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terça-feira, 2 dezembro, 2025

Revoluções nas urnas ou nas ruas?

Por Marcelo Colussi

“A violência nas mãos do povo não é violência. É justiça!” (Juan Domingo Perón)

“Os povos conquistam direitos quando lutam por mais, não quando se adaptam ao que é ‘possível’”. (Sérgio Zeta)

Uma revolução é uma mudança profunda, uma ruptura com os paradigmas antigos e o estabelecimento de algo novo. Isso se aplica a vários campos: nas ciências, por exemplo. Falamos da “Revolução Copernicana”. Ela se refere à mudança radical provocada pelo astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico, que no século XVI demoliu completamente a teoria geocêntrica (a Terra como centro do universo), substituindo-a pela visão heliocêntrica (o Sol como centro e nosso planeta girando ao seu redor).

Essa ruptura, que de certa forma é a certidão de nascimento da ciência moderna, significou uma mudança absoluta na maneira de conceber as coisas, a tal ponto que hoje dizer “revolução copernicana” é sinônimo de uma mudança profunda e monumental em qualquer área.

Em termos sociopolíticos, falar de revolução é referir-se a transformações radicais. Estas, definitivamente, sempre surgem de movimentos profundos que carregam a violência como ingrediente inseparável. As verdadeiras mudanças na história da humanidade não são graduais, mas envolvem transformações abruptas. Seguindo essa lógica, Marx, com uma frase de origem hegeliana, poderia dizer que “a violência é a parteira da história”. Isso se baseia na compreensão de que a história das sociedades, desde que houve um excedente de produção a ser distribuído que ultrapassa as necessidades básicas, gerou classes opostas (os que têm e os que não têm), cujas lutas são a força motriz da história. Esses confrontos são violentos e, a partir deles, emergem novas formas de sociedade.

Em outras palavras, a luta de classes tem impulsionado as sociedades desde o alvorecer da agricultura, desde o surgimento do excedente econômico, há cerca de 10.000 anos, quando a humanidade passou de um estilo de vida nômade para um sedentário. Essas lutas não desapareceram; a história não chegou ao fim, como a direita proclamou triunfalmente quando o Muro de Berlim caiu. Até mesmo um bilionário como Warren Buffett — um importante investidor de Wall Street — afirmou categoricamente: “É claro que existe luta de classes! Eu, felizmente, pertenço à classe que está vencendo essa guerra”. Essa luta persiste, mesmo que as primeiras experiências socialistas não tenham progredido como esperado.

Por que dizer tudo isso? Para mostrar que mudanças genuínas e profundas, transformações revolucionárias nas sociedades, não ocorrem sem antagonismos, nos quais a violência desempenha um papel fundamental. Tomemos, por exemplo, o modo de produção dominante atual: o capitalismo. Seu nascimento político formal remonta à Revolução Francesa de 1789; foi então, após vários séculos de acumulação desde a Liga Hanseática no século XIII, que ele atingiu a maturidade e emergiu como a força política dominante, destronando a monarquia. Embora hoje a narrativa da direita tente retratar o socialismo como violento, jamais se deve esquecer que o mundo moderno, capitalista e burguês, onde a democracia representativa e a separação dos poderes desempenham um papel primordial, nasceu de um evento político extremamente violento, tão sangrento quanto qualquer outro. Na França, durante aquele momento histórico de explosão social, nada menos que 15.000 pessoas foram decapitadas, cerca de 2.000 delas aristocratas parasitas, nobres que não trabalhavam e viviam de rendas de terras e da exploração de suas colônias ultramarinas, incluindo os maiores parasitas de todos: o rei e a rainha. A Marselhesa, o hino por excelência do novo mundo que nascia naquela época, clama descaradamente por um banho de sangue: “Marchemos, marchemos: que o sangue impuro regue nossos sulcos”.

Mudanças profundas e sustentáveis ​​na esfera sociopolítica, embora não defendam a violência irracional e cega, sempre exigem o uso da força. Isso porque aqueles que detêm o poder não o abdicam e farão tudo o que for possível — e impossível — para mantê-lo. Hoje, por exemplo, a possibilidade de uma “guerra nuclear limitada” está sendo considerada por mais de um estrategista capitalista nos Estados Unidos para manter sua hegemonia, mesmo sabendo que isso colocaria em risco toda a humanidade.

