Pepe Escobar [*]
O Relógio do Juízo Final, administrado pela revista norte-americana Bulletin of the Atomic Scientists, foi movido para 90 segundos para a meia-noite.
Isso é o mais próximo alguma vez atingido da destruição nuclear total, a catástrofe global.
O Relógio foi ajustado para 100 segundos desde 2020. O Conselho de Ciência e Segurança do Boletim e um grupo de patrocinadores – que inclui 10 ganhadores do Prêmio Nobel – focaram na “guerra da Rússia contra a Ucrânia” (terminologia deles) como o principal motivo.
No entanto, eles não se preocuparam em explicar a retórica americana ininterrupta (os EUA são a única nação que adota o “primeiro ataque” num confronto nuclear) e o fato de que esta é uma guerra por procuração dos EUA contra a Rússia com a Ucrânia sendo usada como carne de canhão.
O Boletim também atribui projetos malignos à China, Irã e Coreia do Norte, enquanto menciona, apenas de passagem, que “o último tratado remanescente de armas nucleares entre a Rússia e os Estados Unidos, o Novo START, está ameaçado”.
“A menos que as duas partes retomem as negociações e encontrem uma base para novas reduções, o tratado expirará em fevereiro de 2026.”
Tal como está, as perspectivas de uma negociação EUA-Rússia sobre o Novo START são inferiores a zero.
Agora note o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, deixando bem claro que a guerra contra a Rússia não é mais híbrida, é “quase” real.
“Quase” na verdade significa “90 segundos”.
Então, por que tudo isso está acontecendo?
A mãe de todas as falhas de inteligência
O ex-diplomata britânico Alastair Crooke explicou concisamente como a resiliência russa – muito no espírito da resiliência iraniana nas últimas quatro décadas – destruiu completamente as suposições da inteligência anglo-americana.
Trata-se da mãe de todas as falhas de Inteligência – na verdade, ainda mais surpreendente do que as armas de destruição em massa iraquianas inexistentes (na preparação para Shock and Awe em 2003, qualquer pessoa com um cérebro sabia que Bagdá havia interrompido seu programa de armas já na década de 1990.)
Agora, o Ocidente coletivo “comprometeu todo o peso de seus recursos financeiros para esmagar a Rússia (…) de todas as formas concebíveis – por meio de guerra financeira, cultural e psicológica, e com guerra militar real como consequência”.
E, no entanto, a Rússia manteve sua posição. E agora os desenvolvimentos baseados na realidade prevalecem sobre a ficção. O Sul Global “está se transformando em um modelo econômico separado, não mais dependente do dólar para suas necessidades comerciais”.
E o colapso acelerado do dólar americano mergulha cada vez mais o Império em uma verdadeira crise existencial.
Tudo isso paira sobre um cenário a lá Vietnã do Sul que se desenvolve na Ucrânia após um expurgo político e militar liderado pelo governo. O comediante da cocaína – cujo único papel é implorar sem parar por sacos de dinheiro e montes de armas – está sendo progressivamente afastado pelos americanos (cuidado com os diretores da CIA que viajam).
O jogo em Kiev, segundo fontes russas, parece ser que os americanos estão delegando os britânicos como controladores de toda a operação.
O comediante da cocaína permanece – por enquanto – como um fantoche de trapos, enquanto o controle militar sobre o que resta da Ucrânia é inteiramente da OTAN.
Bem, já era – mas agora, formalmente, a Ucrânia é o primeiro membro de fato da OTAN do mundo sem ser um membro real, desfrutando de soberania nacional inferior a zero e completo com tropas de assalto nazistas da OTAN armadas com tanques americanos e alemães em nome de “democracia”.
A reunião da semana passada do Grupo de Contato de Defesa da Ucrânia – totalmente controlado pelos EUA – na base da Força Aérea dos EUA em Ramstein solidificou uma espécie de remix espalhafatoso da Operação Barbarosa.
Lá vamos nós de novo, com os Panzers alemães enviados à Ucrânia para lutar contra a Rússia.
No entanto, a coalizão de tanques parece ter afundado antes mesmo de começar. Alemanha enviará 14, Portugal 2, Bélgica 0 (desculpe, não os tenho). Depois, há a Lituânia, cujo Ministro da Defesa observou: “Sim, não temos tanques, mas temos uma opinião sobre tanques”.
Ninguém jamais acusou a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, de ser mais brilhante que uma lâmpada. Ela finalmente entregou o jogo, no Conselho da Europa em Estrasburgo:
“A parte crucial é que façamos isso juntos e não façamos o jogo da culpa na Europa porque estamos travando uma guerra contra a Rússia.”
Então Baerbock concorda com Lavrov. Só não pergunte a ela o que significa Relógio do Juízo Final. Ou o que aconteceu depois que a Operação Barbarosa falhou.
O “jardim” OTAN-UE
A combinação UE-OTAN leva as coisas a um nível totalmente novo. A UE foi essencialmente reduzida ao status de braço de relações públicas da OTAN.
Está tudo escrito na sua declaração conjunta de 10 de janeiro.
A missão conjunta OTAN-UE consiste em utilizar todos os meios econômicos, políticos e militares para que a “selva” se comporte sempre de acordo com a “ordem internacional baseada em regras” e aceite ser saqueada ad infinitum pelo “jardim florido”.
Olhando para o quadro geral, absolutamente nada mudou no aparato militar/de inteligência dos EUA desde o 11 de setembro 2001: é uma coisa bipartidária e significa domínio de espectro total dos EUA e da OTAN. Nenhuma discordância é permitida. E nada de pensar fora da caixa.
O plano A é subdividido em duas seções.
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Intervenção militar em uma concha oca de estado falido (ver Afeganistão e Ucrânia).
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Derrota militar inevitável e humilhante (ver Afeganistão e logo Ucrânia). As variações incluem a construção de um terreno baldio e chamá-lo de “paz” (Líbia) e uma guerra por procuração estendida que leva a uma futura expulsão humilhante (Síria).