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quinta-feira, 25 abril, 2024

Quem derrubou Dilma Rousseff?

Quem derrubou Dilma? (Uma crítica à teoria da “frente neodesenvolvimentista”)[
Igor Fuser
   Essa é uma pergunta crucial para as definições políticas de quem articula a resistência ao terrível retrocesso – político, econômico, social e cultural – que estamos vivendo no Brasil a partir da deposição da presidenta Dilma, em abril/agosto de 2016, e da instalação de um governo ilegítimo empenhado em aplicar a agenda neoliberal em ritmo acelerado e em uma versão extrema.
   Os protagonistas ostensivos do golpe estão aí, visíveis aos olhos de todos: a direita institucional liderada pelo PSDB, o alto escalão do Judiciário e do Ministério Público, os magnatas da mídia, a Fiesp e as lideranças empresariais em geral, os grupelhos fascistoides que ingressaram na cena política com os protestos de 2013.
    Para a intelectualidade progressista, e para as forças sociais e correntes políticas do campo democrático-popular, coloca-se o desafio de compreender o significado do golpe de 2016 e o papel dos diferentes atores envolvidos, assim como o contexto político, econômico e social em que se deu a ascensão e a queda dos governos liderados pelo PT entre 2003 e 2016.
Neste texto procuro contribuir para esse debate a partir de uma crítica preliminar, respeitosa e fraternal, a certa vertente de interpretação. Trata-se de um ponto de vista que tem como centro o conceito de “burguesia interna” e a tese de que os governos Lula e Dilma seria a expressão política de uma “frente neodesenvolvimentista”, liderada por essa suposta fração de classe em aliança com setores da classe trabalhadora. A derrubada do governo teria sido, segundo essa visão, produto de uma ofensiva política de uma fração burguesa oposta a essa, a “burguesia associada”, aproveitando-se de um contexto de crise da “frente neodesenvolvimentista” impulsionada, sobretudo, pelas dificuldades econômicas que se intensificaram a partir de 2012/2013.
   Não é minha intenção aqui desenvolver uma crítica de caráter acadêmico à teoria da “frente neodesenvolvimentista”, e sim a de contribuir para o debate político no campo da esquerda.
1.Quem deu o golpe de estado em 2016 foi a burguesia, e não uma fração específica dessa classe social. Não foi simplesmente a “burguesia associada”( ao imperialismo)  e sim a burguesia em bloco, como classe unida por interesses comuns que transcendem os interesses específicos de frações, grupos, setores, empresas e indivíduos.
    A burguesia brasileira agiu às claras, sem disfarces, a uma só voz, como raras vezes se viu em nossa história. O pato da Fiesp, marca visual mais ostensiva da campanha golpista, não saiu às ruas como um símbolo da “burguesia associada”, e sim como expressão daquela entidade empresarial que, mais do que qualquer outro ator político, pode ser considerada uma referência do que tem sido chamado, por alguns teóricos, de “burguesia interna”.
   Ou será que alguém é capaz de citar um único segmento da burguesia brasileira que tenha tomado partido em defesa da Dilma diante da ofensiva golpista?  É claro, existe uma exceção a ser levada em conta – o setor constituído pelas empresas gigantes de construção pesada, engenharia e infraestrutura, apresentadas pelo campo golpista como “aliadas” dos antigos governantes e, supostamente por isso, “punidas” de forma draconiana pela direita neoliberal e seus carrascos de toga ou uniforme da PF.
    Pergunta: esses empresários e executivos estão sendo punidos pela sua ligação com os projetos desenvolvimentistas do período 2003-2016 ou pelo simples fato de que a sua prisão e condenação, frequentemente acompanhada por cenas midiáticas espetaculares, contribui para legitimar aos olhos da “opinião pública” a criminalização do PT e, indiretamente, da esquerda em geral? Uma coisa é certa: entre os objetivos da Lava-Jato se inclui a destruição das grandes empreiteiras brasileiras voltadas para a execução de obras públicas no Brasil e no exterior, em benefício direto de suas concorrentes estrangeiras.
       À parte as empresas de engenharia pesada, o que se viu na mobilização golpista foi um verdadeiro quem-é-quem da burguesia brasileira, pequena, média e grande. Lá estavam presentes, de mãos dadas com os fascistas e com os políticos picaretas, os banqueiros, os barões do agronegócio, os magnatas da mídia, os chefes do que ainda resta da indústria brasileira. Na expressão que virou modinha entre os jornalistas, era o “PIB” brasileiro quem estava à frente da mobilização golpista, sem qualquer sinal de conflito interno.
    Não entendo de onde vem a ideia de que a “burguesia associada” teria conseguido “arrastar” a “burguesia interna” para a aventura golpista, já que em momento algum da campanha antidilmista se verifica um protagonismo específico de empresários mais nitidamente ligados ao capital externo. Inexiste, que eu saiba, qualquer elemento concreto capaz de demonstrar que a menor ou maior proximidade com interesses estrangeiros tenha sido um fator relevante na tomada de posição dos empresários brasileiros naquele contexto.
