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segunda-feira, 9 dezembro, 2024

Submisso aos EUA, Brasil só tem a perder se entrar na OCDE e no G7, diz ex-chanceler Celso Amorim

ANÁLISE

O governo brasileiro do presidente Jair Bolsonaro não esconde o seu orgulho de estar alinhado com a gestão do líder estadunidense Donald Trump, mas o patrocínio prometido por Washington para colocar o Brasil na OCDE e no G7 pode trazer mais malefícios do que benefícios, de acordo com um ex-chefe do Itamaraty.

Ambas as promessas de endosso da Casa Branca a uma entrada do Brasil nas duas organizações vieram em cada ano da gestão Bolsonaro, e foram muito celebradas pelo mandatário brasileiro, que nunca escondeu a sua admiração por Trump e logo alinhou diplomaticamente Brasília com Washington.
No ano passado, a possibilidade do país integrar a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – fundada em 1961, hoje conta com 38 países-membros e é conhecido como “Clube dos Ricos” – dividiu opiniões. Em contrapartida, o Brasil abriria mão de seus benefícios como país em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Já no início deste mês, Bolsonaro revelou que o Brasil deverá integrar uma versão expandida do G7 – grupo dos sete países mais industrializados do mundo –, revelação possível depois de uma conversa entre o presidente brasileiro e Trump. Assim como no caso da OCDE, os EUA se comprometeram a patrocinar a admissão brasileira.
Para o diplomata Celso Amorim, que foi ministro das Relações Exteriores nos governos de Itamar Franco e Luiz Inácio Lula da Silva, tal desejo de Bolsonaro, seus assessores e setores da sociedade brasileira de verem o Brasil nestas duas entidades “se baseia em primeiro lugar na ignorância”.
À Sputnik Brasil, Amorim explicou que o Brasil não tem nada a ganhar por entrar na OCDE. De acordo com o ex-chanceler, o momento não é favorável e o país só receberia obrigações que não existiam antes para ser aceito.
“Não há nenhum ganho para um país em desenvolvimento que tem necessidade de proteger a sua indústria, proteger a sua tecnologia, ter a possibilidade de ter medicamentos genéricos produzidos no país e entrar para uma organização que tem regras rígidas, organização para o desenvolvimento econômico, que é o chamado clube de ricos”, declarou.
‘Selo de qualidade’
Amorim relembrou que a ideia de integrar um grupo de ricos não faz o país se tornar rico da noite para o dia, algo que alguns políticos e economistas brasileiros entusiastas da entrada na OCDE costumam não mencionar, segundo o diplomata. A ideia de que estar na organização significa ter um “selo de qualidade” e mais investimentos estrangeiros é refutada por ele.
Presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Donald Trump (EUA) posam para fotos antes de jantar em Mar-a-Lago, na Flórida
© AP PHOTO / ALEX BRANDON / FILE
Presidentes Jair Bolsonaro (Brasil) e Donald Trump (EUA) posam para fotos antes de jantar em Mar-a-Lago, na Flórida
“Na realidade isso não ocorre, basta ver os exemplos de Brasil e México na primeira década do ano 2000, sobretudo, em que os investimentos para o Brasil afluíram em volume muito maior do que para o México. O México era membro da OCDE, desde o início dos anos 1990 se não me engano, e o Brasil não”, explicou à Sputnik Brasil.
O ex-chanceler ainda relembrou que governos brasileiros anteriores, nos anos 1990, cogitaram a ideia de apresentar uma candidatura do Brasil para integrar a OCDE. Contudo, pontuou Amorim, nunca a ideia avançou por conta dos malefícios que a ideia traria naquele momento.
“Nunca foi levado adiante porque sempre se percebeu que as dificuldades eram muito grandes, as obrigações que o Brasil teria que assumir em áreas de serviços financeiros, em áreas de serviços, de propriedade intelectual, investimentos, tudo isso em grande medida contrariava as políticas de desenvolvimento que bem ou mal esses governos sempre levaram adiante. Então não faz nenhum sentido hoje o Brasil buscar esse ingresso, no caso de um governo como esse atual que não tem nenhum trunfo a mostrar, pode até dar uma impressão positiva para o público interno, mas isso nada tem a ver com um projeto de desenvolvimento sério”, avaliou o diplomata.
