A decisão do Poder Judiciário, que agora suprime as três medidas que retiravam da Assembleia Nacional suas funções e atribuições, deixa o Poder Legislativo quase no mesmo pé em que estava ontem, quando a decisão do TSJ ainda vigia; ou como estava há uma semana, quando nem se pensava nas tais três medidas.
A Assembleia Nacional – controlada por opositores do Governo – está sem competências e seus atos foram considerados nulos desde 11/1/2016, depois que deu posse a três dos 112 deputados de oposição, desobedecendo ordens da Justiça para que aquelas diplomações fossem suspensas até que se investigasse a denúncia de fraude na eleição dos três deputados.
Essa medida continua vigente sobre todos os atos legislativos. Por efeito dela quase nenhuma das leis ou acordos aprovados na Câmara foi sancionada ou promulgada, nem pelo presidente da Venezuela Nicolás Maduro, nem pelo Tribunal Superior de Justiça, não apenas nos últimos três dias, mas também nos 14 meses anteriores.
De tal modo que amanhã será nula qualquer decisão do plenário do Parlamento e qualquer decisão a ser aprovada pelo Parlamento será decidida pelo TSJ, até que esse tribunal ponha fim à situação de desacato.
O outro assunto é a imunidade parlamentar, decisão que a corte superior também cancelou, depois que o Conselho de Defesa da Nação exortou o tribunal a revisar sua decisão, porque a decisão configurava “ruptura da ordem constitucional”.
A decisão polêmica que tratava da imunidade parlamentar delimitava o privilégio só ao tempo de exercício no Parlamento, entendendo que o direito seria “incompatível” com deputados de um Parlamento cujos atos são nulos; e, além disso, determinava que a proteção não se aplica a delitos penais e contra a Constituição.
Esse é o único ponto sobre o qual não havia decisão anterior, e talvez um dos poucos direitos que, em teoria, os legisladores mantiveram intacto, exceto em casos de crimes de caráter constitucional ou penal.
Antes desse anúncio, fora detido o deputado Gilber Caro, da oposição, denunciado pela posse de “armas e explosivos”. Caro continua numa prisão comum na região central do país; e há longa lista de parlamentares da oposição presos em aeroportos, prefeituras ou em manifestações de rua.
O terceiro ponto no qual o Supremo recuou de suas controvertidas sentenças diz respeito ao ato aprovado pela Assembleia Nacional dia 21 de março passado, chamado “Acordo sobre a Reativação do Processo de Aplicação da Carta Interamericana da OEA como mecanismo para resolução pacífica de conflitos para restituir a ordem constitucional na Venezuela” [esp. Acuerdo sobre la Reactivación del Proceso de Aplicación de la Carta Interamericana de la OEA como mecanismo para resolução pacífica de conflitos para restituir el orden constitucional en Venezuela].
Esse acordo, para começar, foi declarado “nulo por inconstitucional” (havia uma medida cautelar, já suprimida, pela qual o Tribunal Superior ordenava que Maduro permanecesse no exercício de suas funções, para evitar um estado de “comoção”).
Aquela medida cautelar previa atos civis, econômicos, militares, penais, administrativos, políticos, jurídicos e sociais com vistas a evitar uma situação de conflito na ordem interna.
Pouco se altera aí, com medida cautelar ou sem, porque todos esses são poderes que o presidente Maduro já tinha e continua a ter, porque são atribuições constitucionais do próprio cargo no qual foi empossado legalmente.
A mesma medida hoje suprimida também ordenara, no marco do estado de exceção vigente, que o presidente revisasse “excepcionalmente” um conjunto de leis sobre crime organizado, corrupção, terrorismo, justiça penal e militar, atendendo assim a atribuições que o Legislativo não podia cumprir, por continuar em impedimento “por desacato”.
Mas o estado de exceção (por emergência econômica) a que se refere a medida suprimida é vigente no país desde 14/1/2016, e prossegue vigente depois de suprimida a medida cautelar, vale dizer: o chefe de Estado mantém a faculdade de revisar e emendar leis, como antes e nesse momento.
Maduro há 14 meses goza de poder legal para, dentre outros assuntos, ditar “todas as medidas que estime convenientes” nas circunstâncias que afetem gravemente a segurança da Nação, de seus cidadãos ou de suas instituições, como determina o artigo 15 da própria Lei Orgânica de Estados de Exceção.
O artigo 22 dessa mesma lei acrescenta que o decreto que declare o estado de exceção “suspende temporariamente, nas leis vigentes, disposições incompatíveis com as medidas ordenadas naquele decreto.”
Em resumo: Na Venezuela, o Parlamento não faz leis porque está “em desacato” por não ter cumprido ordem da Suprema Corte e não ter excluído três deputados; a Justiça não deixa de legislar por ter cancelado três medidas anteriores. E o presidente Maduro mantém intactos todos os seus poderes constitucionais.*****