   Um relato jornalístico ilustra maravilhosamente bem o que estou tentando demonstrar aqui. A reportagem, de autoria de Aline Maciel, da Agência Pública, se intitula “Como as federações empresariais se articularam pelo impeachment”, foi publicada em 25 de agosto de 2016 e está disponível no seguinte link:
http://apublica.org/2016/08/como-as-federacoes-empresariais-se-articularam-pelo-impeachment/
   Fica claro, nessa investigação jornalística, o intenso envolvimento da burguesia industrial brasileira na pressão sobre os congressistas em Brasília para votarem pelo impeachment de Dilma. Essa foi a posição defendida, oficialmente, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e por cinco das dez federações estaduais consultadas pela repórter, representando os industriais de São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Goiás. Nada indica que a posição efetiva das entidades oficialmente neutras fosse diferente dessa. No Espírito Santo, por exemplo, a entidade representativa da indústria não tomou posição, mas seu presidente apoiou abertamente o impeachment. A Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe) informou que “a grande maioria dos sindicatos presentes na casa apoiou o movimento”, embora a entidade não tenha tomado posição oficial sobre o assunto.
    Várias dessas organizações empresariais organizaram caravanas a Brasília e promoveram jantares com deputados às vésperas da votação de 17 de abril de 2016, num esforço para conquistar adesões ao golpe. Além das articulações por estado, o empresariado atuou também no plano setorial. Por exemplo: quatro dias antes da sessão na Câmara dos Deputados, uma delegação de 150 representantes dos empresários do transporte rodoviário de cargas desembarcou em Brasília para pressionar os parlamentares a votar pelo impeachment.
   No caso da Fiesp, a gestão liderada por Paulo Skaf assumiu papel de vanguarda na mobilização golpista. Montou uma infraestrutura em frente à sua sede na Avenida Paulista para apoiar os manifestantes anti-Dilma e publicou um anúncio de 14 páginas nos principais jornais do país defendendo o “impeachment já”. A Fiesp também organizou uma campanha, com a participação de centenas de entidades empresariais, em 21 Estados, na qual se divulgaram a foto, o telefone e a página no facebook dos parlamentares para pressioná-los a votar pelo impeachment. Várias teorias podem ser elaboradas para explicar quais motivos levaram a Fiesp – que, ao menos formalmente, tinha expressado em outras ocasiões apoio a gestões presidenciais petistas – a se aliar à direita política na articulação golpista. O que está acima de controvérsia é o fato de que essa posição correspondeu, fielmente, ao pensamento das bases empresariais da entidade paulista, conforme a manifestação de mais de 300 dirigentes de sindicatos patronais reunidos por Skaf na sede da Fiesp.
   A reportagem da Agência Pública oferece outras informações interessantes sobre a posição política da burguesia brasileira. Com base em dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), apresenta-se o perfil da bancada parlamentar empresarial – a maior de todas, reunindo 251 deputados e 30 senadores. Nesse coletivo, digamos assim, os partidos com maior presença são justamente os dois mais importantes na aprovação do impeachment: PSDB e PMDB. Ou seja: os representantes “orgânicos” do empresariado, reunidos em bancada no Congresso, estavam com o golpismo.
  1. A teoria com a qual estou polemizando aqui sustenta que os governos liderados pelo PT eram expressão de uma “frente neodesenvolvimentista” liderada pela “grande burguesia interna”. Isso significa, segundo essa teoria, não apenas que o governo federal teria o apoio de uma parcela decisiva do grande capital, mas também que o próprio governo – em si mesmo – seria expressão política dessa suposta fração de classe, apresentada como a verdadeira força social situada por trás da cúpula moderada do PT e como o segmento econômico-social cujos interesses estariam representados pelo governo sob o comando desse partido.
    Aqui é preciso responder algumas perguntas. Se é verdade que o PT foi “capturado” pela “burguesia interna” para se tornar o instrumento político dessa fração da burguesia (em prejuízo da massa trabalhadora) no embate contra a fração rival (a “burguesia associada”), se é verdade que o PT era ou é o verdadeiro representante político da “grande burguesia interna”, por que raios essa mesma força social declarou guerra ao PT e se juntou aos neoliberais no esforço de destruir essa legenda e mandar para a cadeia os seus principais dirigentes?
   Por que a “burguesia interna” teria se insurgido (ou, vá lá, “aderido” a uma insurreição neoliberal) contra um governo que, bem ou mal, apesar dos seus problemas e limitações, seria a mais pura expressão política dos seus interesses econômicos? Como é possível apoiar os governantes e ao mesmo tempo promover o seu linchamento político?
  1. O fato é que, se algum dia existiu algo que alguém chamou de “frente neodesenvolvimentista”, essa coisa já não existia mais no dia seguinte ao da vitória eleitoral de Dilma Rousseff em outubro de 2014. No meio do caminho havia uma pedra, escreveu o poeta. Havia uma crise, sabemos todos. É preciso entender a relação entre a crise econômica e o colapso da aliança política que sustentava o governo.
