Cerimônia de assinatura do tratado na ONU, em 2017. Sob Michel Temer, Brasil foi o primeiro a assinar documento
DW – Pacto da ONU banindo armas atômicas foi ratificado por 51 países, embora nenhum deles seja potência nuclear. Alemanha, que abriga ogivas nucleares americanas, também não assinou acordo.
O primeiro tratado para banir as armas nucleares entrou em vigor nesta sexta-feira (22/01). O pacto internacional foi ratificado por 51 países, embora nenhum seja potência nuclear. A Alemanha, que hospeda ogivas nucleares americanas, também não assinou o documento.
O Tratado da ONU sobre a Proibição de Armas Nucleares proíbe seus signatários de produzir, armazenar, vender e usar armas nucleares. A Campanha Internacional para a Abolição de Armas Nucleares (Ican, na sigla em inglês), que recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 2017, considera a iniciativa um “marco”.
“Agora haverá muito mais pressão sobre as potências nucleares para finalmente cumprirem suas antigas promessas de desarmamento”, diz Leo Hoffmann-Axthelm, representante da Ican em Bruxelas, em entrevista à DW.
Os esforços para o desarmamento nuclear estagnaram nos últimos anos. Apenas um punhado de potências possui as estimadas 13.400 ogivas nucleares existentes no mundo. Cerca de 90% são propriedade dos Estados Unidos e da Rússia, com o restante dividido entre China, França, Reino Unido, Paquistão, Índia, Coreia do Norte e possivelmente Israel – potência nuclear não declarada.
Esses países investiram muito na modernização de seus arsenais nucleares para aumentar a eficácia dos armamentos. Na verdade, eles parecem mais interessados na modernização do que no desarmamento. Enquanto isso, muitas das nações não nucleares do mundo não estão mais dispostas a aceitar essa situação.
Em julho de 2017, 122 países votaram a favor da adoção do tratado de proibição. Em setembro do mesmo ano, o pacto internacional foi assinado na sede da ONU, com o então presidente brasileiro Michel Temer sendo o primeiro chefe de Estado a assinar o documento.
O tratado tem atualmente 86 signatários, enquanto 51 países já o ratificaram, razão pela qual ele agora pôde entrar em vigor (é exigido um mínimo de 50 confirmações de Estados-membros para tal). O Brasil, apesar de ter estado à frente da iniciativa diplomática em 2017, é um dos signatários que ainda não ratificou o pacto, em meio à mudança de rumos na política externa com o governo do presidente Jair Bolsonaro.
“Sistema de dissuasão”
Até agora, principalmente nações da África, América Latina e Ásia ratificaram o tratado. Na Europa, apenas Irlanda, Áustria, Malta e Liechtenstein aderiram. As principais potências nucleares do mundo até agora se recusaram a ratificá-lo, assim como os 30 Estados que são membros da Otan, que consideram as armas atômicas essenciais por razões de dissuasão. A Otan insiste que, enquanto existirem armas nucleares, ela permanecerá uma aliança nuclear.
Atualmente, acredita-se haver cerca de 20 ogivas nucleares americanas armazenadas na base aérea de Büchel, no sudoeste da Alemanha, sob um acordo de compartilhamento de armas nucleares da Otan. Em caso de emergência, os pilotos da Força Aérea da Alemanha teriam que pilotar os aviões que lançariam as bombas. O cenário é ensaiado em um exercício nuclear anual da Otan, denominado Steadfast Noon, que envolve pessoal de várias forças aéreas aliadas.
Como resultado, o governo alemão também se recusou a ratificar o tratado de desarmamento. Em outubro de 2020, o porta-voz do governo alemão Steffen Seibert apontou que muitos países continuaram a ver as armas nucleares como instrumentos necessários de conflito militar. “Enquanto for esse o caso, a Alemanha e a Europa estarão em risco”, disse. “Na nossa opinião, é necessário manter um sistema de dissuasão nuclear.”
Rejeição na Alemanha
A população alemã em geral está menos convencida disso. De acordo com as pesquisas, dois terços gostariam que o governo ratificasse o tratado de proibição. Cerca de 170 legisladores de mais de 100 cidades e quatro estados – incluindo Renânia-Palatinado, onde as armas nucleares dos Estados Unidos são armazenadas – exigiram que o governo assine o pacto.
Embora o governo afirme ser, a princípio, a favor de um mundo sem armas nucleares, ele diz que o tratado de proibição não é o meio certo de atingir esse objetivo. O ministro do Exterior da Alemanha, Heiko Maas, diz que um tratado de desarmamento nuclear que não envolva as potências nucleares mundiais não tem utilidade. Ele acredita que o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP, na sigla em inglês) de 1970 é um instrumento mais adequado. A Alemanha é um dos 191 Estados signatários, incluindo cinco potências nucleares. No entanto, seu objetivo é apenas prevenir a disseminação de armas atômicas, não o desarmamento.
Jonas Schneider, especialista em armas nucleares do Instituto de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), com sede em Berlim, concorda com Maas. Ele duvida que o tratado de proibição leve ao progresso, embora o pacto seja uma iniciativa muito elogiada.
“Os países que possuem armas nucleares lucram maciçamente com elas, tanto em termos de política de defesa como em outras áreas, em relação a outros Estados”, ressalta. “Eles são, por exemplo, considerados pelos outros países valiosos parceiros de cooperação”, diz. Além disso, segundo ele, as armas convencionais não poderiam simplesmente substituir as armas nucleares, cujo “efeito de dissuasão é único”. Ele crê que o desarmamento nuclear só possa ocorrer de forma gradual e com o envolvimento de todas as potências nucleares.
“Acordo necessário”
Ao entrar em vigor, o Tratado de Proibição de Armas Nucleares continua controverso, com críticos duvidando que o pacto mude alguma coisa na prática.
Os defensores do tratado de proibição não compartilham dessa opinião. Eles dizem que as armas nucleares representam uma ameaça tão grande para a humanidade que não podem ser um problema cuja solução dependa somente das potências nucleares. “Este acordo é necessário para deixar claro que as armas nucleares são um problema que diz respeito a todos, que todos têm que se sentar à mesa”, enfatiza Leo Hoffmann-Axthelm, do Ican.
O ativista acredita que o tratado mudará o discurso sobre as armas nucleares a longo prazo. “Em dez anos, políticos, jornalistas, acadêmicos e o público em geral terão em suas mentes que as armas nucleares são proibidas pelo direito internacional. É por isso que elas não serão mais um símbolo de status, mas algo pelo qual se envergonha.”
Na opinião de Hoffmann-Axthelm, é “apenas uma questão de tempo” até que a Alemanha decida aderir ao tratado. Ele espera que isso ocorra nos próximos cinco a dez anos. Na visão dele, seria possível até mesmo que um país que armazena armas nucleares em seu território possa ratificar o tratado. Esse país teria então de se comprometer a se livrar das armas nucleares dentro de um certo prazo.
O especialista em armas nucleares Jonas Schneider é muito mais cético. Ele acredita que, se a Alemanha ou outro país da Otan aderisse ao tratado, ficaria “isolado e politicamente estigmatizado dentro da aliança”.