– A edição italiana de A derrota do Ocidente, acaba de ser publicada
Emmanuel Todd [*]
Entrevistado por Daniele Labanti
DL: Professor Todd, foi escrito em França que o senhor quer “fazer passar os seus sonhos por realidade” e que o que diz não tem qualquer base científica. Como responde?
A questão não é saber o que a imprensa francesa escreve sobre mim, mas conhecer os factos revelados pela história atual. O facto é que os EUA não conseguiram produzir o equipamento militar de que os ucranianos necessitam, porque é um facto que o poder da sua indústria foi esvaziado pela financeirização. É um facto que o exército ucraniano está em retirada e tem dificuldade em recrutar soldados. É um facto que as sanções económicas ocidentais causaram mais danos à economia da Europa do que à da Rússia, e é também um facto que a estabilidade política da França está agora mais ameaçada do que a da Rússia.
A reestruturação da economia russa foi possível graças ao facto de a Rússia produzir mais engenheiros do que os EUA e de países que não são aliados nem súbditos dos EUA terem continuado a fazer comércio com a Rússia. Os comentários de grande parte da imprensa francesa sobre os meus sonhos – Le Monde, Libération, L’Expres, etc – sugerem que são eles que estão a viver num sonho. O êxito do meu livro em França também sugere o facto de esta imprensa “nem sempre ser levada a sério pelos franceses”.
DL: No entanto, o livro baseia-se nas suas teorias sobre o niilismo e a decadência religiosa na Europa. Pode explicar o seu significado?
Os últimos vestígios da estrutura social e moral de origem religiosa desapareceram. Atingiu-se o estado zero da religião. No entanto, a ausência de crenças, normas e hábitos de carácter ou origem religiosa deixa-nos com a angústia de ser um homem, um mortal, que não sabe o que está a fazer na terra. A reação mais banal a este vazio é o endeusamento do vazio: o niilismo, que leva ao impulso de destruir as coisas, as pessoas e a realidade. Falo aqui como antropólogo, como académico, e não como moralista. Temos de proteger as pessoas que acreditam pertencer a um género diferente do seu. É também surpreendente mas significativo que, ao aceitar a inflexibilidade do código genético, a ciência e a Igreja estejam agora do mesmo lado. Contra a afirmação niilista do falso.
DL: Afirma que a Europa delegou a representação do Ocidente nos Estados Unidos e está a pagar as consequências. Como pensa que esta tendência pode ser alterada?
No estado em que nos encontramos, não podemos fazer mais nada. Começou uma guerra. O resultado desta guerra irá decidir o destino da Europa. Se a Rússia for derrotada na Ucrânia, a subjugação europeia aos americanos continuará durante um século. Se, como eu acredito, os EUA forem derrotados, a OTAN desintegrar-se-á e a Europa será livre.
Ainda mais importante do que uma vitória russa será a paragem do exército russo no Dnepr e a indisponibilidade do governo de Putin para atacar militarmente a Europa Ocidental. Com 144 milhões de habitantes, uma população em declínio e 17 milhões de quilómetros quadrados, o Estado russo já está a lutar para ocupar o seu território. A Rússia não terá nem os meios nem o desejo de se expandir quando as fronteiras da Rússia pré-comunista forem reconstituídas. A histeria russofóbica ocidental, fantasiando o desejo de expansão russa na Europa, é simplesmente ridícula para um historiador sério. O choque psicológico que espera os europeus será a constatação de que a OTAN não existe para nos proteger, mas para nos controlar.
DL: Acha que a Europa deu o último passo para esta subordinação durante os conflitos dos Balcãs e, sobretudo, com a questão do Kosovo?
Não, tudo começou na Ucrânia. Durante a guerra do Iraque, depois do Kosovo, Putin, Schröder e Chirac deram conferências de imprensa conjuntas. Isso aterrorizou Washington. Parecia que os EUA poderiam ser expulsos do continente europeu. Por isso, a separação da Rússia da Alemanha tornou-se uma prioridade para os estrategas americanos. O agravamento da situação na Ucrânia serviu este objetivo. Forçar os russos à guerra para impedir a integração de facto da Ucrânia na NATO foi inicialmente um grande êxito diplomático para Washington. O choque da guerra paralisou a Alemanha e permitiu aos americanos, no meio da confusão geral, fazer explodir o gasoduto Nordstream, símbolo do entendimento económico entre a Alemanha e a Rússia. É evidente que, numa segunda fase, a da derrota americana, o controlo americano sobre a Europa será pulverizado. A Alemanha e a Rússia voltarão a encontrar-se. Este conflito é artificial. O que é natural numa Europa com baixa fertilidade e uma população envelhecida é a complementaridade entre a indústria alemã e os recursos energéticos e minerais russos.
DL: Por que razão adopta uma posição pró-russa em relação à guerra na Ucrânia e vê este conflito como um exemplo do fim do Ocidente?
Sou um historiador objetivo. Quero compreender porque é que nós, no Ocidente, provocámos esta guerra e a perdemos e, com esta derrota, perdemos também o nosso controlo sobre o mundo. Não sou pró-russo. Mas leio os textos de Putin e Lavrov e penso que compreendo os seus objectivos e a sua lógica. Se os nossos dirigentes tivessem levado mais a sério investigadores como eu e alguns outros, não nos teriam conduzido a uma tal catástrofe. Um putinófobo inteligente poderia utilizar o meu livro para combater a Rússia. Por outro lado, quando um jornal como o Le Monde esconde dos seus leitores – as elites francesas – a recuperação económica e social da Rússia, como tem feito, informa mal os nossos dirigentes sobre a estabilidade e o poder da Rússia e serve o Presidente Putin.
DL: O conceito de “oligarquia liberal”, para muitos países europeus, e de “democracia autoritária”, para a Rússia, que sistema preferia?
A oligarquia liberal não é um problema prático para mim. Não se esqueça que nasci no seio da intelligentsia francesa. O meu avô Paul Nizan publicava na Gallimard antes da guerra e tinha como padrinho Raymond Aron. A sua mulher, a minha avó Henriette, era prima de Claude Lévi-Strauss. O meu pai, Olivier Todd, foi um grande jornalista do Nouvel Observateur. Basicamente, sou apenas um membro dissidente da oligarquia intelectual. Além disso, amo apaixonadamente o meu país, a França, e viverei lá enquanto o regime não for fascista ou racista, e não tiver de me tornar um refugiado político.
Se tivesse de me tornar um refugiado político, não iria para os Estados Unidos, como era tradição na minha família, porque estão a descer para algo pior do que a oligarquia liberal, o niilismo. Não gosto da barbárie, sou demasiado conformista culturalmente, demasiado culto, como se diz em francês. Acho que iria para Itália, porque lá tudo é bonito, ou para a Suíça, porque uma parte do país fala francês. O que é que eu faria na Rússia?11/Outubro/2024
Ver também a resenha do livro de Todd:
-
A derrota do ocidente, 19/Jul/24