    Em texto publicado no Brasil de Fato, Armando Boito apresenta uma explicação que vou tentar apresentar a seguir, de forma simplificada. Aproximadamente até 2012, a “burguesia interna” estaria se submetendo a deixar em segundo plano certas demandas relacionadas com a luta de classes (o rebaixamento dos salários e dos direitos da classe trabalhadora, entre outras) como uma espécie de pedágio a ser pago para receber o pleno apoio governamental na conquista efetiva de outras demandas – subsídios, acesso a contratos, proteção contra concorrência externa e o aumento geral dos lucros graças ao crescimento expressivo da economia. Essas seriam justamente as demandas que, de acordo com a teoria da “frente neodesenvolvimentista”, colocam em conflito os interesses entre as duas frações principais da burguesia no Brasil: a “interna” e a “associada” (ao imperialismo).
     Com a crise, prossegue o argumento, o cenário mudou. Os lucros da “burguesia interna” minguaram a tal ponto e a situação econômica se tornou tão incerta que já não valeria a pena o “sacrifício” de abrir mão das atraentes propostas de arrocho à classe trabalhadora defendidas pela direita neoliberal em troca de ganhos que, de resto, já estavam virando fumaça. Foi aí que “setores” da “burguesia interna” se teriam deixado seduzir pelo canto de sereia do empresariado pró-imperialista e se lançado no penhasco do golpismo. Nesse ponto, os representados (burgueses internos) teriam deixado de se “reconhecer” nos seus representantes (PT & Dilma), jogando-os então no fogo do Inferno para em seguida desfrutarem da imensa orgia capitalista que tem sido o desmonte dos direitos sociais.
    Essa explicação, embora engenhosa, tem como alicerce uma estrutura teórica binária, que explica o comportamento político das classes dominantes no Brasil a partir de um esquema simples com base na suposta divisão do grande capital em dois campos separados: a burguesia “interna” (interessada na proteção do Estado para enfrentar os avanços do capital externo) e a burguesia “associada” (com interesses complementares ou coincidentes com o do imperialismo). Essa interpretação tem a vantagem do didatismo, mas se mostra incapaz de dar conta de uma sociedade complexa como a nossa.
   Historicamente, a ideia de que existe no país uma burguesia com raízes locais, foco no mercado doméstico e interesse objetivo no desenvolvimento econômico nacional é bastante antiga. Remonta à primeira metade do século 20, quando o Partido Comunista, fiel às orientações de Moscou difundidas pela Terceira Internacional, passou a defender a aliança do proletariado com a “burguesia nacional” para levar adiante a luta anti-imperialista e as “tarefas democráticas” da revolução, como a reforma agrária. No Brasil e em toda a América Latina, a “burguesia nacional” se recusou a cumprir o papel a ela destinado no script stalinista, preferindo, na hora H, aconchegar-se aos setores mais conservadores das classes dominantes (o latifúndio, a elite financeira e a burguesia “compradora”) e apoiar as preferências do imperialismo estadunidense, em prejuízo da classe trabalhadora, do povo em geral e de qualquer perspectiva de desenvolvimento autônomo dos nossos países.
    Foi assim no Brasil por ocasião da derrubada e suicídio de Getúlio Vargas. Foi assim – com mais nitidez ainda – no golpe de 1964, no apoio ao regime militar durante um longo e doloroso período e, mais tarde, na aplicação da primeira fase do projeto neoliberal, sob Collor e FHC. Uma legião de pensadores de esquerda, da qual o mais destacado talvez tenha sido o saudoso Florestan Fernandes, desconstruiu essas teorias de aliança de classe, demonstrando a inexistência de uma “burguesia nacional” com vocação anti-imperialista em um país com a nossa estrutura econômico-social e o legado, tão presente, do nosso passado colonial e escravocrata. Apesar dos ensinamentos do mestre Florestan, é inegável a surpresa de muitos ao ver o conjunto da burguesia se comportar, em 2015/2016 (para não retroceder mais no calendário), exatamente como os integrantes dessa mesma classe nas conjunturas críticas que acabo de mencionar.
    Hoje os teóricos da “frente desenvolvimentista” não falam mais em burguesia “nacional” e sim em burguesia “interna”, o que é apresentado como algo bem diferente. Reconhece-se que as contradições dessa suposta fração de classe com o imperialismo não teriam um caráter antagônico, mas sim que envolvem algo bem mais complexo e ambíguo, mesclando cooperação e conflito. Do mesmo modo se faz questão de explicitar que “frente” é algo bem mais fluido do que uma aliança, e que a convergência de interesses entre os trabalhadores e essa fração burguesa é algo limitado e temporário.
