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sexta-feira, 21 fevereiro, 2025

Trump pretende transformar Gaza em Resort ignorando os protestos contrários pelo mundo

Reuters

Heba Ayyad*

O que foi declarado na coletiva de imprensa realizada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, na noite de terça-feira, considero a ameaça mais perigosa que a causa palestina enfrenta desde a Declaração de Balfour, em 1917, até o momento atual. Essa ameaça atravessa a Resolução de Partição, em 1947, os Acordos de Camp David, entre Egito e Israel, em 1979, e os Acordos de Oslo, firmados entre a liderança da Organização para a Libertação da Palestina e a entidade israelense, em 1993. Os anéis das conspirações complexas foram completados para a liquidação final da causa palestina.

A Declaração de Balfour legitimou o estabelecimento de um “lar nacional para os judeus na Palestina”, embora, na época, sua população não ultrapassasse 10%. A Resolução de Partição legitimou a criação de um Estado judeu em 56% da Palestina, para cerca de 30% da população judaica, a maioria composta por novos imigrantes. Camp David concedeu, pela primeira vez, legitimidade árabe à entidade israelense e restringiu os direitos palestinos de autogoverno à Cisjordânia e à Faixa de Gaza. Os Acordos de Oslo conferiram legitimidade à entidade sionista sobre 78% da Palestina histórica, limitaram as terras palestinas à Cisjordânia e Gaza, confinaram o povo palestino a essas duas regiões e transformaram o objetivo do projeto nacional palestino no estabelecimento de um Estado não estipulado nos acordos. Direitos e integridade territorial foram desperdiçados, e metade do povo palestino, deslocado para países de asilo e diáspora, foi apagada.

O que Trump propõe agora, em seu encontro com Netanyahu, é concluir todos os vínculos e encerrar, de uma vez por todas, a questão da terra, das pessoas e dos direitos, supondo que seu plano tenha sucesso. Três perigos iminentes foram expressos de forma muito clara por Trump, que repetiu suas palavras para que não houvesse margem para interpretação:

Trump só entende de acordos. Se ele chegar à conclusão de que o projeto de deslocamento, tomada de Gaza e anexação da Cisjordânia a Israel será um fracasso, veremos sua retirada sem hesitação.

A decisão de deslocar os moradores de Gaza não foi um lapso de língua. Pelo contrário, ele a repetiu e enfatizou na coletiva de imprensa, confirmando que há muitos países, além do Egito e da Jordânia, que expressaram disposição para receber os palestinos. Ele também insistiu que as lideranças jordaniana e egípcia cooperariam com ele, pois ambos os países recebem grandes quantidades de ajuda americana e conhecem o preço da recusa. O mais estranho é que ele acredita que expulsar um povo de sua terra, pátria, história, memórias e civilização será bem recebido, sob a justificativa de garantir uma vida sem tiros e guerras. Ele enfatizou que “os palestinos não têm alternativa a não ser deixar a Faixa de Gaza”.

A Faixa de Gaza ficará sob o controle direto dos Estados Unidos, que limparão os escombros e a reconstruirão sobre fundações modernas, transformando-a na “Riviera do Oriente Médio”. A região será aberta a investidores, turistas e pessoas de todo o mundo que desejem se estabelecer nela — com exceção de seus habitantes originais. Os Estados Unidos assumirão a Faixa de Gaza como uma “propriedade de longo prazo”, isentando Israel da responsabilidade de reconstrução e permitindo que os países árabes paguem bilhões sem constrangimento, uma vez que o destinatário será os EUA e não Israel.

Qualquer tentativa de resistência por parte da população original será enfrentada com força direta dos EUA. Esse posicionamento pode ser um indício implícito de que Israel falhou em derrotar o Hamas, e os Estados Unidos assumirão essa tarefa, já que Trump enfatizou que usará força maciça caso o cessar-fogo não seja mantido.

Ele se referiu à Cisjordânia como “Judeia e Samaria”, sendo esta a primeira vez que tal declaração foi feita, ainda que de forma semi-oficial, por um presidente estadunidense. Isso indica sua adoção da ideologia sionista extremista. Ele afirmou que decidirá, dentro de quatro semanas, sobre a questão da anexação da Cisjordânia a Israel, pois, como repetiu várias vezes, inclusive durante sua campanha eleitoral, Israel é um país pequeno e precisa se expandir. Isso implica não apenas a anexação da Cisjordânia e das Colinas de Golã — cujo reconhecimento como parte de Israel foi decretado por ele em seu primeiro mandato —, mas também a possibilidade de uma expansão ainda maior, incluindo o Monte Hermon e a zona-tampão que Israel incorporou às Colinas de Golã ocupadas após a queda do regime de Bashar al-Assad. Talvez Israel também se estenda para o norte do Vale do Jordão e o sul do Líbano.

O primeiro sinal desse movimento surgiu no Catar, onde a retirada das forças israelenses do sul do Líbano foi adiada por mais três meses, por meio de um acordo exclusivo entre Israel e os Estados Unidos. Quanto ao Líbano e à França, que também fazem parte do acordo de cessar-fogo, seu papel se limita a serem meras testemunhas, cujas opiniões não têm relevância.

