Ponte da Integração, que lida o Brasil ao Peru, segue obstruída por cerca de 60 imigrantes – Marcos Jorge Dias
Ponte da Integração segue ocupada por 60 pessoas. Parte das famílias, sobretudo haitianas, aceitou voltar para o Brasil
A União ajuizou na noite desta sexta-feira (26) um pedido de desobstrução da Ponte da Integração, em Assis Brasil (AC), onde cerca de 60 pessoas, sobretudo imigrantes haitianos, bloqueiam a fronteira com o Peru como forma de protesto pela proibição de seguirem viagem.
Dez dias atrás, a polícia peruana expulsou com violência cerca de 400 imigrantes que tentaram deixar o Brasil e entrar na cidade de Iñapari. O Peru não está permitindo a entrada de pessoas vindas de países onde circulam novas cepas no coronavírus.
Parte das famílias, sobretudo haitianas, aceitou voltar para o lado brasileiro. Hoje, elas estão alojadas em abrigos cedidos pela prefeitura de Assis Brasil. .
Johanna Meury Oliveira, secretária municipal de Assistência Social de Assis Brasil, concedeu uma entrevista ao Brasil de Fato na quarta-feira (24). Para ela, um novo conflito é iminente.
“O policiamento peruano está bem mais reforçado. Depois do episódio que aconteceu, eles mesmos dizem que se [os imigrantes] voltarem a furar a barreira, vão ser recebidos com a mesma agressividade. Foi muito forte, muito pesado, até hoje nós temos mulheres gestantes que tem que estar retornando ao hospital, porque ainda têm sangramentos devido às agressões que sofreram”, contou Johanna.
Caminhões parados
Hoje, o Peru está permitindo a passagem apenas de caminhões com alimentos e combustíveis. Com a ocupação da ponte pelas famílias, o tráfego dos veículos, porém, está interrompido, o que deixa a situação mais instável. Só no lado peruano, são 37 caminhões parados com cargas perecíveis.
A observadora do Centro de Defesa e Direitos Humanos e Educação Popular do Acre- CDDHEP/Ac, Júlia Feitoza participou de reunião nesta semana com o prefeito de Assis Brasil (AC), Jerry Correia (PT), o grupo de caminhoneiros, a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Federal (PF) e a Força Nacional.
Segundo Feitoza, os imigrantes vêm se revezando na ponte, impedindo que caminhões cruzem a fronteira nos dois sentidos.
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Por meio de portaria do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o governo federal autorizou o uso da Força Nacional no Acre por 60 dias no município, em apoio às forças policiais do estado. Atualmente, são 12 militares no local, além da tropa de choque da Polícia Militar.
A Defensoria Pública da União reforça que até o momento não há previsão de abertura da fronteira com o Peru. A situação é a mesma de outros países da região, como Bolívia, Chile e Equador, que adotam medidas similares. Hoje, nem solicitantes de refúgio têm garantia de ingresso regular.
“Há muitas mulheres e crianças no grupo e eventual ordem judicial para liberar a passagem dos caminhões precisa ser executada sem violência e com o maior cuidado possível”, aponta Larissa de Sousa Moisés, defensora pública federal que acompanha a situação no local.
Histórico de crises migratórias
A pequena Assis Brasil é hoje a cidade com a maior taxa de contaminação pela covid-19 no Acre. O município tem 7.417 habitantes e 1.119 casos confirmados. A Secretaria Estadual de Saúde (Sesacre) informou que o governo do Acre ofereceu 600 testes, que, segundo a pasta, estão sob responsabilidade da Unidade Estadual Mista de Assis Brasil.
Hoje, a prefeitura oferece 1.200 refeições diárias para 321 imigrantes que estão abrigados nas escolas municipais, e para os 60 que estão na Ponte da Integração. O valor gasto por dia, somente com a alimentação, é estimado em 5 mil reais.
“A prefeitura não tem como arcar sozinha nem por uma semana com esses imigrantes. A verdade é essa. Nós temos um recurso muito limitado”, apontou Johanna Meury Oliveira.
Segundo o jornal Acre 24 Horas, ela teria pedido afastamento da Secretaria Municipal de Assistência Social de Assis Brasil. A informação, porém, ainda não foi oficializada, e Johanna segue registrada como chefe da pasta no site da prefeitura do município.
“A cidade é pequena, pobre, não tem empregos disponíveis para os migrantes e não consegue, sem ajuda do governo estadual e federal, prover toda a assistência social necessária aos migrantes”, complementa a defensora Larissa Moisés.