    O fato é que a realidade social e econômica do Brasil se transformou imensamente nas últimas décadas, em especial depois da “redemocratização” da década de 1980 e do neoliberalismo nos anos 1990. A burguesia industrial brasileira, que conquistou lugar de destaque no bloco no poder durante o período varguista e se manteve firme no topo até o final da ditadura militar, vem sendo desmantelada, sistematicamente, em um processo que combina a reprimarização da economia com a financeirização e a desnacionalização de empresas em todos os setores econômicos, da indústria às telecomunicações, do agronegócio aos serviços, da mineração às grandes redes do comércio.
   Nesse contexto de grandes transformações, a dicotomia “burguesia interna” versus “burguesia associada” simplesmente não dá conta de explicar a dinâmica da disputa política entre os diferentes grupos, segmentos e frações das classes dominantes. A própria categoria “burguesia interna” demandaria maior discussão. Trata-se de um conceito formulado por Nicos Poulantzas no final dos anos 1970, quando a globalização neoliberal ainda engatinhava, e no contexto de países europeus semi-periféricos (Grécia, Espanha e Portugal) que jamais foram colônias e formaram suas estruturas sociais a partir da desagregação do feudalismo.
    Poulantzas desenvolveu suas teorias em uma realidade bem diferente do mundo atual, até mesmo na Europa, e, sobretudo, bem distinta da nossa realidade latino-americana, onde os estados nacionais se construíram com base na “conquista” europeia, no genocídio dos povos originários, na economia colonial servil e escravocrata, no domínio da oligarquia branca, no apartheid social, na exclusão racial, na submissão voluntária das elites ao imperialismo e na inserção periférica no sistema capitalista internacional.  No atual estágio da desnacionalização da economia brasileira, é difícil imaginar algum setor relevante do empresariado capaz de estruturar sua presença na cena pública a partir do eixo de conflito “nação” versus “capital externo”.
   E quem é, afinal, essa tão falada “burguesia interna”? Cadê o nome e o sobrenome desses empresários, que não sejam os Odebrecht, os Andrades? Os grandes oligopólios de capital brasileiro (Gerdau, JBS Friboi, Ambev, Votorantim) devem ser classificados como burguesia “interna” ou “associada”? E os grandes bancos brasileiros, Bradesco e Itaú, onde eles se encaixam?
    E o grande agronegócio, pode-se imaginar uma linha divisória separando um setor “interno” e outro “associado” quando se constata que o conjunto do setor ruralista está agregado às mesmas cadeias produtivas e de fornecimento de insumos (máquinas, sementes, adubos, agrotóxicos) dominadas pelas transnacionais? E no setor elétrico, alguém pode me informar se existe alguma contradição relevante entre o capital nacional e o capital estrangeiro? Até aonde eu sei, empresários brasileiros e estrangeiros do setor elétrico se unem para saquear o Estado e espoliar os consumidores, obtendo o controle das hidrelétricas com investimentos mínimos e cobrando tarifas que estão entre as mais altas do mundo.
   E os empresários do ensino privado? Estaria esse pedaço da “burguesia interna” se unindo para barrar a invasão dos conglomerados transnacionais da educação ou, ao contrário, está se preparando para vender ou associar seus estabelecimentos aos alienígenas? Sem ser especialista no setor, eu cravaria a segunda opção. Os donos dos planos de saúde, por acaso estão instalando peças de artilharia nas praias para impedir o desembarque da concorrência externa?
   A propósito, reproduzo aqui um trecho da entrevista que o economista Artur Cardoso, doutor pela Unicamp, concedeu ao portal IHU On Line com base na sua interessante tese intitulada “Burguesia brasileira nos anos 2000 – Um estudo de grupos industriais brasileiros selecionados”. Em certa altura, ele afirma:
   “Parece ter ocorrdo uma opção clara da burguesia brasileira, de uma parte importante e majoritária, pela integração à nova ordem global (…). O que ocorreu, de forma titubeante nos anos 1980 e de forma mais decidida a partir dos anos 1990, foi: ‘vamos nos integrar’, ‘vamos modernizar o nosso consumo’, ‘vamos participar da grande finança global’. Essa lógica parece contagiar não apenas os banqueiros, mas o grande capital como um todo. Deve ter havido exceções, mas não houve conflito intraburguês a ponto de questionar a opção. Como resultado dessa opção, a prioridade da economia é a estabilidade da moeda, pagamentos de juros, privatização e aprofundamento de uma inserção reprimarizada na ordem global.”
   Em resumo, penso que é muito difícil construir uma política com base na ideia da “frente neodesenvolvimentista” quando o principal alicerce dessa coligação imaginária é um bando de empresários que já desistiram há muito tempo de qualquer projeto de desenvolvimento capitalista autônomo, comportam-se como indivíduos na selva do mercado e já se resignaram ao papel de fornecedores de matérias-primas agrícolas, minerais e de serviços energéticos para as empresas dos países capitalistas centrais. A subordinação da burguesia brasileira ao capitalismo global é (ou sempre foi) uma condição estrutural, que define a sua conduta política além das flutuações da conjuntura.
