Por Stella Calloni (*) Buenos Aires (Prensa Latina) Ao relembrar o dia 24 de março de 1976, quando se instalou na Argentina a ditadura mais sangrenta da história, e revisar documentos aparece o caso do estudante venezuelano Jaime José Colmenares Berrios, um repórter fotográfico sequestrado e desaparecido aqui.
Como parte do acompanhamento das histórias de vítimas da ditadura e da Operação Condor,surgiu uma carta em um fichário com cópias de documentos, enviada pelo Ministério das Relações Exteriores da Venezuela em 1977 ao Dr. Pedro Rincón Gutiérrez, reitor da Universidad de Los Andes em Mérida.
A carta solicitava informações sobre o estudante venezuelano Jaime José Colmenares Berrios, que estudava há algum tempo em Buenos Aires e sobre o qual não havia contato.
Rincón Gutiérrez e ‘distintas personalidades de Mérida’ pediram ao então Ministro das Relações Exteriores, Simón Alberto Consalvi, informações sobre o estudante e em resposta este escreveu:
‘Lamento informar que a pedido deste Itamaraty, feita a cabo, a embaixada da Venezuela na Argentina informou que Jaime José Colmenares Berrios morreu em confronto com as forças policiais da República Argentina, simultaneamente com sua esposa, Cristina Bettanin’.
Consalvi também destacou que ‘a nossa embaixada em sua informação informa que o senhor Jaime José Colmenares Berrios foi acusado de pertencer ao ‘grupo extremista’ dos Montoneros”. O confronto armado a que se refere a missão diplomática teria ocorrido no último 2 Janeiro em Buenos Aires ‘.
Por último, a referida comunicação indicava que, à data da referida informação, ‘não era possível fazer qualquer certificação absoluta sobre a matéria’.
E acrescentou que ‘o resultado dos esforços posteriores da embaixada venezuelana na Argentina, em cumprimento às instruções deste Itamaraty, não lograram até agora no sentido de obter um atestado oficial sobre o falecimento (de Colmenares Berrios)’.
VÍTIMAS DA DITADURA ARGENTINA
Em investigação realizada pelo escritor Roberto Baschetti sobre a lista dos ‘Militantes do Movimento Revolucionário Peronista: um a um’ vítimas da ditadura, ele lembra que Colmenares Berrios nasceu em Mérida, Venezuela, em 17 de outubro de 1949, aos 14 anos começou a estudar arte em seu país e devido aos seus méritos como artista recebeu uma bolsa para estudar fotografia na Argentina.
‘Ele chegou a Buenos Aires em fevereiro de 1969 e logo depois conheceu Cristina Bettanin. Eles se apaixonaram. Casaram-se em 1971 e começou a trabalhar como fotojornalista em vários meios de comunicação. Era empreendedor, alegre, amigável, falante, um excelente bebedor de mate , algo robusto, grandão.
‘Em 1973 conseguiu trabalhar -sempre na fotografia-, em vários meios de comunicação e no jornal Montoneros: ‘Noticias’. Lá assumiu como seus os princípios daquela organização revolucionária peronista. Mais tarde também colaborou no ‘Evita Montonera’.
Relata-se que era muito querido por seus companheiros e ‘foi sequestrado em Rosário (Bairro Gráfico) em 2 de janeiro de 1977, sendo atendido no Serviço de Informação da Delegacia de Polícia de Rosário e posteriormente na Escola de Mecânica da Marinha (ESMA) até março de 1977 ; acredita-se que ele pode ter sido transferido para Rosário novamente no final de 1978.
‘Então seu rastro se perdeu. De acordo com fontes confiáveis, ele morreu torturado devido a um ‘erro’: em vez de borrifá-lo com água para continuar com a sessão de picada, jogaram álcool nele.’