“Aqui não tem vida”
Em 2010, a cidade foi palco de outra grave crise migratória. O caminho, porém, era inverso. Uma grande quantidade de imigrantes, a maioria haitianos, tentava entrar no Brasil para fugir dos efeitos do terremoto no país caribenho, que matou 300 mil pessoas e deixou mais de 1,5 milhão de desabrigados.
Hoje, o fluxo no caminho contrário é estimulado pelo posicionamento do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que sinaliza para uma mudança brusca na política migratória.
A liberação de migrantes que estavam no México, há uma semana, é um dos motivos de esperança para muitos estrangeiros desempregados que viviam nos estados do Sudeste, especialmente em São Paulo, e hoje estão em Assis Brasil.
Abrigada na escola Edilza Maria Batista, a haitiana Merianréne vivia em Belo Horizonte (MG), há um ano e sete meses. Durante a pandemia, ela e o marido ficaram sem trabalho e sem condições de mandar ajuda para os três filhos que vivem com a mãe em Porto Príncipe, no Haiti.
“Aqui não tem vida. Nós vai ir para México e Estados Unidos para uma vida melhor”, revela Merianréne.
Hoje, além dos haitianos, os dois abrigos da prefeitura acolhem venezuelanos, colombianos, senegaleses, sul-africanos, congoleses, sudaneses e nepaleses. As duas instalações já estão superlotadas.
Há dois dias, Jair Bolsonaro chegou a visitar o Acre para sobrevoar as áreas alagadas pelos rios, mas não comentou sobre a situação na fronteira.
“Nós tivemos a visita do presidente Jair Bolsonaro ao Acre, com uma grande comitiva, entre os membros da comitiva, estava inclusive a embaixadora do Haiti no Brasil, mas esta comitiva sequer passou pela fronteira. Sequer esteve no local onde essa situação se prolonga há mais de duas semanas sem qualquer aceno de solução”, lamenta Letícia Mamed, professora da Universidade Federal do Acre (UFAC)
Da referência diplomática à “coiotagem”
Até o momento, o secretário nacional de Assistência Social do Ministério da Cidadania, Miguel Ângelo Gomes, foi o único a pisar em Assis Brasil. Mas ele não conseguiu dizer como o governo pretende resolver a questão diplomática.
“Por muitos anos, o Brasil foi uma referência, uma liderança diplomática em nosso continente, e sabemos que isso vem sendo desconstruído nos últimos três, quatro anos”, aponta a docente, que não acredita que o impasse com o Peru possa ser solucionado de um modo amistoso.
Segundo a professora, colaboradora da pesquisa Impactos da pandemia de covid-19 nas migrações internacionais, lançada no ano passado pela Universidade de Campinas (Unicamp), a autorização de passagem para os imigrantes poderia ser conciliada com medidas sanitárias. Ela alerta que a restrição só fortalece a atuação de “coiotes”.
Nesta sexta-feira (26), a Polícia Federal deflagrou a Operação Advenus e realizou 4 mandados de busca e apreensão nas cidades de Assis Brasil e Rio Branco, com o objetivo de reprimir a prática de coiotagem.
O Grupo Especial de Fronteira do Acre (Gefron) já havia realizado, há cerca de 10 dias, a prisão de dois cidadãos peruanos na BR-317, que liga a capital do Acre à região fronteiriça.
“A medida de restrição às fronteiras, historicamente não é a mais inteligente. É uma medida adotada pelos governos, que acaba fortalecendo os mercados paralelos, e aí coloca essa população imigrante ainda mais em risco e em perigo. Essas redes são bastante estruturadas, bastante organizadas, e elas atuam principalmente nesses momentos de crise”, finaliza.
Outro lado
Em nota enviada à reportagem, o Ministério da Cidadania diz que disponibilizou cerca de R$ 800 mil ao governo do Acre para ações socioassistenciais a famílias em vulnerabilidade social e imigrantes e para o auxílio a famílias afetadas pelas enchentes dos últimos dias. A verba é proveniente da Portaria n° 468, de agosto de 2020.
A pasta afirma também que o município de Assis Brasil apresenta saldo de R$ 176.881,95, o que corresponde a 28% do montante repassado. O Brasil de Fato tentou entrar em contato com o Ministério das Relações Exteriores, mas até o momento não obteve retorno.
* com colaborações e informações de Marcos Jorge Dias, de Rio Branco (AC)