   No mundo real, estamos lidando com uma burguesia extrativista, periférica, subalterna, que importa uma parcela cada vez maior dos componentes que utiliza e sonha, no máximo, em conseguir um lugarzinho na rabeira de alguma cadeia produtiva global. Essa burguesia, muitas vezes, obtém uma parcela maior dos seus lucros a partir das receitas financeiras do que do faturamento com a produção — e, em geral, não pensa duas vezes antes de vender a própria empresa ao capital estrangeiro para aplicar o dinheiro em imóveis e investimentos financeiros, a maior parte no exterior. Nos casos mais bem-sucedidos (do ponto de vista dos negócios), as grandes companhias de raízes nacionais se comportam como verdadeiras empresas globais, movendo capitais e instalando filiais pelo mundo afora, se associando e dissociando de parceiros externos com tal desenvoltura que torna difícil chamá-las ainda de empresas brasileiras.
    Nesse cenário, o da burguesia realmente existente numa economia desnacionalizada, financeirizada e em processo acelerado de reprimarização, faz algum sentido imaginar a dinâmica da política como um contexto estruturado em torno do eixo “burguesia interna” versus “burguesia associada”?
   Cito aqui um trecho de um editorial do Le Monde Diplomatique Brasil assinado pelo jornalista Silvio Caccia Bava:
    “A internacionalização da nossa economia, com aquisições e fusões efetuadas por grupos transnacionais, não deixa muita margem para pensar na existência de uma burguesia nacional com interesses diversos da burguesia internacional. O que há são interesses diversos no interior de uma burguesia internacionalizada. Há os que produzem mercadorias e querem aumentar suas vendas, e os que produzem serviços e querem aumentar seu faturamento – nos dois casos interessa a ampliação do mercado interno. E há os que se beneficiam dos juros praticados pelo mercado financeiro e querem continuar ganhando.”
  1. É necessário um grande esforço teórico para decifrar a dinâmica política do nosso país a partir de uma ótica marxista. Um dos primeiros desafios nesse sentido é o de entender o PT e os governos por ele instalados, sobretudo no plano federal. Carece de demonstração empírica a hipótese do PT como um cavalo-de-Tróia da “burguesia interna”, infiltrado no coração do campo democrático-popular. Isso não significa negar a existência do neodesenvolvimentismo como um projeto do PT. Era e é esse, de fato, o horizonte político, econômico e social do grupo dominante no PT e nas administrações lideradas por esse partido, em todos os níveis federativos. O PT defende o neodesenvolvimentismo não porque tenha se tornado o braço político da “burguesia interna” (que não reconhece o partido como seu representante e sempre o teve como inimigo estratégico), mas simplesmente porque essa é versão possível da social-democracia adaptada ao nosso contexto periférico e sul-americano num mundo dominado pela globalização neoliberal.
    E o PT é isso: um partido de base proletária/popular com uma direção burocrática majoritariamente social-democrata, voltada instintivamente para a gestão do Estado burguês, para a política institucional/parlamentar. É uma galera que renegou ou nunca incorporou o marxismo, a revolução e o socialismo e que só admite a luta de classes, no melhor dos casos, quando restrita aos conflitos redistributivos e à defesa de direitos sociais dentro da ordem capitalista (o que não é pouco, no contexto brasileiro). É perfeitamente natural, portanto, que nos governos sob o comando do PT, a corrente dominante no partido trate de atender, em grande medida, às demandas da burguesia (“interna” ou transnacional, não há diferenças quanto a isso), já que se trata de um partido que aceita o capitalismo e busca apenas tornar esse sistema mais humano e generoso do ponto de vista das massas desfavorecidas.
    Isso torna a cúpula petista o “representante político da burguesia interna”? Quem faz essa afirmação precisaria demonstrar, com base em elementos empíricos concretos, qual é o mecanismo que realizaria essa relação representado-representante. Precisaria dizer também que, não só o PT, mas também a Central Única dos Trabalhadores (o braço sindical do partido) é um instrumento político de um setor da burguesia. Evidentemente, a cúpula da CUT tem acompanhado, historicamente, a política de conciliação de classes da direção do PT. Mas daí a afirmar que ela abandonou a defesa dos interesses dos trabalhadores para se tornar um instrumento da burguesia vai uma distância gigantesca.
   O fato que diz respeito mais de perto à nossa polêmica é que, no governo, o PT (leia-se: Lula e Dilma e suas respectivas equipes) NÃO se caracterizou por uma defesa sistemática de um empresariado de raízes mais nacionais e maior afinidade com as metas do neodesenvolvimentismo, em detrimento da “burguesia associada” e do capital externo. Ao contrário, as empresas transnacionais instaladas no país foram altamente favorecidas pelas políticas dos governos petistas, seja pela extraordinária expansão do consumo de todos os segmentos sociais, seja por benefícios especiais ao “setor produtivo” adotados, dentro de uma perspectiva keynesiana, com a finalidade de estimular o crescimento econômico.