Em resumo, Trump está revivendo o padrão colonialista do século XIX, no qual exércitos invadiam e ocupavam territórios, dizimavam grande parte da população, escravizavam o restante e saqueavam a riqueza local, enviando-a para as capitais dos países colonizadores. Qualquer objeção a esse tipo de colonialismo de assentamento era respondida com massacres sem fim, como ocorreu em todas as colônias francesas, inglesas, holandesas, belgas e espanholas. Os povos indígenas das Américas, da África e da Ásia pagaram um preço altíssimo, com a perda de dezenas de milhões de vidas devido à colonização ocidental.

Essa é a visão colonialista, racista e supremacista que considera certos povos como inferiores, indignos de viver da mesma forma que os colonizadores. Assim, a morte de milhares, milhões ou até dezenas de milhões de pessoas não faz diferença para essa lógica perversa, pois suas vidas são vistas como menos valiosas.

Não foi exatamente isso que aconteceu com os povos indígenas nos Estados Unidos? Não foram mais de 60 milhões de pessoas exterminadas na Austrália, no Canadá e em diversos países da América Latina? Não é essa a mesma visão supremacista que Israel tem perpetuado desde sua criação até os dias atuais, reforçada por todas as potências ocidentais com um passado colonial? O ministro das Relações Exteriores da Alemanha não justificou os ataques contra hospitais em Gaza? Todos os líderes ocidentais não repetiram a frase “Israel tem o direito de se defender” para legitimar o genocídio, como se a vítima só tivesse o direito de aceitar a vingança de seu algoz, simplesmente porque tentou se rebelar contra sua perseguição, assassinato e demonização?

Trump veio com uma picareta para destruir muitas relações internacionais. Retirou-se do acordo climático e da Organização Mundial da Saúde, abandonou o Conselho de Direitos Humanos e interrompeu permanentemente o financiamento da UNRWA. Ele chegou a anunciar que queria anexar o Canadá, o Canal do Panamá e a Groenlândia.

Quando impôs uma tarifa de 25% sobre produtos canadenses e mexicanos, a resposta do Canadá foi forte e firme. Trudeau ameaçou aplicar a mesma taxa, ou até mais, sobre todas as importações estadunidenses. A presidente mexicana, Claudia Xinbao, também reagiu de maneira contundente, fazendo um discurso firme no qual ameaçou os Estados Unidos com a suspensão da importação de carros, telefones, equipamentos e até hambúrgueres estadunidenses.

E o que fez o imprudente presidente estadunidenses? Recuou imediatamente. Ele interrompeu suas decisões, passou a elogiar Trudeau e buscou resolver o impasse com o México. A China respondeu ao golpe de Trump aumentando as tarifas sobre produtos americanos em 10% a 15%. Até o Panamá se posicionou firmemente contra qualquer tentativa de controle do canal, assim como a Dinamarca, que reafirmou que a Groenlândia não está à venda nem para aluguel.

Essas posturas firmes, baseadas em um posicionamento popular de resistência, são a única linguagem compreendida pelos arrogantes, tirânicos e racistas. Vale lembrar que esses governos foram eleitos pelo povo, não chegaram ao poder por meio de herança ou golpe.

Para que os planos de Trump na Palestina fracassem, é necessária uma resposta forte de todas as facções palestinas e uma declaração de prontidão para resistir ao deslocamento e à anexação até a última gota de sangue de cada homem, mulher, criança e idoso em toda a Palestina. Se milhões de pessoas na Jordânia tomarem as ruas como uma torrente, esmagarão os planos de Trump e Netanyahu sob seus pés.

Se houver uma mobilização massiva no Egito, espontânea ou permitida, isso poderá desestabilizar imediatamente o equilíbrio de poder e lançar o projeto de deslocamento no lixo da história. No entanto, a condição essencial é que as massas tenham permissão real para se mobilizar aos milhões, e não apenas como um teatro encenado por pequenos grupos do regime em locais cuidadosamente selecionados no Egito.

Por fim, se os cinco regimes árabes — Egito, Arábia Saudita, Jordânia, Catar e Emirados Árabes Unidos —, que assinaram a carta enviada ao Secretário de Estado norte-americano Marco Rubio, tivessem assumido uma posição firme e inegociável, o presidente estadunidense teria recuado e engolido suas palavras.

Não foi sempre dito que ele é um comerciante que entende de negócios, mas não de política e diplomacia? Se Trump perceber claramente que o projeto de deslocamento, tomada de Gaza e anexação da Cisjordânia a Israel será um fracasso, veremos seu recuo sem hesitação. Afinal, é da natureza dos negociantes colocar o princípio de lucro e perda acima de qualquer consideração de dignidade pessoal ou de adesão inflexível a posições políticas.

*Heba Ayyad

Jornalista internacional

Escritora Palestina Brasileira

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