício que se propaga nas novas gerações
Leonardo Haberkorn [*]
Depois de muitos e muitos anos, hoje dei aulas na universidade pela última vez. Cansei-me de lutar contra os telemoveis, contra o WhatsApp e o Facebook. Eles venceram-me. Desisto. Atiro a toalha ao chão. Estou farto de falar de coisas que me apaixonam diante de jovens alunos que não conseguem tirar os olhos de um telemóvel que não pára de receber selfies.
Claro, é verdade, nem todos são assim. Mas são cada vez mais. Até há três ou quatro anos, a exortação para guardar o telemóvel durante 90 minutos – nem que fosse só para não serem mal-educados – ainda tinha algum efeito.
Agora, já não. Talvez seja eu, talvez me tenha desgastado demasiado em combate. Ou que esteja a fazer algo de errado.
Mas uma coisa é certa: muitos destes garotos não têm consciência de quão ofensivo e nocivo é o que fazem. Para além disso, é cada vez mais difícil explicar como funciona o jornalismo a pessoas que não o consomem ou que não vêem interesse em estarem informadas.
Esta semana, na aula, foi abordado o tema da Venezuela. Apenas um aluno em vinte foi capaz de dizer o essencial sobre o conflito. O básico mesmo. Os restantes não faziam a mínima ideia. Perguntei-lhes se sabiam qual era o uruguaio que estava em meio a essa tormenta. Obviamente, nenhum deles sabia.
Perguntei-lhes se sabiam quem era Almagro [NR]. Silêncio. Cansada, do fundo da sala, uma única rapariga gagueja: “Não era o chanceler?” E assim por diante. O que é que se passa na Síria? Silêncio.
“Qual é o partido mais liberal, ou mais à “esquerda” nos Estados Unidos, os democratas ou os republicanos? Silêncio. Eles sabem quem é Vargas Llosa?
Sim! Alguém leu algum dos seus livros? Não, nenhum. Lamento que os jovens não consigam largar os telemóveis, nem mesmo nas aulas. Ligar pessoas tão desinformadas ao jornalismo é complicado.
É como ensinar botânica a alguém que vem de um planeta onde os vegetais não existem. Num exercício em que tinham de sair à rua para procurar uma história, um aluno voltou com a notícia de que ainda se vendem jornais e revistas nas ruas…
Chega um momento em que ser jornalista atua contra nós. Porque somos treinados para nos colocarmos no lugar dos outros, cultivamos a empatia como uma ferramenta básica de trabalho.
E depois vemos que estes jovens alunos – que continuam a ter a mesma inteligência, simpatia e cordialidade de sempre – foram enganados, que a culpa não é só deles. Que a ignorância, o desinteresse e a alienação não lhes chegaram por si sós.
Que a sua curiosidade foi morta e que, com cada professor que deixou de corrigir os seus erros ortográficos, lhes foi ensinado que tudo é mais ou menos igual.
Depois, quando nos apercebemos de que eles também são vítimas, quase sem nos apercebermos, baixamos a guarda.
E o mau acaba por ser aprovado como medíocre; o medíocre passa por bom; e o bom, nas poucas vezes que acontece, é celebrado como se fosse brilhante. Eu não quero fazer parte desse círculo perverso. Nunca fui assim e não serei.
O que faço, sempre gostei de o fazer bem. O melhor que posso. E não suporto o desinteresse em cada pergunta que faço e que é respondida com o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Eles queriam que a aula acabasse.
Eu também.
24/Fevereiro/2024
[NR] Luís Almagro: político uruguaio, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos há vários anos.
[*] Jornalista, professor de comunicações na Universidade ORT de Montevideo.
O original encontra-se em elmanifiesto.com/sociedad/348822190/ENSENANZA-O-se-prohiben-los-moviles-o-me-voy-Y-el-profesor-se-fue.html
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