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quinta-feira, 28 março, 2024

Um dia histórico para o feminismo na América do Sul

por Mariana Nassif/JornalGGN

A história do aborto traz tanta, mas tanta polêmica que parece daquelas coisas que a gente só pode falar escondido. Sabemos que a ilegalidade não é o verdadeiro motivo dessas conversas só acontecerem no submundo das rodas femininas (e no amplo espectro das rodas feministas), e me pergunto, então, se seria o fato literal do interromper da vida o que nos causa tamanho desconforto.

Enquanto não encontro a resposta, vale citar que, no Brasil, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto, de 2010, mais de uma em cada cinco mulheres entre 18 e 39 anos de idade já recorreu a um aborto na vida. Os dados, levantados pela antropóloga Debora Diniz e pelo sociólogo Marcelo Medeiros, devem estar subestimados hoje em dia, seja pela data, seja pelo silêncio que sim, acompanha o assunto. Segundo a OMS, uma mulher morre a cada dois dias no país por conta de abortos ilegais. E quem morre, evidentemente, são as mulheres pobres, as que não tem condição de pagar pelas clínicas particulares que garantem o mínimo frente à escolha.

Sim, escolha.

A mulher não engravida somente porque quer, já parou pra pensar nisso? Extressando bem o tema, o aborto é também ilegal para as grávidas de estupro. Melhora o cenário pra começar a pensar no contexto? Podemos, ainda, passear pela ideia de que um filho não é feito individualmente, mas é assustador saber que o Brasil tem mais de 20 milhões de mães solteiras, e te garanto que não é necessariamente porque elas não quiseram se casar. Machismo é isso: o homem tem prioridade de escolha e à mulher fica reservado o que sobrou, e sinto muito se isso te toca mais profundamente por eu estar falando sobre um bebê do que o fato de que a cada dois dias uma mulher morre abortando.

Religiosamente, então, ouso expor meu ponto de vista, controverso sob o olhar do espiritismo, de que, se uma alma escolhe seus pares por aqui, especialmente seus pais, então de alguma forma ela já tem previsto que possa não vingar. E, de toda forma, o estado é (ou deveria ser) laico.

A maravilha é que desta semana pra frente, na Argentina, estes dados estão caminhando para a mudança. O projeto de lei que permite o aborto até a 14a  semana de gestação passou por aprovação na Câmara e segue para o Senado. Ainda que tenham sido 129 votos a favor e 125 contra, números que me fazem ficar de queixo caído quando se trata de um assunto obviamente exclusivo a quem vive a situação, é uma vitória e tanto no mundo do golpe – por que falar em país do golpe se podemos ampliar a visão, não é mesmo? (contém ironia).

No Brasil, infelizmente e até onde alcançou minha breve pesquisa, a temática dorme. Uma proposta de 2017dava conta de um projeto de lei que, atravancado por um outro posicionamento, este acerca da licença maternidade, que contém cláusula afirmando o direito à vida “desde a concepção”, não passou nem no Plenário. Triste e ainda perigoso, ainda mais para as mulheres pobres e negras. Nos posicionemos, pois, em prolde todas e de cada uma de nós. Nenhuma a menos, lembra?

Torço, e torço muito, para que nós, TODAS AS MULHERES, ocupemos cada vez mais o espaço que quisermos de forma segura, e não somente o de incubadoras de filhos, rainhas do lar e que tenhamos cada vez mais leis que nos amparem para que, pelo menos aos olhos dos justos, continuemos vivas – e sim, o feminismo é desse tamanho mesmo.

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