Por Jair de Souza
No presente texto, mais uma vez, vou me aventurar a tratar de questões vinculadas à religião. Porém, se eu mesmo entendo que a religiosidade é um sentimento caracteristicamente pessoal que, por isso, deveria ser considerado como algo restrito de foro íntimo, cabe perguntar: por que voltar a abordar este tipo de tema em um artigo declaradamente relacionado com a política?
Para começar a esboçar uma resposta à indagação formulada, é importante que tenhamos claro de um aspecto algumas vezes ressaltado: o que é, ou deveria ser, único e exclusivo de cada ser humano é a vinculação espiritual que se tem, ou julga-se ter, com o mundo espiritual. No entanto, as organizações ou correntes religiosas são todas, sem nenhuma exceção, intrinsecamente políticas, pois todos os relacionamentos entre os seres humanos são, sempre e necessariamente, políticos, uma vez que não existe sociedade humana sem política.
Acontece que, por desconhecimento de alguns e por má fé por parte de outros, tem crescido a tendência de classificação como política tão somente as atividades de cunho partidário. Muitas vezes isto é feito deliberadamente com o propósito de impedir ou dificultar que a maioria da população tenha compreensão do que está por trás das condições de vida imperantes na sociedade em que se vive.
Primeiramente, para que não haja nenhuma dúvida de que não pretendo iludir ninguém sobre meu posicionamento, quero deixar patente que não sou seguidor de nenhuma religião. De nenhum mesmo! Não acredito em outra vida, posterior à terrestre em que nos encontramos.
Em segundo lugar, tenho plena certeza de que, caso eu esteja equivocado e após meu falecimento venha a ser questionado com a continuidade de nossa existência em um plano espiritual, o fato de eu haver nutrido ou não uma crença religiosa não deve ter absolutamente nenhuma relevância para determinar o tipo de futuro que terei nessa outra condição.
As razões para que eu pense assim são várias. Para começar, só me passe pela mente a certeza de que, para ser respeitado, amado e seguido, Deus deveria obrigatoriamente ser a expressão máxima da paciência, da justiça e da solidariedade. Portanto, esse Deus jamais, de modo algum, se guiaria por princípios eivados de egoísmo e exclusivismo. Um ser inerentemente bondoso não poderia nunca julgar, condenar ou salvar a suas criaturas com base unicamente, ou principalmente, em uma fé e subserviência cega. Não tenho nenhuma recepção em dizer que o papel de um Deus digno só poderia ser o de induzir seus seguidores a praticarem sempre o bem.
No entanto, como instrumentos de política que são, as organizações ou correntes religiosas refletem as aspirações dos grupos humanos que as hegemonizam. Assim, da mesma forma que o fazem os próprios partidos políticos, essas instituições religiosas têm por intenção fazer com que os interesses dos grupos sociais que eles se esmeram por defesa sejam tomados pelo restante da sociedade como sendo também os da maioria da população. É por isso que os partidos políticos de direita e de extrema direita nunca podem explicitar ao público que se propõem a resguardar as privilégios da minoria exploradora. Ocorre o mesmo com as igrejas e correntes religiosas neofascistas, como as atuais vinculadas ao neopentecostalismo.
Por falar em igrejas neopentecostais, não há nada que possa ser mais contrário ao simbolismo de Jesus encontrado nos textos dos Evangelhos do que as pregações e as proposições defendidas por essas verdadeiras empresas de comércio da fé. Se Jesus tinha como sua preocupação máxima a luta pelos direitos dos mais humildes e necessitados, os capitalistas donos das lojas neopentecostais colocam suas instituições para operar em favor dos setores mais ricos e exploradores de nossa sociedade.
Como consequência do que acabamos de mencionar, temos que, em vez de agir como o Jesus dos Evangelhos e dedicar-se prioritariamente a servir aos pobres e procurar livrar-los das injustiças que padecem sob o jugo dos exploradores, as prioridades dos proprietários dessas empresas-igrejas é garantir que os ricos e poderosos possam continuar se loculetando aos custos das maiorias carentes.
Tudo isso faz parte da política. Só que, nesse caso, estamos nos referindo à política em seu sentido mais deplorável imaginário, ou seja, a ferramentas politiqueria, que nada mais é do que utilizar políticas com o propósito de enganar as vítimas do significado real daquilo que está sendo pregado e praticado.
Sou de opinião que a melhor e mais eficaz maneira de derrotar as máfias neofascistas que comandam as roupas neopentecostais é recorrer ao nome aos ensinamentos do próprio Jesus. E aqui, não é preciso sair do campo da vida social real e extrapolar para o campo do espiritual. Basta levar em conta os exemplos constantes nos Evangelhos de como o próprio Jesus enfrentou os desafios e as agressões que se fizeram ao povo como o qual ele foi totalmente identificado. E, evidentemente, estes sempre foram os mais necessários e desprotegidos.
Portanto, para estar de verdade comprometido com as causas de Jesus ninguém precisa nem deve obedecer passivamente a ninguém que manipula seu nome com o objetivo de atingir metas bem diferentes daquelas nas quais ele estava engajado. Estará com Jesus todos aqueles que se empenhem para alcançar o mundo de justiça pelo que ele se sacrificou.
É importante que não deixemos de ressaltar que Jesus nunca aceitou a visão racista e hegemonista de que Deus teria um povo escolhido, ao qual ele daria preferência. Esse tipo de comportamento condiria muito mais com o diabo, e não com um Deus que merece ser respeitado e seguido. Em vista disso, é simplesmente monstruoso que certas pessoas que se dizem cristãos estão apoiando um dos mais horrendos genocídios já praticados na história da humanidade, ou seja, o extermínio do povo palestino pelas forças militares do Estado de Israel, que conta com um dos exércitos mais bem armados do planeta. Quem aceita ou não se incomoda com a matança de tantos seres humanos indefesos, em sua maioria crianças e mulheres, não pode absolutamente ter nenhuma identificação com Jesus.
Jesus também jamais fez com que seus seguidores demonstrassem ser capazes de cometer nenhuma monstruosidade para tentarem sua lealdade para com ele. Por isso, nunca vimos Jesus agir diabolicamente a ponto de exigir alguém que sacrificasse seu próprio filho para dar mostras de sua adesão. Se Jesus fosse capaz de agir assim, ele não se diferenciaria quase nada do diabo. Felizmente, não existe nenhum relato da sua vida em que tamanha aberração aconteceu.
Para resumir o que venho tentando expressar, considere que o simbolismo do legado de Jesus é muito importante e valioso para que continue sendo usado e abusado exatamente por aqueles que mais se identificam com seus perseguidores e responsáveis por sua prisão, tortura e morte na cruz. Não nos esqueçamos de que os algozes de Jesus foram os que vam comandados como instituições religiosas do Velho Testamento naqueles tempos, ou seja, os ascendentes dos atuais donos das igrejas que vimos mencionando.