Aqueles que detêm o poder jamais o abandonam; para que isso mude, ele precisa ser conquistado à força. Sociedades de classe — aquelas que existem há 10.000 anos: despóticas-tributárias, escravistas, feudais, capitalistas — não são pacíficas. A menos que estejamos testemunhando uma clara explosão social, uma revolta popular e a consequente repressão brutal pelo Estado através de seus órgãos específicos, a menos que haja derramamento de sangue, ferimentos e morte, parece que vivemos em harmonia, em paz. Mas aí reside uma violência profunda, tremenda e monumental, ainda oculta. E o pior de tudo: ela é normalizada: a exploração da classe dominada pelos dominados. O senhor — em qualquer uma de suas formas: faraó, rei, banqueiro, mandarim, sumo sacerdote, industrial, senhor feudal, imperador, latifundiário, czar, etc. — vive parasitariamente do trabalho da grande massa subordinada — escravos, servos, assalariados, etc. Aí reside a violência de classe, aquela “guerra” mencionada por Warren Buffett.

Quando essa luta de classes constante e silenciosa — expressa, por exemplo, nos salários insuficientes pagos aos trabalhadores assalariados — levanta a voz, emerge a violência explícita. Essa mesma violência estrutural assume simultaneamente outras facetas, sempre injustas, assimétricas e opressivas: o racismo e o patriarcado, que estão intrinsecamente ligados à luta de classes. Como a sociedade está organizada de tal forma que sua estrutura e dinâmica são consideradas “normais”, subverter essa ordem pode ser retratado como violência. Pelo menos, é isso que o discurso da direita nos diz incessantemente. Mas a violência existe desde o princípio, dentro da própria estrutura. Assim, as tentativas revolucionárias são vistas como “levantes injustificados” que o poder dominante se encarrega de esmagar (repressão de revoltas de escravos, greves de trabalhadores, colônias em busca de libertação e qualquer manifestação que desafie seriamente o sistema).

Seguindo essa lógica, normalizando a exploração de classe — juntamente com o patriarcado e o racismo — a ideia de democracia representativa como o suposto ápice do desenvolvimento político das sociedades foi imposta quase globalmente desde a Revolução Francesa. Que falácia tremenda e abominável! Essa democracia é meramente uma apresentação “amigável” da subjugação de uma classe por outra, hipocritamente disfarçada de “governo do povo”. O “povo” — um conceito totalmente enganoso, porque o que realmente existe são classes sociais opostas, não um “povo” — nunca escolhe nada. Ou, na melhor das hipóteses, é obrigado a eleger seu administrador do momento, nada mais, enquanto a exploração continua.

Os presidentes funcionam como os gerentes de uma empresa, como os capatazes de uma fazenda: administram — com diferentes graus de habilidade — uma sociedade onde o poder econômico realmente reina. Vejamos alguns exemplos: na Guatemala — um país empobrecido do Sul Global, onde 60% da população historicamente viveu e continua vivendo abaixo da linha da pobreza — o que chamamos de democracia retornou em 1986. Inúmeros governantes entraram e saíram do poder desde então, “eleitos democraticamente”: Vinicio Cerezo, Jorge Serrano Elías, Álvaro Arzú, Alfonso Portillo, Oscar Berger, Álvaro Colom, Otto Pérez Molina, Jimmy Morales, Alejandro Giammattei, o atual presidente Bernardo Arévalo, além de dois que chegaram ao poder por meio de mecanismos administrativos: Ramiro de León Carpio e Alejandro Maldonado. Alguma mudança para a população? Nenhuma! A pobreza, a exclusão dos povos indígenas, o patriarcado, a corrupção e a impunidade persistem. O fato de 60% da população viver na pobreza, 50% das crianças sofrerem de desnutrição ou 18% serem analfabetas não pode ser resolvido por uma única pessoa, independentemente de suas boas intenções. São aqueles que detêm outras formas de poder, que não precisam ocupar a cadeira presidencial, que tomam as decisões.

Vejamos outro exemplo: os Estados Unidos. Consideremos os últimos presidentes dessas décadas: John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan, George Bush (pai), Bill Clinton, George Bush (filho), Barack Obama e Donald Trump.