    Digo isso sem negar que as empreiteiras tipo Odebrecht foram especialmente beneficiadas – e só poderiam ser, dado o tipo de atividade a que se dedicam – nesses governos, o que é evidente, e sem tampouco negar os breves surtos de protecionismo econômico em gestões marcadas, no geral, pela ideologia neoliberal do “livre-comércio”, segundo a orientação adotada pela OMC e por incontáveis outros organismos dos quais o Brasil participa. Aliás, a gestões petistas jamais se afastaram de uma concepção totalmente livre-cambista, de pura cepa neoliberal, em todos os fóruns e negociações do comércio global.
   Não por acaso, nesse cenário, que o conhecido jornalista Luis Nassif – um neodesenvolvimentista de carteirinha – criticou o governo, em 2011, por conceder auxílio “a empresas estrangeiras em dificuldades, à custa do consumidor brasileiro”, tornando o Brasil um “hospital de multinacionais cambaleantes” (Carta Capital, 21/11/2011).
De modo similar, o conhecido dirigente petista Valter Pomar, um dos líderes da ala esquerda do partido, criticou a generosidade, ao seu ver excessiva, do governo federal no auxílio à indústria automobilística, totalmente nas mãos do capital externo. Esse setor, apontou Pomar, foi beneficiado por reduções no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e nas tarifas alfandegárias (contra importações chinesas), mas não ampliou seus investimentos nem gerou novos empregos, como esperava o governo.
    Reportagem de Gabriel Bonis, publicada na Carta Capital (17/07/2012), relata que “desde 2008 [o Estado] concedeu ao setor automobilístico medidas para renúncia fiscal de cerca de 11,3 bilhões de reais. As empresas parecem, porém, ter aproveitado os incentivos para ajudar as matrizes em dificuldades. […] no mesmo período, [suas] remessas ao exterior somaram 38,1 bilhões de reais […]”.
   Assim como não corresponde à realidade a ideia que atribui ao PT e aos seus quadros na gestão pública o papel de representantes políticos da “grande burguesia interna, também deve ser questionado o apoio que essa suposta fração da burguesia teria proporcionado às administrações petistas. Lembremos que o PT governou o país durante treze anos debaixo de uma campanha permanente de intrigas, desgaste, deslegitimação, desqualificação, difamação e calúnias que mobilizou quase todos, e no período final, todos os conglomerados de midia atuantes no país. É possível dissociar a chamada “grande mídia” do conjunto do grande capital? Esses conglomerados midáticos fazem parte da “burguesia interna” ou da “burguesia associada”?
    Ninguém poderá negar que os principais atores no campo midiático (Rede Globo, Editora Abril, jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo) se perfilam, historicamente, como integrantes de um campo político burguês pró-imperialista. Afinal, ao longo dos tempos, essas empresas sempre estiveram ao lado das opções políticas dos setores empresariais mais descaradamente aliados aos interesses externos. Ainda assim, os magnatas da comunicação, a começar pela família Marinho da Rede Globo, nas décadas de 1900 e 2000 se opuseram a propostas neoliberais que permitiriam o ingresso irretrito do capital estrangeiro no setor midiático, abalando o oligopólio das famosas seis ou sete famílias dominantes nessa área. Se o critério da oposição (não antagônica, é claro) a interesses externos é o que define a “burguesia interna”, poderíamos incluir a Rede Globo e similares nessa suposta “fração de classe”? Ou talvez seja mais prudente reconhecer, de uma vez por todas, a tremenda imprecisão que envolve essa categoria e buscar outras ferramentas teóricas?
   No que diz respeito ao tema aqui em pauta, lanço uma pergunta: como se explica o fato de que a quase totalidade das empresas jornalísticas brasileiras se somou à campanha midiática anti-petista em curso desde a posse de Lula em 2003 se a “burguesia interna”, supostamente, não apenas apoiava o governo mas levava à prática suas próprias políticas por meio do governo, segundo defendem os adeptos da teoria da “frente neodesenvolvimentista”?
   Aqui, não estou me referindo apenas ao oligopólio dos irmãos Marinho, mas também às centenas de outras empresas vinculadas à Rede Globo como retransmissoras de rádio e televisão, além das afiliadas das demais redes de comunicações. Essas empresas não operam como ilhas no mundo empresarial, mas sim expressam interesses de grupos burgueses espalhados por todo o país, com presença na indústria, comércio, serviços, produção rural etc. Se esses setores burgueses estivessem de fato ao lado dos governos liderados pelo PT em algum momento desses treze anos, essa postura governista teria se expressado de alguma forma no campo midiático. Não foi o que se viu.
   Insisto: não se pode pensar no ramo empresarial das comunicações como um mundo à parte, desvinculado do conjunto dos negócios da burguesia. Cada empresa de mídia é vinculada de 1001 formas a outros setores do empresariado, por meio de financiamentos, anúncios publicitários, tráfico de influências, parceria nos mais diversos negócios, sem mencionar a ideologia compartilhada pela conjunto da classe dominante. Se a “grande burguesia interna” estava comprometida tão intensamente com a sustentação política dos governos petistas, como se explica que esse apoio jamais tenha se traduzido em qualquer iniciativa midiática no sentido de fortalecer ou socorrer esse governo diante do ataque sistemático dos seus inimigos neoliberais? Como é possível “apoiar” um governo e, simultaneamente, durante anos a fio, financiar uma mídia engajada numa guerra aberta contra esse mesmo governo?
