A violência armada nas comunidades do Rio de Janeiro é uma expressão extrema das desigualdades estruturais herdadas historicamente pela população negra e pobre. Nas favelas, onde mais de 60% dos moradores são negros ou pardos, o cotidiano inclui disputas territoriais entre facções, milícias e forças estatais — todas agindo sob a lógica da criminalização da pobreza e da contenção social. Segundo relatório do UNICEF em parceria com a UFF e o Instituto Fogo Cruzado, em 2022 aproximadamente 55% dos estudantes da capital e 48% dos que cursam ensino fundamental e médio na Região Metropolitana estudavam em áreas sob controle armado de milícias ou tráfico, expondo mais de 800 mil crianças e adolescentes à violência crônica e aguda.
Essa violência não se limita aos tiroteios. Em 2022, foram registrados mais de 4.400 episódios de violência armada nas imediações das escolas da região, com escolas da Zona Norte sofrendo, em média, 1.714 episódios, contra 86 na Zona Sul . Esse cenário representa um regime permanente de medo e insegurança, onde a educação é sistematicamente interrompida e os direitos básicos — como o acesso ao ensino e ao cuidado — são violados.
As operações policiais, frequentemente militarizadas, têm provocado resultados letais: em 2022, das 4.473 mortes violentas, 1.327 foram decorrentes de ação policial — quase 30% do total . Em 2025, dados do Instituto Fogo Cruzado apontam uma explosão de tiroteios em janeiro: 181 pessoas baleadas e 79 mortes, aumento de quase 80% em relação ao mesmo mês de 2024.
O impacto psicológico e social é profundo. Um estudo do CESeC mostrou que ataques constantes aumentam a incidência de hipertensão, insônia, depressão e ansiedade, efeitos especialmente intensos em crianças com deficiência, como as autistas. Em janeiro, uma operação de 15 horas no Complexo do Alemão afetou dezenas de famílias que buscam abrigo contra o “som da guerra” . O custo coletivo dessas ações — tanto humano quanto econômico — é altíssimo: apenas em algumas favelas como Vila Cruzeiro, as operações custam cerca de R$ 14 milhões por ano ao comércio local, com mais da metade das lojas fechando temporariamente após confrontos.
No cerne dessas violências encontra-se uma lógica estatal que trata favelas como territórios a serem controlados, não cidadãos a serem protegidos. A Chacina do Jacarezinho (maio de 2021) ilustra essa face: 29 mortes em operação policial criticada por organizações de direitos humanos por falta de transparência, evidências de execuções sumárias e negação do dever de autocomposição, ao passo em que o Estado recusou-se a reconhecer irregularidades.
Contrastando com esse modelo autoritário, emergem iniciativas comunitárias de resistência e reconstrução popular. A ONG Redes da Maré, por exemplo, atua em 16 favelas com enfoque multidimensional: cultura, saúde, educação, direitos urbanísticos e segurança — pretendendo reivindicar cidadania e transformar o controle territorial em protagonismo comunitário . A CUFA (Central Única das Favelas), também nascida no Rio, empodera jovens por meio da arte, esportes e formação, defendendo o lema: “fazendo do nosso jeito”.
Outro exemplo é o projeto de pesquisa coletivo com mães negras enlutadas pela perda de filhos em favelas, coordenado pela UFRJ e Raave. Essas mulheres, muitas sem escolaridade formal, são tratadas como pesquisadoras: mapeiam serviços públicos, defendem políticas públicas de reparação e apoio à saúde mental e aos direitos humanos. A meta é apresentar em 2026 propostas ao governo federal para garantir amparo institucional às famílias vítimas de violência estatal.
Essa brutalidade urbana deve ser compreendida não como fenômeno desvinculado, mas como resultado da acumulação capitalista e da opressão racial. A violência estatal e criminal é parte de uma estratégia de dominação sobre as periferias, que serve ao capitalismo financeiro e à reprodução da desigualdade. A solução política exige a desmilitarização da segurança pública, a priorização de serviços sociais (educação, saúde, cultura, moradia), e a restituição de poder às comunidades populares, rompendo com a tutela discriminatória do Estado.
Políticas eficazes exigem participação popular direta: orçamento participativo comunitário, conselhos de segurança com moradores, valorização de redes comunitárias como Redes da Maré e CUFA, e apoio às lutas feministas antirracistas como Criola na Maré . Igualmente, a educação exige proteção integral: aplicar protocolos de resiliência, priorizar a investigação de crimes contra menores (Lei Ágatha Félix), integrar segurança com educação, e investir em reparação emocional e social às vítimas.
Em síntese, a violência nas comunidades do Rio de Janeiro não pode ser combatida por meios militaristas nem por pseudo‑gestão liberal. Apenas uma política fundada na soberania popular, no empoderamento coletivo e na construção solidária de uma nova cidade pode romper o ciclo de morte, medo e invisibilidade. Essa política deve emergir das próprias comunidades, apoiada por universidades públicas e entidades progressistas, na construção de uma sociedade verdadeiramente igualitária e democrática.
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