O que mudou fundamentalmente para o cidadão americano médio (Homer Simpson), ou para nós que vivemos na América Latina, seu quintal virtual? Nada. Os Estados Unidos, independentemente de quem esteja no poder, continuam sendo uma potência voraz, belicosa e imperialista. Quem toma as decisões finais — sempre nos bastidores, sem que o público em geral saiba, muito menos possa influenciá-las — são as grandes corporações ligadas aos principais setores econômicos: o complexo militar-industrial (que inventa guerras para atender às suas necessidades), as companhias petrolíferas, os megabancos, o Vale do Silício, a indústria farmacêutica e o narcotráfico (que, na verdade, não é um negócio exclusivo dos narcotraficantes latino-americanos: quem distribui e lava o dinheiro no Norte?). Além da seriedade, do histrionismo, do talento ou da estupidez do líder atual, os verdadeiros problemas não mudam com a troca de pessoa.

A direita hegemônica, que equivale a dizer que a atual classe dominante (a burguesia: industriais, banqueiros, latifundiários), pode aceitar certas mudanças superficiais, administradores com uma consciência social mais ou menos apurada — Zohran Mamdani como prefeito de Nova York, por exemplo — desde que “não ultrapassem os limites”. Se o fizerem, se tentarem tocar nas alavancas “intocáveis” do sistema, são expulsos (ou, hoje em dia, por meio de golpes brandos: guerra jurídica, bombardeio midiático, manobras legais). Exemplos disso abundam na América Latina: Juan Domingo Perón na Argentina, João Goulart no Brasil, Juan Velasco Alvarado no Peru, Jacobo Arbenz na Guatemala, Omar Torrijos no Panamá, Salvador Allende no Chile, Jean-Bertrand Aristide no Haiti, Maurice Bishop em Granada, Manuel Zelaya em Honduras. Mais recentemente, por meio de ações “suaves”: Lula e Dilma Rousseff no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Cristina Fernández na Argentina, Rafael Correa no Equador, Pedro Castillo no Peru, Fernando Lugo no Paraguai. Portanto, está mais do que comprovado que os processos eleitorais não oferecem possibilidade de mudança real, de transformações sustentáveis ​​ao longo do tempo.

Na América Latina, desde o início do século, impulsionados em parte pelo processo bolivariano na Venezuela com a figura carismática de Hugo Chávez, testemunhamos governos progressistas, todos eles eleitos. Seguiu-se uma segunda onda de progressismo, e muitos desses governos permanecem em seus respectivos cargos presidenciais até hoje (Honduras, México, Colômbia e, de forma bastante incerta, o Chile). São de esquerda? São revolucionários? Conseguem mudanças sociais, econômicas e políticas profundas? O debate está aberto, mas tudo indica que não conseguem ultrapassar certos limites. Esses processos estão sempre sob o risco de serem interrompidos, seja pela força ou “suavemente”, o que exige que dediquem considerável energia para manter esse equilíbrio instável, impedindo-os de aprofundar as mudanças.

Agora, diante da derrota histórica das propostas de transformação revolucionária de décadas passadas e do avanço monstruoso do neoliberalismo que se seguiu a essas derrotas (“Não há alternativa”, disse Margaret Thatcher), governos timidamente progressistas surgem como passos adiante. Serão mesmo? Isso força um debate que o movimento popular deve continuar a aprofundar. O que a história nos mostra é que mudanças superficiais não garantem transformações sustentáveis. Tudo indica que a única possibilidade de mudar o curso da história reside em mobilizações populares em larga escala que ultrapassem as urnas. Governos progressistas são importantes, mas não podem permanecer meros momentos circunstanciais, sem qualquer possibilidade real de alterar fundamentalmente as coisas. Deveríamos descartá-los, então? Certamente que não; mas devemos estar cientes de suas limitações. Em todo caso, devemos usá-los para desenvolver ainda mais propostas para mudanças mais profundas.

Hoje, considerando o quão severamente o movimento popular foi atingido, a recuperação das democracias representativas — as mesmas que foram abominadas décadas atrás pelas ideologias revolucionárias de esquerda — pode até parecer um progresso. Mas vamos analisar essa situação com cuidado: trata-se de um avanço relativo, se compararmos com as ditaduras militares que devastaram a América Latina há alguns anos, assassinando e erradicando qualquer vestígio de crítica antissistêmica. Agora, em que medida esses avanços existem? Lembremos os exemplos dos Estados Unidos e da Guatemala apresentados acima. A discussão está aberta.

Vamos concluir com esta citação de Sergio Zeta, já mencionada na epígrafe: “Os povos conquistam direitos quando lutam por mais, não quando se adaptam ao que é ‘possível’”.

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