   Mesmo sem ter na mão dados específicos, é preciso mencionar também a dimensão eleitoral dessa hipotética aliança ou frente política. Como é possível que o suposto apoio da “burguesia interna” ao PT não tenha se traduzido em votos nos redutos eleitorais do empresariado e entre os setores da classe média mais próximos da burguesia? Como essa suposta inclinação pró-PT não foi capaz de trazer à tona qualquer sinal visível de divisão entre as camadas sociais ligadas ou influenciadas pela burguesia? Teria sido essa “frente política” tão discreta a ponto não produzir qualquer grau de hegemonia no âmbito da sociedade civil?
    Sem dúvida, a aliança dos mandatários petistas com certos setores políticos burgueses foi um fator de governabilidade das respectivas gestões presidenciais, viabilizando o indispensável apoio parlamentar nos três mandatos anteriores a 2015.  Para entender a maneira como o Poder Executivo conseguiu, nos mandatos de Lula e Dilma, obter a indispensável sustentação parlamentar, é preciso levar os recursos econômicos à disposição do governo federal num período econômico extremamente favorável, sob os ventos benignos do “boom” das commodities e da expansão do mercado interno associada à política econômica neokeynesiana. O que pesou mais na formação da famosa “base aliada”: o fisiologismo incorrigível do estamento político, o tráfico de influências, a troca de cargos por votos, ou uma suposta oposição do Poder Executivo aos interesses imperialistas, em defesa da “burguesia interna” e do neodesenvolvimentismo?
   Resta em aberto a questão sobre os motivos do isolamento de Dilma no período final (além, acrescento eu, do isolamento que ela sofreu, por culpa dela mesma, em relação à sua própria base social popular, confusa ou revoltada diante da guinada neoliberal que teve como expressão máxima a imperdoável e desastrosa nomeação de Joaquim Levy para o comando da economia).
   Acredito que outras explicações para o golpe são possíveis, fora dos marcos da teoria da “frente neodesenvolvimentista”. Uma vertente interessante de interpretação é a aquela que, sem desprezar o “fator crise econômica” presente em todas as análises, enfatiza os interesses de longo prazo da burguesia como classe. Trata-se da hipótese de uma percepção, por parte de setores influentes da burguesia, de que, com o esgotamento da política de conciliação de classes num cenário econômico crescentemente desfavorável, os governantes petistas tenderiam a aprofundar as iniciativas de caráter social em favor das camadas desfavorecidas, afetando os privilégios da burguesia no seu conjunto. Assim, de algum modo, as elites dominantes teriam chegado a um consenso quanto à “necessidade” de pôr um fim imediato ao ciclo de reeleições sucessivas do PT. Jogaram pesado na campanha eleitoral de 2014 e quebraram a cara. Com o fracasso, restou a via golpista. É uma explicação que incorpora o fator ideológico, transcendendo os limites estreitos do economicismo.
    Outra linha de análise bastante persuasiva é a que é esboçada naquele já citado editoral do Le Monde Diplomatique Brasil, de Silvio Caccia Bava. O autor começa por assinalar que em 2014 toda a burguesia se unificou (de “forma inédita”) contra a reeleição de Dilma. Em seguida, ele busca os motivos dessa decisão na trajetória do primeiro mandato. Caccia Bava mostra o quanto Dilma se afastou do figurino neoliberal naquele período. A presidenta reduziu os ganhos do setor financeiro com os cortes nos juros. Prejudicou os lucros das empresas do setor elétrico com a redução de 20% nas tarifas da energia. E desafiou os interesses externos com o marco regulatório (moderadamente) nacionalista e a política de conteúdo local no pré-sal. “O que mais incomodou nossas elites não foi a perda da rentabilidade financeira, e sim a ameaça da perda do controle político sobre a política econômica”, analisa Caccia Bava.
  1. A “frente neodesenvolvimentista” está morta e enterrada, ao menos na sua encarnação lulista-petista de 2003-2016, mas, ainda assim, o neodesenvolvimentismo como projeto político se mantém na agenda e pode regressar ao governo se o golpismo naufragar. Esse cenário pode se tornar realidade, por exemplo, em uma eventual vitória de Lula ou de Ciro Gomes em 2018. Quais setores da sociedade estariam dispostos a se engajar no apoio a uma candidatura presidencial antigolpista?
      O cenário político atual se caracteriza pelo apoio, até agora irrestrito e veemente, de todos os setores burgueses à agenda de retrocesso econômico, político, social e cultural aplicada pelas autoridades golpistas. Ao menos, essa é posição de todos os atores do campo empresarial que se expressaram na cena pública.
