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terça-feira, 18 novembro, 2025

Um povo faminto não precisa do reconhecimento de um Estado

Fonte da imagem:Reuters

Heba Ayyad*

Alguns países europeus, cuja consciência os atormentava pelo genocídio em curso na Faixa de Gaza — por meio da fome, do deslocamento e do massacre —, se rebelaram após dezoito meses, movidos por um misto de inveja e zelo, e ameaçaram Israel com punições caso não interrompesse sua campanha genocida, reconhecendo, para isso, o Estado da Palestina. De qualquer forma, agradecemos a esses países por sua demonstração de cavalheirismo. Eles se mostraram muito melhores do que a maioria dos países árabes, que permaneceram suspeitosamente silenciosos diante dos acontecimentos em curso, e mais próximos de Deus do que muitos países islâmicos, os quais se distraíram do holocausto em Gaza rezando a Deus Todo-Poderoso para aliviar o sofrimento de nosso povo em sua terra natal ocupada.

No entanto, se esses países europeus realmente desejam ajudar, devem agir em uma direção que tenha impacto concreto e produza resultados, em vez de recorrer apenas à diplomacia. Reconhecer o Estado da Palestina é algo positivo, mas não surte o efeito que nosso povo em Gaza espera. O reconhecimento diplomático não fornece ao povo faminto de Gaza um pedaço de pão, uma dose de remédio ou qualquer forma de proteção contra o medo. O reconhecimento, por si só, não cria um Estado — assim como o não reconhecimento não destrói um. Estudantes de Direito estão bem cientes disso.

Há um precedente jurídico que serve como uma das referências mais relevantes sobre a questão do reconhecimento. No famoso caso Tinoco, que envolveu uma disputa entre a Grã-Bretanha e a Costa Rica, a causa foi submetida à arbitragem. O único árbitro foi o presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, o juiz William Taft. Em 1923, ele decidiu rejeitar o processo movido pelo Reino Unido, afirmando que a ausência de reconhecimento formal por parte de governos — incluindo o britânico — não comprometia o status do governo da Costa Rica como legítimo. Vale lembrar que os Estados Unidos só reconheceram oficialmente a República Popular da China em 1979, embora o presidente Nixon a tenha visitado já em 1971. A China, no entanto, permaneceu um Estado antes e depois do reconhecimento estadunidense.

Em segundo lugar, todos devem saber que a Palestina já obteve reconhecimento internacional, conforme declarado na Resolução 43/177 da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 29 de novembro de 2012. Embora tenha sido reconhecida como um Estado observador — e não como um Estado-membro —, isso não diminui seu status como Estado. A Palestina assinou inúmeros tratados internacionais, incluindo o Estatuto de Roma, que instituiu o Tribunal Penal Internacional. Atualmente, a Palestina possui assento nas Nações Unidas em condições equivalentes às dos Estados-membros, com direito de propor itens na agenda da Assembleia Geral, embora sem direito a voto.

A Palestina já foi reconhecida por 147 dos 193 Estados-membros da ONU. O reconhecimento adicional de cinco países europeus, ainda que simbólico e bem-vindo, não altera seu status de território ocupado, tampouco modifica a realidade vivida por seu povo — submetido a um holocausto de proporções alarmantes, marcado por massacres, incêndios, fome e deslocamentos forçados.

Os países europeus, provocados pelo Holocausto de Gaza, devem tomar as medidas delineadas pelo Tribunal Internacional de Justiça em seu parecer consultivo, emitido em 19 de julho de 2024. Nesse parecer, o Tribunal declarou, inicialmente, que a presença israelense nos territórios ocupados é ilegal e que Israel cometeu os crimes de colonização, colonialismo, apartheid e ocupação nesses territórios desde 1967.

Com base nesses três pecados principais, o Tribunal afirmou que os Estados devem sitiar e isolar Israel, rompendo relações diplomáticas e promovendo boicotes comerciais, científicos, econômicos e políticos, até que o país cumpra as exigências do direito internacional. O parecer não conclama os Estados a reconhecerem o Estado da Palestina, pois reconhece que esse ato pode beneficiar os palestinos, mas não obriga Israel a cumprir o direito internacional.

O boicote — que pode ser promovido pelos Estados que desejam reconhecer a Palestina — deve se concentrar na interrupção do fornecimento de armas e de informações de inteligência a Israel. Sabemos, por exemplo, que o Reino Unido forneceu a Israel informações coletadas em mais de 400 missões realizadas por aeronaves que decolaram de sua base militar em Akrotiri, no Chipre, com o objetivo de colher dados sobre a Faixa de Gaza e repassá-los ao governo israelense. A Alemanha e a França devem suspender o envio de armamentos a Israel e até mesmo cancelar o tratado comercial assinado com o país.

Senhores, uma pessoa nua não precisa de uma gravata na calada da noite; ela precisa de um casaco de lã para se aquecer. O que nosso povo precisa é da interrupção imediata do Holocausto e da obrigação imposta a Israel para permitir o acesso à ajuda humanitária. Foi isso que o Tribunal Internacional de Justiça determinou em três decisões provisórias emitidas em 2024, todas juridicamente vinculativas.

Certamente, ninguém acusará o Tribunal Internacional de Justiça de antissemitismo. E, certamente, o compromisso com a decisão do Tribunal não minará a lealdade de nenhum país à potência ocupante. Não é hora de os países europeus abandonarem, mesmo que por uma vez, sua mentalidade colonial para confrontar o crime brutal, sistemático e premeditado de genocídio — amplamente acompanhado por declarações oficiais de autoridades israelenses que explicitam a intenção de destruir completamente, desenraizar e promover uma limpeza étnica em toda a terra de Gaza?

Como as autoridades desses países europeus podem aceitar falar a linguagem da diplomacia enquanto, simultaneamente, sustentam a ocupação militar com apoio financeiro e político? Essas autoridades não percebem que o reconhecimento de um Estado palestino tornou-se inútil depois que o colonialismo sionista se espalhou pelos territórios palestinos com o apoio desses mesmos países europeus?

Os palestinos não carecem de um “Estado”; precisam, antes de tudo, de libertação — da imundície do sionismo, da ocupação e da hipocrisia europeia.

*Heba Ayyad

Jornalista internacional Escritora Palestina Brasileira

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