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sexta-feira, 20 junho, 2025

Quando Israel  participa de uma guerra qual é  a sua posição?

Heba Ayyad*

Não sei como aqueles que nos culpam por teorias da conspiração e pela suposta aliança entre Israel e o Irã — assim como os teóricos sensacionalistas que afirmam saber mais do que todos e possuir informações que confirmariam a existência de uma aliança entre os dois regimes — conseguem justificar tal narrativa. Parece que, quando esgotaram os argumentos sobre conspirações e sobre uma suposta aliança entre o sionismo e o regime dos mulás, simplesmente “fecharam suas lojas” e extravasaram sua frustração com uma oração ainda pior do que a teoria da conspiração: “Ó Deus, golpeia os opressores com os opressores.”

Nunca encontrei algo mais deplorável do que essa oração, que tenta equiparar os crimes da entidade sionista e seus massacres cometidos na Palestina, no Líbano, na Síria, no Iêmen, no Iraque, no Egito, na Jordânia, na Tunísia e no Sudão. Qualquer pessoa que realmente deseje construir uma força de dissuasão efetiva sabe que ela não se renderá sem resistência, nem permanecerá passivamente em um depósito esperando que a entidade sionista venha destruí-la, junto com todos os seus habitantes.

Antes de tudo, é preciso reconhecer que estamos diante de uma agressão flagrante contra um Estado independente e soberano. Mesmo que existam divergências com o regime iraniano, especialmente em relação às suas posturas anteriores no Iraque e na Síria, o que enfrentamos agora é uma ofensiva sionista-estadunidense que busca a hegemonia absoluta sobre a região e a destruição de seus três principais componentes étnicos, que, historicamente, compuseram a civilização árabe-islâmica: árabes, persas e turcos. O objetivo é submeter todos à hegemonia ocidental.

Se ocorrer uma derrota do Irã, essa não se limitará às suas fronteiras. Israel se tornará o senhor absoluto de todo o Oriente Médio, com poder de nomear e destituir príncipes e ministros, decidir quem poderá participar da peregrinação a Meca, quem poderá comprar petróleo e onde os recursos financeiros de cada país serão depositados.

Se o Irã for derrotado, a Turquia será a próxima. Logo haverá tentativas de desmantelamento do país e a criação de um Estado curdo que abrangerá territórios do Irã, Iraque, Síria e Turquia, com maioria populacional curda. Na sequência, a vez será do Paquistão. Sua questão nuclear será colocada em pauta, com pressões internas e externas para desmantelamento de seu arsenal. As forças do mal cooperarão com a Índia e com os Estados Unidos, criando uma série de conflitos internos que levarão o Paquistão à desintegração e, por fim, à entrega de suas armas nucleares, de forma voluntária ou forçada.

Se o Irã for derrotado, a soberania dos Estados da região chegará ao fim. Após Gaza, será a vez da Cisjordânia ser esvaziada. Os chefes de Estado e os reis árabes deixarão de ser apenas funcionários de Trump para tornarem-se funcionários de Netanyahu.

Israel se converterá numa superpotência regional, com sua influência se estendendo — ainda que não literalmente em termos territoriais — do sul da Península Arábica ao norte da Índia, e do Mar Arábico, a leste, até as fronteiras da Bulgária, a oeste.

Se o Irã cair, o caminho estará aberto para a hegemonia total da OTAN sobre os governos que ainda acreditam no pluralismo. A Rússia será expulsa da Ucrânia e da Geórgia, a China não ousará mais recuperar Taiwan, seja pela força ou pela diplomacia, e a ambiciosa Rota da Seda, que vem sendo construída há anos, será definitivamente interrompida.

Portanto, dizemos àqueles que aguardam que o Irã tropece e seja derrotado: a vez de vocês chegará. Vocês, ou seus filhos, lerão textos talmúdicos nas escolas, entoarão alguns dos Salmos de Davi, e a religião abraâmica se tornará a religião oficial de protetorados e Estados funcionais.

Revisando os Erros

Reconhecemos que o Irã cometeu muitos erros e que existem diversas brechas em sua estratégia de defesa. O país também tentou aderir ao que chama de “paciência estratégica”, apenas para descobrir que essa postura permitiu ao inimigo reunir informações abundantes sobre todos os aspectos de seus programas de defesa e de suas instalações nucleares, além de penetrar em sua estrutura de segurança e assassinar cientistas nucleares com relativa facilidade.

Acreditamos que o Irã errou ao não responder ao assassinato de oito oficiais, incluindo Mohammad Reza Zahedi, comandante da Força Quds, ocorrido no consulado iraniano em Damasco, em 1º de abril de 2024. A operação “Verdadeira Promessa 1” foi uma implementação fraca, ainda que deliberada e disciplinada, da estratégia de “paciência estratégica”. Todas as justificativas legais estavam disponíveis para que o Irã se unisse à batalha em frentes unificadas ao lado do Hezbollah, do Ansar Allah, das Forças de Mobilização Popular, além da resistência palestina em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém. A equação poderia ter mudado naquele momento, e a iniciativa poderia ter passado para as mãos do Irã, com países ocidentais, árabes e islâmicos correndo para conter a escalada dos confrontos.