Quando o ditador Jorge Videla chegou à Colômbia em visita oficial em outubro de 1977, deve ter encontrado, para sua consternação, numerosas manifestações estudantis pedindo que Colmenares Berrios aparecesse vivo e uma solicitação à página inteira, pelo mesmo motivo, no mídia gráfica mais importante daquele país, diz Baschetti.
Em outro relato sobre o caso, seguindo a trajetória de Colmenares Berrios, sabe-se que junto com Cristina Bettanin moraram na Venezuela e depois se mudaram para a Argentina, onde trabalharam como fotojornalistas.
Cristina trabalhou nos jornais ‘Ya’ e ‘El descamisado’, bem como ‘Noticias’ e ‘El Diario’. ‘Moravam em Rosário e a imprensa da revista ‘Evita Montonera’ ficava em sua casa.
AS INVESTIGAÇÕES
No dia 2 de janeiro de 1977, à tarde, ’20 homens em trajes militares e fortemente armados invadiram a casa da família Bettanin, localizada na rua 2, número 626, no bairro gráfico de Rosário. Mandaram a família Bettanin, que estava festejando o ano novo, sair.
‘Na saída, assassinaram Leonardo Bettanin, irmão de Cristina, esposa de Colmenares Berrios, e também esta jovem, embora alguns afirmem que ela teria tomado um comprimido de cianeto. Os militares levaram Jaime e por outro lado, a Olga Ferraro – mãe de Cristina e Leonardo – e a María Inés Luchetti, que estava grávida.
‘As duas mulheres foram libertadas depois de estarem desaparecidas por 10 meses. Em maio de 1976, o irmão de Cristina, Guillermo Bettanin, e sua esposa Letizia Jones foram sequestrados e desapareceram.’
Colmenares Berrios foi levado primeiro ao Serviço de Informação da Delegacia de Polícia de Rosário, onde funcionava um centro de detenção clandestino, e depois foi atendido na Escola de Mecânica da Marinha (ESMA) de Buenos Aires, o maior Centro Clandestino da época.
Como então, nos jornais da época foi citado como morto no confronto de 2 de janeiro de 1977, mas na realidade é evidente que se foi transferido para a ESMA – onde desapareceram cerca de cinco mil pessoas – é porque ele poderia ser considerado alguém de quem extrair informações no âmbito da Operação Condor, ou seja, seriam informações cruzadas com a polícia de seu país.
Jaime José Colmenares Berrios figura na lista de 172 jornalistas desaparecidos durante a última ditadura militar, publicada pelo Sindicato da Imprensa de Buenos Aires (Sipreba) em maio de 2019 em homenagem a todos eles, reclamando suas vidas generosas.
Esta trágica história indica que seria importante entrar em alguns arquivos da Venezuela sobre esse período histórico, já que, como se sabe, um dos mais cruéis criminosos dos grupos terroristas cubano-americanos de Miami, que semearam o terror em Cuba e em outros países da América Latina, Luis Posada Carriles, foi infiltrado na polícia política venezuelana (Disip) como ‘Comisario Basilio’.
Posadas Carriles morreu impunemente protegido pelos Estados Unidos em maio de 2018, em Miami. Na Venezuela, planejou o ataque a uma aeronave Cubana de Aviación em 6 de outubro de 1976, que resultou em 73 vítimas, entre eles jovens atletas cubanos e outros passageiros de diversos países. Isso mostra que ainda há muitos rastros a seguir.
Outros venezuelanos que podem ter estado na Argentina, estudando ou trabalhando naquele período e que perderam a comunicação com suas famílias, poderiam ter enfrentado o mesmo destino de Colmenares.
No arquivo da Operação Condor há referências a pedidos de informações das ditaduras do Cone Sul – integrantes desse coordenador da morte – ao Disip. Mas agora é a hora de homenagear um grande fotojornalista, sequestrado e desaparecido durante a mais sangrenta ditadura da Argentina.
arb / sc / hb
(*) Prestigiada escritora, jornalista e analista internacional argentino. Prêmio Latino-americano de Jornalismo ‘José Martí’ (1986).