‘Hostilizar a China por quê?’
Já a ideia de fazer parte de um G7 expandido, celebrada por Bolsonaro após conversa com Trump, também pode parecer mais vantajosa na teoria do que na prática, conforme analisou Amorim. Pior: o Brasil pode acabar de indispondo com o seu principal parceiro comercial, a China, nação esta que está em pé de guerra justamente com os EUA na área comercial.
“Se fosse o G7 expandido para incluir os BRICS e talvez algum outro país em desenvolvimento, poderia ser o México, Indonésia, a Argentina, algum outro, até poderia fazer sentido, embora para isso já haja o G20 […]. Mas um G7 expandido que seja uma maneira disfarçada de fazer pressão sobre um outro país ao qual o Brasil é associado nos BRICS ou em outro lugar qualquer não vale a pena”, apontou.
“Por exemplo, esse G7 expandido que se falou que incluiria Coreia do Sul, Austrália e possivelmente Rússia e Índia, para tentar isolar a China, essa não é a nossa agenda, essa não é a agenda do Brasil, a China é um parceiro nosso nos BRICS, é o nosso principal parceiro comercial, no futuro será uma fonte de tecnologia com certeza também, e por termos uma parceria estratégica não há razão para hostilizarmos a China, nem entrarmos em um jogo de isolamento que não tem nada a ver nem mesmo com o mundo que vai se criar no pós-pandemia”, acrescentou Amorim.
Submisso aos EUA hoje, conciliador pela paz ontem
O prestígio que tais ingressos dariam ao governo Bolsonaro e ao atual chanceler, Ernesto Araújo, não é sustentável, na opinião do diplomata ouvido pela Sputnik Brasil, que também foi ministro da Defesa em um dos governos de Dilma Rousseff. Como Amorim prefere afirmar, “a imagem é um reflexo da realidade”, e isso hoje não ajuda o Itamaraty.
“O que acontece no caso do Brasil hoje, usando uma palavra que eu prefiro que é a percepção sobre o Brasil, é que o Brasil é um país que se colocou de uma forma totalmente subordinada aos EUA, eu diria nem mesmo aos EUA, mas a uma forma totalmente subordinada à diplomacia do presidente Trump, e isso afeta diretamente a credibilidade que o Brasil tinha”, disse ele.
Amorim relembrou a sua passagem pelo Ministério das Relações Exteriores no governo Lula como forma de antagonizar o atual momento da diplomacia brasileira. Ele destacou que o Brasil se fez presente em diversos assuntos importantes, dos debates após a crise do Lehmann Brothers em 2008, passando pelos debates envolvendo o programa nuclear do Irã.
Chanceler brasileiro Celso Amorim conversa com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em 2010
© AP PHOTO / VAHID SALEMI
Chanceler brasileiro Celso Amorim conversa com o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad em 2010
“Agora isso tudo acabou com essa política que está sendo seguida e devo dizer mais, não acabou só a política do governo Lula, acabou o que era uma positiva percepção do Brasil em todos os campos”, lamentou.
Para ilustrar o que ele classifica como prestígio diplomático que nem entrar na OCDE ou em um G7 expandido poderiam trazer ao Brasil, Amorim relembrou das situações em que era chamado, quando embaixador do país na Organização das Nações Unidas (ONU), para presidir discussões no Conselho de Segurança, muitas vezes envolvendo temas espinhosos.
“Em algumas vezes o Brasil foi chamado para presidir comissões e quando eu perguntava por que o Brasil e não outro, o que era dito é que o Brasil era o único país que podia ter a confiança dos ocidentais e de Rússia e China ao mesmo tempo. Então essa característica do Brasil de tentar resolver as questões, procurar soluções políticas, dialogar, não é o consenso pelo consenso”, afirmou o diplomata.
“O Brasil sempre teve os seus objetivos próprios, mas entre eles está a paz, e contribuir para a paz sempre foi visto como uma característica da política externa brasileira, contribuir com a paz, com o desenvolvimento solidário com muitos países, pela integração latino-americana para relações positivas e respeitosas com todos os países do mundo, tudo isso está muito prejudicado”, complementou.

Sputnik

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