O Irã, então, recebeu uma segunda oportunidade de ouro no dia do assassinato de Ismail Haniyeh, em 31 de julho de 2024. Sua soberania foi violada e sua liderança, humilhada. Naquele dia, o Irã tinha todas as justificativas legais e morais para empregar seu arsenal de mísseis com todo o seu poder, punir esse inimigo arrogante, transformar a vida na colônia em um inferno e aliviar a pressão sobre Gaza.

É verdade que lançou 250 mísseis (“Verdadeira Promessa 2”), direcionados exclusivamente a alvos militares, mas seu impacto foi limitado, resultando na morte de apenas uma pessoa. Ainda assim, mais uma vez, o Irã optou por exercer contenção, mesmo diante da retaliação israelense.

Uma batalha decisiva pode mudar a face do Oriente Médio e do mundo. Esta é uma fase que pode transformar países, mapas, fronteiras, regimes, economias e culturas. Ninguém deve pensar que será poupado das faíscas que voam da região em todas as direções.

Outro erro cometido pela liderança iraniana foi confiar em Trump, que, por um lado, fazia ameaças e, por outro, abria canais de negociação, assim como fez com o Hamas. Parece que o acordo de trégua com os houthis convenceu a liderança iraniana de que Trump estava genuinamente interessado em promover a paz no Oriente Médio. Witkoff, no entanto, apresentava condições impossíveis, que nenhuma das partes poderia aceitar. Ele queria que o Irã destruísse todas as suas instalações e estoques nucleares de forma segura, sob supervisão internacional, ou, caso contrário, que fossem destruídos por meios violentos, através do uso de armas. Como o Irã poderia aceitar tais condições?

Em 12 de abril, Trump deu ao Irã um prazo de 60 dias para chegar a um acordo; caso contrário, outras opções seriam colocadas em prática. Parece que o Irã não levou a ameaça a sério. O prazo expirou em 11 de junho, dois dias antes do ataque israelense. A nova rodada de negociações estava marcada para domingo, 15 de junho, e a agressão não começaria antes dessa data, uma vez que os Estados Unidos já haviam retirado muitos de seus cidadãos do Iraque, dos Emirados Árabes Unidos e do Bahrein.

Com isso, os preparativos israelenses foram concluídos, enquanto os iranianos se descuidaram e pagaram um preço alto nas primeiras horas da manhã de sexta-feira, tanto com o bombardeio de suas instalações nucleares quanto com o assassinato de altos líderes militares e técnicos. No entanto, o Irã conseguiu absorver o golpe inicial e começou a responder a Israel, levando a confrontos entre a força aérea da entidade sionista e uma quantidade significativa de drones e mísseis iranianos.

O Irã depende principalmente de mísseis balísticos e hipersônicos, e não sabemos como a batalha entre a força aérea israelense e os mísseis iranianos será resolvida. Quem gritar de dor primeiro, perderá a batalha.

A liderança iraniana anunciou o lançamento da “Verdadeira Promessa 3”, que incluiu o disparo de mísseis que atingiram a maioria das cidades da colônia, especialmente Tel Aviv e seus subúrbios, causando danos materiais e humanos significativos, além de atingir centros sensíveis, como o Ministério da Defesa e o Instituto Weizmann de Estudos Estratégicos. Esta é a primeira vez, desde 1948, que o povo de Tel Aviv experimenta o que a maioria das capitais dos Estados árabes vizinhos já vivenciou.

Não esperamos que o Irã destrua completamente a entidade sionista, mas ele é capaz de transformar a vida dos sionistas em um inferno, destruindo grande parte de suas capacidades militares e estratégicas, além de comprometer o modelo de segurança e os múltiplos guarda-chuvas de proteção da entidade.

Os Estados Unidos podem, eventualmente, resgatar Israel da crise e intervir diretamente na guerra. Isso é esperado caso Israel se envolva em uma situação que não consiga resolver, o que pode levar à ampliação do conflito, incluindo o fechamento do Estreito de Bab al-Mandab, ataques a bases estadunidenses e a entrada de milícias apoiadas pelo Irã — ou o que restar delas — na batalha. Os poços de petróleo do Golfo também podem se tornar um alvo tentador para essas forças.

Estamos apenas no início da guerra, portanto, todas as possibilidades ainda estão em aberto.

A força do Irã reside em sua resiliência e em seus ataques direcionados à infraestrutura israelense, como fez no Porto de Haifa, no Instituto Weizmann, no Ministério da Defesa e na sede do Mossad, em Herzliya. Sua força está na solidariedade de seu povo, educado para odiar Israel, e em seu apoio incondicional à causa palestina. A força do Irã também reside em sua confiança em uma civilização profundamente enraizada na história. Como uma entidade desonesta poderia destruí-la?

Esta é uma batalha decisiva, capaz de mudar a face do Oriente Médio e do mundo. Trata-se de uma fase que pode transformar países, mapas, fronteiras, regimes, economias e culturas. Ninguém deve acreditar que será poupado das faíscas que voam da região em todas as direções.

Que a paz esteja com a Palestina, por quem — e por causa de quem — todas as guerras têm sido iniciadas desde que essa planta maligna foi enraizada no coração do mundo árabe, espalhando seu veneno em todas as direções. Quantas vezes os palestinos gritaram que a ameaça de Israel não se limita à Palestina?

*Heba Ayyad

Jornalista internacional Escritora Palestina Brasileira

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