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sexta-feira, 29 março, 2024

Rússia homenageia ícone americano à véspera da eleição

por M K Bhadrakumar [*]
O supremo reconhecimento na Rússia é a condição de membro da Academia de Ciências. Esta é um panteão santificado que remonta a Pedro o Grande. Inevitavelmente, como todas as grandes decisões e a maior parte das menores na Rússia, o Kremlin escolhe cuidadosamente os membros da Academia de Ciências.
Assim, Joseph Stiglitz é membro da mesma, mas Milton Friedman e George Stigler não são. Arthur Schlesinger, o “historiador da côrte” de John Kennedy foi; ao passo que George Kennan, autor do histórico “Longo telegrama”, não foi.
Portanto, sem nenhuma dúvida, a notícia vinda de Moscovo acerca da eleição de Henry Kissinger enfatiza algo que o Kremlin tem vontade de transmitir.
A agência de notícias TASS informou:
Kissinger, 93, é um dos autores da política de détente nas relações americano-soviéticas. Em 1973 ganhou o Prémio Nobel da Paz pelo seu papel ao negociar e alcançar o Acordo de Paz de Paris destinado a finalizar a guerra no Vietname. Depois de renunciar à grande política, Kissinger centrou-se em escrever memórias, artigos e livros sobre política externa e diplomacia. Suas obras mais famosas incluem “Nuclear Weapons and Foreign Policy”; “The White House Years” e “Does America Need a Foreign Policy?” Kissinger tem numerosos prémios do estado americano, incluindo a Medalha da Liberdade Presidencial, a mais alta condecoração civil dos EUA, concedida a indivíduos que deram contribuição notável à segurança ou aos interesses nacionais dos Estados Unidos, da paz mundial, da cultura ou a feitos públicos ou privados significativos.
Por que Kissinger? Por que não Noam Chomsky?
Evidentemente, o Kremlin tem uma memória selectiva acerca de Kissinger, o qual está ligado ao assassínio de Salvador Allende e várias outras tentativas de derrube de governos estabelecidos na América Latina, o qual é particularmente responsável pela destruição do Camboja e do Laos e cujas decisões levaram a mortes de centenas de milhares de pessoas inocentes.
Por que o presidente Vladimir Putin aprovou esta decisão? Isto pode ser explicado numa palavra — oportunismo.
O momento é extremamente significativo – na véspera de uma importante transição em Washington. Putin deu a entender ao establishment de política externa dos EUA que ele é um pragmático que não está excessivamente preso a convicções ou escrúpulos morais ou ideologia.
A alta probabilidade de uma presidência Hillary Clinton deixa o Kremlin nervoso. Na sua quinta-essência, Clinton também é uma “intervencionista” – como Putin. Ela falou sem rodeios acerca do seu desgosto visceral acerca de Putin e se ela procura um confronto a Síria apresenta-se como um teatro esplêndido. À primeira vista, a Rússia tem a supremacia na Síria a partir de agora. Mas isto pode tornar-se irrelevante se Hillary desenvolver o “smart power” que sempre defendeu – actos selectivos de intervenção numa guerra de atrito que acaba por sangrar a Rússia. Putin está a esquiar sobre gelo fino.
Kissinger sempre foi um mediador para Putin. Kissinger advoga que a Rússia não é um inimigo existencial dos Estados Unidos e que é possível criar um equilíbrio de poder sustentável. Ele interpreta o orgulho da Rússia (e de Putin) como uma busca do respeito americano ao invés de uma agenda de desafio estratégico.
Kissinger coloca o orgulho da Rússia em perspectiva. Tecnologicamente, os EUA e a Europa são muito superiores e a China está rapidamente a ultrapassar a Rússia. As economias dos EUA, UE e China têm, cada uma delas, cinco a seis vezes a dimensão da da Rússia. Dito claramente, em termos históricos a Rússia já não é mais o núcleo dinâmico da Eurasia. Portanto, claramente, a narrativa americana de a Rússia ser uma ameaça explosiva é enviesada e uma “estratégia de contenção” é injustificada.
Por outro lado, Kissinger ainda encara a Rússia como um actor global significativo e considera que a cooperação é útil para avançar interesses nacionais americanos. Através de uma hábil mistura de “cenoura e bastão”, as acções russas podem ser influenciadas. Ainda mais importante, a Rússia pode estar desejosa de ser um actor significativo numa coligação para modular a ascensão da China numa direcção que se adeque a interesses americanos. Dito de forma sucinta, Kissinger fala sobre a necessidade de um concerto de poderes semelhante ao que existiu (por algum tempo) na Europa do século XIX até o mundo desmoronar. (Ainda gosto de ler o seu A World Restored: Metternich, Castlereagh and the Problems of Peace 1812-1822 como uma obra clássica na história da diplomacia.)
Naturalmente, o paradigma acima – chame-o coercivo, amoral ou maquiavélico – que o eminente doutor prescreve não é muito diferente daquele que o paciente também deseja projectar. Donald Trump pode acalentar tal prescrição. A grande questão é: Será que Hillary a quer?
31/Outubro/2016
Ver também:
Noted War Criminal Henry Kissinger Elected to Russian Academy of Sciences
[*] Diploma e analista político indiano. Foi embaixador em diversos países.
O original encontra-se em
blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/…
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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