   O momento mais marcante nessa manifestação maciça da burguesia enquanto bloco social coeso foi a divulgação, no dia 10 de outubro de 2016, de um manifesto assinado por cerca de duzentas entidades empresariais, entre elas a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) a favor da PEC do teto de gastos públicos. O anúncio ocupou quatro páginas da revista Veja e foi publicado também nos principais jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro. No texto, os empresários afirmam que falam em nome de famílias, homens, mulheres e jovens, e pedem o “bom senso” de deputados e senadores pela aprovação da PEC do teto de gastos. Para eles, não há alternativa para garantir a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos no Brasil. Não é a “burguesia associada” quem está dizendo isso.
   Encerro este enfatizando os seguintes tópicos para quem estiver interessado em levar adiante o debate:
  1. a) O discurso recorrente entre os partidários da teoria da “frente neodesenvolvimentista” que busca distinguir a “burguesia associada” do conjunto da burguesia não corresponde ao panorama político realmente existente e à dinâmica da luta de classes no nosso país. Receio que esse discurso impeça a esquerda de apontar claramente o golpe como uma ação política da burguesia contra a classe trabalhadora.
  1. b) É correto caracterizar o projeto político do PT como neodesenvolvimentista. Os líderes petistas até gostariam que seus governos tivessem sido sustentados por uma “frente neodesenvolvimentista”, como essa que dizem que existiu. Mas, nesse caso, a distância entre intenção e realidade foi enorme. Nunca houve o compromisso político efetivo de setores significativos da burguesia no apoio aos governos Lula e Dilma. A tentativa de formar um “Conselho de Desenvolvimento” para articular a aliança de classes com o grande capital fracassou estrepitosamente. E esse movimento do governo em busca de apoio da burguesia não esteve voltado especificamente para os setores em suposta contradição com o imperialismo, mas para a burguesia no seu conjunto, o que inclui os conglomerados financeiros, a grande agronegócio exportador, os oligopólios industriais (associados ou não ao capital estrangeiro). Em alguns momentos a cúpula governista-petista até teve sucesso, como em conquistar o apoio do “rei da soja” Blairo Maggi a Lula e a Dilma antes da derrocada pós-2013, mas esses movimentos não foram acompanhados por grandes blocos de classes, permanecendo restritos a atores relativamente isolados.
  1. c) A burguesia, como classe, não está interessada no projeto neodesenvolvimentista defendido pelo PT e por alguns de seus intelectuais orgânicos, como Luiz Carlos Bresser-Pereira (relativamente novato nesse papel…). Desde sua ascensão a classe dirigente, na primeira metade do século 20, a burguesia brasileira tem clara consciência de que seu futuro está associado à dominação imperialista e à inserção numa ordem internacional capitalista sob hegemonia dos Estados Unidos. Seus integrantes buscam, como regra geral, oportunidades de lucro como parceiros subordinados ao capital imperialista. Os burgueses desconfiam e rejeitam os projetos de desenvolvimento nacional defendidos pela esquerda, por setores burocráticos-intelectuais e por líderes políticos “populistas” porque sentem que esses projetos os levaram a se afastar e marginalizar do sistema imperialista ao qual associam sua existência e seu futuro. Odeiam os trabalhadores, desprezam o povo e têm dificuldade até mesmo em assumir plenamente uma identidade nacional brasileira.
  1. d) A burguesia, como classe, nunca “engoliu” os governos liderados pelo PT, por mais que tivesse sido beneficiada pelas políticas públicas desse partido. Isso não exclui, é claro, o estabelecimento de um modus vivendi do empresariado com os governos progressistas, o que inclui a presença de representantes do grande capital em ministérios importantes (Meirelles, Furlan), participação no financiamento de campanhas (sem deixar de financiar a oposição direitista) e o aproveitamento de todas as múltiplas oportunidades de negócio a partir da cooperação com o Estado.
e)Devemos intensificar nossa luta pelo Projeto Popular, assim como a luta imediata contra o golpismo, sem qualquer tipo de ilusão quanto às possibilidades de aliança com setores burgueses – ao contrário, devemos denunciar a burguesia como a classe social que implementou o golpe e está se beneficiando da destruição da Constituição de 1988 em que tudo que nela está consagrado como direitos sociais e defesa da democracia. Alianças táticas, limitadas e temporárias não podem ser descartadas. Mas uma esquerda seriamente comprometida com a transformação social não pode condicionar seu programa, sua estratégia e sua tática a essa eventualidade.
São Paulo, janeiro/fevereiro de 2017
[1] Este texto foi redigido, inicialmente, no final de janeiro de 2017. Na sua versão original, estava voltado para um debate específico entre ativistas da luta política e social no Brasil. Algumas pequenas alterações foram feitas para viabilizar sua divulgação a um público mais amplo e tornar mais fluente a argumentação.
[2] Professor de Relações Internacional da Universidade Federal do ABC (UFABC), doutor em Ciência Política pela USP.

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