Por Pedro Augusto Pinho*
George Michael Claude André Dubai (1919-1996) historiador francês, especialista na Idade Média, conhecido como Georges Duby, escreveu:
“Nos fins do século VI, a Europa era profundamente incivilizada. A linguagem escrita caía gradualmente em desuso nas regiões onde um pouco antes fora largamente difundida. Os historiadores da economia estão sem dúvida ainda mais privados de dados do que quaisquer outros. Para eles há uma ausência quase total de dados numéricos e de informações.”
“Nesta depressão cultural tão vasta havia, no entanto, certas variações. Nos seus limites meridionais, a cristandade latina foi posta em confronto com áreas bastante mais avançadas. Nas regiões dominadas por Bizâncio e pouco depois pelo Islã, sobreviveu um sistema econômico herdado da Roma Antiga, com cidades vivendo dos produtos do campo à sua volta, uso corrente da moeda, mercadores e oficinas que produziam esplêndidos objetos.”
“Na própria Europa se confrontavam dois tipos diferentes de imaturidade cultural. Um poderá ser identificado com a esfera germano-eslava, o mundo bárbaro como os romanos lhe chamavam. Estava em crescimento constante. A outra esfera, pelo contrário, estava em decadência. O que sobrevivera da colonização romana estava a chegar à fase final de delapidação.” (Georges Duby, Guerreiros e Camponeses – os primórdios do crescimento econômico europeu, Imprensa Universitária Editorial Estampa, Lisboa, 1978 – original de 1947 “Warriors and Peasants from the Seventh to the Twelfth Century).
Os que dentre nós surgimos no período da II Grande Guerra estamos vendo, em curto tempo, a queda de um período “de anos gloriosos” (expressão de economistas franceses), o desprezo da cultura antes valorizada e o renascimento que surge no oriente (apenas coincidência?). Sempre, como em Duby, na perspectiva do orgulhoso ocidente, do mundo do Atlântico Norte e do Mediterrâneo.
Talvez o mais notável que estamos assistindo, desde os anos 1970, seja a mudança de rumos. Não devemos confundir, como os novos donos do poder desejam, que a mudança seja dos valores. Estes são os mesmos: o triunfo, o reconhecimento, a disponibilidade de bens e de pessoas. A grande alteração está nos meios.
Para um jovem, homem ou mulher, nos anos 1960, o trabalho era o meio legítimo e capaz de lhe proporcionar o sucesso. Para os jovens do século XXI é a sorte, a especulação, a ajuda de terceiros que se obtém por qualquer meio. O trabalho não é mais valorizado. Ao contrário, vemos a cada dia que menos valor se dá ao trabalho e, como corolário, ao aperfeiçoamento intelectual e à pesquisa.
O que está nos trazendo o oriente, que exemplificamos por povos e regimes políticos diferentes? O trabalho, a pesquisa, a produção que se observa na República Popular da China, na Federação Russa, na República Islâmica do Irã, identificados como inimigos, reinos do mal (sic), pelo decadente ocidente.
Nossa interpretação é que as finanças, a renda dos juros, venceu entre nós a industrialização, a renda dos lucros e dos salários ao fim do século XX. Assim, deixou de ter sentido o esforço produtivo e passou a valer o especulativo, a manipulação das informações, a concentração da moeda, mesmo sem suporte em bens reais, em produtos efetivamente existentes.
As mudanças ocorrerem nas sociedade pela ação das doutrinas, difundidas ao longo do tempo, com explicações, nem sempre adequadas, dos eventos que afligem ou são aguardados com esperança pelos cidadãos de um território. Designamos estas doutrinas como pedagogias e as distinguimos nas pedagogia libertadora e pedagogia colonial.
Pedagogia libertadora é aquela que dá condição do cidadão ter consciência de sua cidadania, de sua nacionalidade, de seus direitos e de entender que estes são conquistas que precisam ser permanentemente mantidas. É muito raro termos um país adotando a pedagogia libertadora. As elites preferem difundir pedagogias que as mantenham no poder, seja pelas farsas e falsidades históricas, seja por doutrinações que imponham medo.
O único exemplo que temos de pedagogia libertadora foi devido à capacidade dos dirigentes de entender que sem um povo consciente sua pequena e frágil sociedade seria derrubada facilmente pelo maior inimigo que era também a mais forte nação do Planeta. Cuba de Fidel só resistiu às invasões, aos embargos, ás comunicações hostis, a toda sorte de agressão dos Estados Unidos da América (EUA) porque a população da ilha teve perfeita consciência de que a submissão, a fraqueza na defesa de seu País era também a morte de sua vida e de sua alma.
No Brasil temos sido vítimas, desde meados do século XX, da pedagogia colonial neoliberal. Desde sempre, desde 1500, fomos vítimas da pedagogia colonial, mas nos deteremos nesta última.
No universo religioso, trocaram as religiões tradicionais brasileiras, este sincretismo que nos identifica e foi internalizado por amplas parcelas da população, pela teologia da prosperidade das importadas e mistificadoras igrejas neopentecostais. Na Rússia, Putin soube o risco de importar igrejas e pensamentos transcendentes e reforçou a igreja ortodoxa, os mais arraigados pensamentos religiosos russos, não dando espaço para que os neopentecostais se estabelecessem.
Outra característica desta pedagogia colonial é o individualismo exacerbado, intenso, que exclui os outros cidadãos. Nas últimas campanhas eleitorais no Brasil, ficou nítido o incentivo aos antagonismos, ao abandono da solidariedade, a divulgação que qualquer um podia tudo e que a união era um impeditivo. As políticas públicas que identificam uma nação desenvolvida, um povo consciente, foram eliminadas, criminalizadas como um ato de hostilidade e uma porta para corrupção. Ora, caros leitores, nenhum sistema pode ser mais corrupto do que aquele concentrador de toda riqueza, retirando dos trabalhadores para os rentistas os ganhos de qualquer natureza.
O resultado é um debate político onde não se insere a questão nacional, apenas a onda de ódio para os adversários, tratados como inimigos que devem ser excluídos, criminalizados.
Finalizando, o professor Paulo Márcio de Mello, no Monitor Mercantil de 09/03/2021, descreve a pesquisa e a repercussão internacional do desenvolvimento de um nanoscópio (microscópio capaz de oferecer resolução de até uma parte de um bilhão do metro) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No entanto, a UFMG, em 2017, frequentou não páginas da ciência e do sucesso brasileiro, mas páginas policiais com a condução coercitiva do reitor Jaime Ramirez, da vice-reitora Sandra Goulart Almeida e outros dirigentes pela construção do Memorial da Anistia.
E, como não bastasse, o medievalismo que assola o Brasil também lhe dá o troféu mundial da morte pela covid. E ainda há quem se negue a vacinas chinesas e russas.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.