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sexta-feira, 29 março, 2024

Protestos antirracistas e o desmonte do sonho americano

Prédio em ruínas após vandalismo em Minneapolis durante protestos antirracistas
Tumultos tomam conta de dezenas de cidades americanas expondo a frustração com a profunda desigualdade social do país. Presidente Donald Trump aproveita a situação para tentar ganhar pontos com seu eleitorado.
Os Estados Unidos estão afundando em uma onda de violência. Da Califórnia a Nova York, de Minneapolis à costa do Texas: houve distúrbios severos em mais de 75 cidades nos últimos dias. Carros da polícia foram incendiados na cidade de Nova York e houve saques em Los Angeles. “Isso não são mais protestos”, disse Eric Garcetti, prefeito de Los Angeles. “Isso é destruição.”
Os tumultos foram desencadeados pela morte violenta de George Floyd. O homem negro foi morto durante uma operação policial em Minneapolis na segunda-feira passada. Um caso trágico, mas infelizmente não uma exceção em se tratando de violência policial racista nos EUA. As últimas palavras de Floyd, “não consigo respirar”, há muito se tornaram slogan de um movimento nacional de protesto que os EUA não veem há décadas. A dor e a indignação deram lugar à raiva e à violência.
A trágica morte de Floyd alimenta um debate fundamental sobre a divisão social nos Estados Unidos. A crise de coronavírus vem como lenha nessa fogueira, expondo a desigualdade da sociedade mais claramente do que antes. Aqueles que, antes da eclosão da pandemia, não tinham um emprego decente, um seguro de saúde e um suporte financeiro, foram implacavelmente afetados pelas consequências do vírus.
Isso afeta principalmente negros e latinos nos Estados Unidos. Não apenas a taxa de infecção e mortalidade é mais alta entre eles. Sobretudo são eles, os trabalhadores simples, que perderam o emprego. Já a classe média predominantemente branca na maioria das vezes só mudou seu local de trabalho do escritório para casa, muitas vezes mantendo seu salário integral. A pandemia revela sem piedade as injustiças sociais dos EUA.
Problemas que se acumulam
“Acredito que o país esteja sendo confrontado com a pior crise desde a Segunda Guerra Mundial”, diz Christian Hacke, cientista político e especialista em Estados Unidos. Ele afirma que, por um lado, há uma visível frustração com o racismo, revelada novamente com a morte de Floyd, se tornando ainda mais radical. Por outro lado, ele lembra do declínio econômico e dos problemas domésticos dos Estados Unidos. Além disso, há as consequências do coronavírus, que estão causando desespero em cada vez mais americanos. “A morte de Floyd é apenas uma faísca que fez todo o país queimar”, diz Hacke.
USA Boston | Proteste gegen Polizeigewalt und Tod von George Floyd (Reuters/B. Snyder)

“Queremos justiça”: Minorias raciais foram parcela da população mais afetada pela crise da pandemia

No entanto, os protestos também revelam que não são apenas os negros que gritam sua frustração para o mundo. Entre os manifestantes predominantemente jovens, há muitos americanos brancos, muitas vezes bem situados, que também estão frustrados da mesma forma. Frustrados com um país que não impede a violência policial e o racismo, mas deixa que aconteçam. Frustrados com um país que tem um presidente provocador em seu comando – e sem alternativa política.
“Quando você vê Joe Biden na TV, ele parece senil, como se estivesse preso no porão. Você quase sente que ele não consegue mais acompanhar tudo mentalmente”, diz Hacke. Isso contrasta com o presidente Trump, que exacerba a crise com sua insensatez. Um presidente dos EUA que não une mas que divide o país desde que assumiu o cargo, mente e apela aos instintos mais baixos. O assassinato e os tumultos aceleraram ainda mais a transformação do sonho americano no pesadelo americano. “Os Estados Unidos estão se desmontando a si mesmos”, avalia Hacke.
Trump se beneficia

Não é um fenômeno novo, essa raiva fervente dos americanos. Isso diz alguém que vive nos Estados Unidos há anos e até fez campanha por Barack Obama. Julius van de Laar foi um ativista dos democratas em 2007 e 2008. Em 2012, foi chefe do setor de mobilização de eleitores do Partido Democrata em Ohio, um estado-chave nas eleições. Ele afirma que já então a sociedade estava polarizada, a violência policial e o racismo eram um problema. No entanto, ele ressalta que a discriminação contra os negros raramente foi documentada tão graficamente quanto hoje. “De repente, temos um ataque registrado em vídeo, as cenas não permitem ambiguidade”, diz van de Laar. De repente, o material da imagem se tornou a ponta de lança de todos os ataques contra os quais os EUA vinham lutando há décadas.

Já para o presidente Trump, por sua vez, tudo isso vem em boa hora. Ele vive jogando os cidadãos dos EUA uns contra os outros. “Trump é o primeiro presidente que se vê como presidente de apenas um lado”, diz van de Laar, acrescentando que, em vez de ser o chefe de Estado de todos os americanos – negros ou brancos, pobres ou ricos –, ele se preocupa principalmente com seus eleitores predominantemente brancos, que devem ajudá-lo a conseguir outro mandato em novembro.
Seu fracasso na crise de coronavírus, entretanto, lhe custou muitos pontos recentemente. Para desviar a atenção, ele agora tenta fazer uma cortina de fumaça, segundo van de Laar. Polarizar para mobilizar os eleitores: essa é a estratégia dele. “Receio que sua estratégia de desviar a atenção possa ser bem-sucedida”, lamenta Hacke. Tradicionalmente, os americanos se reúnem em torno de seu presidente durante crises. “Trump também representa, além disso, muitas características que integram o espírito americano: o materialismo, o egoísmo, o sentimento implacável de liberdade e uma arrogância branca, que infelizmente recebe mais aprovação silenciosa do que podemos imaginar na Europa”, diz Hacke. “Receio que muitos brancos se sintam confirmados em seu racismo.”
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