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sábado, 5 outubro, 2024

Que Lula sou eu? Defesa do petróleo “até a última gota” não combina com discurso pró-meio ambiente na ONU

Depois de se reunir na surdina com executivos do Big Oil, Lula reclama de “acordos climáticos não cumpridos” e lentidão da descarbonização em discurso na ONU.

A informação é publicada por ClimaInfo, 25-09-2024.

Como esperado, o discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta 3ª feira (24/9), em Nova York, foi contundente. Em quase 20 minutos, o presidente brasileiro fez cobranças duras aos países desenvolvidos pelas dificuldades enfrentadas no combate global à crise climática, especialmente na questão financeira, e defendeu a revitalização do multilateralismo e da governança global.

“Estamos condenados à interdependência da mudança climática. O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos não resolvidos. Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega”, disse Lula.

O presidente lembrou do desastre climático no Rio Grande do Sul e da crise dos incêndios e queimadas na Amazônia e no Pantanal, a maior “pedra no sapato” do governo neste momento. Ele reconheceu a gravidade do problema, mas destacou as ações recentes do governo para reverter o quadro de desmonte deixado pelo governo anterior na área ambiental.

Ainda sobre meio ambiente, Lula destacou a realização da COP30 em Belém do Pará no ano que vem e confirmou que o Brasil apresentará, ainda neste ano, a nova versão de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) para o Acordo de Paris, “em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a 1,5ºC”.

Outro ponto ressaltado por Lula é o potencial do Brasil como “celeiro de oportunidades” para a transição energética. “Somos hoje um dos países com a matriz energética mais limpa. 90% da nossa eletricidade provêm de fontes renováveis como a biomassa, a hidrelétrica, a solar e a eólica”, afirmou.

Os biocombustíveis também foram abordados no discurso do presidente. “Fizemos a opção pelos biocombustíveis há 50 anos, muito antes que a discussão sobre energias alternativas ganhasse tração. Estamos na vanguarda em outros nichos importantes como o da produção do hidrogênio verde”, disse Lula. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”.

É aqui que a “porca torce o rabo”, como diriam alguns. Analisado separadamente, o discurso de Lula é forte na questão climática, com argumentos razoáveis e cobranças sólidas. O problema é que o contexto da fala esvazia a sua contundência e deixa evidente a ambiguidade prática do presidente nessa agenda.

Um dia antes de falar à Assembleia Geral da ONU, Lula se encontrou com executivos da petroleira Shell em uma reunião fora da agenda oficial do presidente em Nova York. A pauta não foi revelada, mas dificilmente os participantes não falaram sobre o principal interesse comercial da empresa no Brasil – a exploração de petróleo na foz do rio Amazonas e em outras áreas da chamada Margem Equatorial.

O governo segue dividido no assunto. Enquanto a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) defende a abordagem cautelosa do IBAMA na análise sobre os impactos da exploração petroleira na foz do rio Amazonas, o projeto é defendido de forma feroz pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) e por outros setores do governo.

Inicialmente distante dessa discussão, Lula vem se posicionando mais claramente nos últimos meses em favor do empreendimento, destacando a estratégia da Petrobras de ampliar sua produção, contrariando as recomendações de cientistas que defendem o fim de novos projetos de energia fóssil ainda nesta década.

“Enquanto o presidente prega a transição energética para uma plateia de chefes de Estado e governo em Nova York, a Petrobras (cujo acionista majoritário é o governo) planeja ampliar sua produção diária de barris de petróleo até chegar a 5,3 milhões em 2030”, apontou Patrícia Campos Mello na Folha.

“O Brasil tinha tudo para levantar essa bandeira e ser o principal defensor. Apesar de colocar um foco nesse sentido, o governo Lula não está conseguindo dar as respostas necessárias”, comentou Raquel Landim no UOL. “Não que o Brasil não deva ter contato com petroleiras estrangeiras, mas precisava ser neste momento, quando ele defende essa bandeira lá na ONU?”.

A fala de Lula na ONU teve grande destaque na imprensa nacional.

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