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quinta-feira, 28 março, 2024

Uma nova Europa?

   “A luta pelo reconhecimento tornou-se rapidamente a forma paradigmática de conflito político no fim do século XX”

                                   (Nancy Fraser, Justice Interruptus, 1997)

O plebiscito de 23 de junho, no Reino Unido (UK), que aprovou a saída daquele país da União Europeia não pode ser visto apenas como uma vitória política da direita, como noticia intimidadoramente grande parte da mídia. Nem mesmo se atribua, embora possa ter sido uma motivação, a onde migratória que atinge todo o continente ou à insularidade britânica.
Há um enorme hiato entre o discurso ideológico e político, prevalecente desde as últimas décadas do século anterior e a dura realidade cotidiana dos trabalhadores e dos assalariados em geral.
Os mais recentes estudos sociais, políticos e sobre as instituições vigentes ressaltam não apenas a incapacidade de resposta quer do Estado quer do mercado às demandas das populações do século XXI, como as falhas dos diagnósticos com as visões, métodos e princípios que prevaleceram em quase todo pensamento do século XX.
No editorial de Le Monde, seu diretor Jérôme Ferroglio afirma que “o pior será continuar como antes”.
Sem intuito dogmático, apenas reproduzindo as reflexões da Teoria Crítica e da sociologia mais atual, o processo de globalização, restrito a algumas áreas comerciais e adotado amplamente pelo capital financeiro, pode ser identificado  como a verdadeira causa do que “não pode continuar”. O Brexit e as numerosíssimas manifestações de protesto que assolam a Europa são o testemunho do descontentamento.
Mas o interesse da poderosa “banca”, o sistema financeiro internacional, se espalha pelos veículos de comunicação de massa, pelas manifestações de políticos, analistas e mesmo pelas academias. Recentemente, na mesma Inglaterra do plebiscito, professores do Imperial College e de outros notáveis centros de estudo econômico do UK promoveram um manifesto em favor do ensino da economia, que, segundo eles, havia sido substituído naquelas escolas pela “engenharia financeira”.
De início, como observa com clareza o professor do IUPERJ, José Maurício Domingues (Cidadania, direitos e modernidade), “não se vislumbram quaisquer políticas sociais que efetivamente ultrapassem as fronteiras nacionais”.  Talvez esteja aí o sucesso político da “direita” que melhor soube galvanizar o descontentamento com acenos nacionalistas.
Mas não está apenas aí a sensação invasiva da globalização. Ela traz o denominado modelo neoliberal, um verdadeiro zumbi do imperialismo inglês do século XIX. Recordemos os direitos das pessoas. Há quase um consenso que seriam de três ordens: os direitos civis, de apodítico reconhecimento, que trata da liberdade individual; os direitos políticos, onde já se travam controvérsias entre filosofias e escolas; e os direitos sociais, ainda mais confusos, que o conhecido e recém falecido filósofo Norberto Bobbio apontava serem o direito ao trabalho, à saúde e à instrução. Mas há quem identifique num único e abrangente direito: o da cidadania.
O pensamento único, da globalização, do neoliberalismo, apenas considera o direito à liberdade individual, sem mesmo as amarras do liberal John Rawls (Uma Teoria da Justiça), pois a banca, que acolhe e opera com todo capital ilícito do mundo, não tem como é óbvio a preocupação ética.
O total domínio sobre as políticas “nacionais” europeias do capital financeiro, na época que se discutem os direitos intersubjetivos – ecológicos, de gênero, de raça, de religião, constitui verdadeira agressão e um enorme retrocesso social.
Creio que o diretor editorialista de Le Monde referia-se a esta condição de subordinação à banca que não mais deveria prevalecer.
Quanto a nosso País, onde um enorme retrocesso de toda ordem está em marcha, a “crise”, que acredito ocorrerá com o euro, poderá ser antecipada e este provisório governo ver-se-á, com mesóclises e tudo, em ainda maiores  dificuldades.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado

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