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quinta-feira, 18 abril, 2024

Projeto de Bolsonaro tira verbas da Educação

Por Carlos Pompe

O presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta segunda-feira, 28, a intenção de criar o Renda Cidadã como substituto do Bolsa Família e do auxílio emergencial que termina em dezembro. Não informou detalhes, custo ou valor do novo benefício, mas já antecipou que parte dos recursos serão desviados da educação – mais precisamente, pretende usar 5% do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recentemente aprovado no Congresso à revelia do governo. As entidades sindicais da área de educação repudiaram a iniciativa governamental.

O senador Marcio Bittar (MDB-AC), da base de apoio bolsonarista, disse que o novo projeto vai incorporar os R$ 34,8 bilhões previstos para o Bolsa Família em 2021, além da verba de precatórios e da educação. Segundo ele, esses recursos serviriam “para ajudar essas famílias que estarão no programa a manterem seus filhos na escola”. O Bolsa Família, porém, já atua nesse sentido, condicionando o recebimento do benefício ter todas as crianças da família matriculadas na escola. Bittar é o relator da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) Emergencial (186/2019) que busca criar gatilhos para redução de despesas da União, inclusive com corte de salários dos servidores, e da PEC do Pacto Federativo (8/2019). O Renda Brasil integraria essas PECs.

A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) emitiu nota considerando a medida “um ataque aos recursos da educação pública de nosso país e, não nos iludamos, é um revide à derrota do Governo Bolsonaro à aprovação do Novo Fundeb no Congresso Nacional, que comprometeu a União a realizar um aporte maior de recursos ao novo Fundo”.

A coordenadora-geral em exercício da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), Madalena Guasco Peixoto, acusou que o Governo Bolsonaro “demonstra mais uma vez sua intenção em acabar com a educação pública, gratuita e de qualidade. Primeiro, colocou-se contrário à aprovação do Fundeb permanente; depois, tentou destinar verbas do Fundeb para fundo social e foi derrotado; agora, volta a atacar a educação básica, anunciando que retirará verba da educação para o seu fundo social eleitoreiro . Nós defendemos maior atuação do estado na garantia de diretos e também em programas sociais, mas não vamos admitir que essa verba seja tirada da educação. Nos uniremos e lutaremos contra esse novo ataque”.

Proposta derrotada anteriormente

Segundo o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, trata-se de uma tentativa de “mascarar” uma mudança no teto de gastos. “Inflar o Fundeb para, em seguida, dele tirar 5% para financiar outro programa, é rigorosamente o mesmo que inserir mais uma exceção no parágrafo 6º do art. 107 [da Constituição, incluído pela Emenda Constitucional 95, que trata do teto de gastos]. Por que não fazê-lo às claras?”, questionou. O uso de verba do Fundeb, “pode representar bypass (drible) no teto de gastos”, considerou Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).

O presidente da Comissão de Educação do Senado, Flavio Arns (Podemos-PR), que foi relator do Fundeb na Casa, alertou que “a possibilidade de usar recursos do Fundeb para o Renda Cidadã já foi derrotada nas votações do Congresso Nacional. Políticas de promoção social, em qualquer país do mundo, são essenciais, mas com recursos da assistência social. Desenvolvimento tem que estar baseado na educação do povo. A área tem que ser priorizada. E prioridade significa orçamento”.

O líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), deplorou que “num momento em que o Ministério da Educação lava as mãos e deixa 50 milhões de brasileirinhos sem educação básica, o governo quer ‘tesourar’ recursos da educação: isso é mais que tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. É sacrificar o futuro do país a troco de populismo barato”.

Também Fabiano Contarato (Rede-ES) considerou que “a utilização do Fundeb para custear um outro programa está desviando a finalidade dessa rubrica. A Educação deve ser prioridade no Brasil, porque é por meio dela que outras áreas serão também aperfeiçoadas, uma vez que o investimento obrigatório na Educação mitiga problemas diversos no país”.

O líder da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), classificou a proposta bolsonarista como “nefasta. É pura demagogia eleitoral. É querer fazer festa eleitoral com a situação de emergência sanitária e de crise aguda que o Brasil está vivendo”. Tabata Amaral (PDT-SP) acusou o presidente de “desviar recursos” do Fundeb. “O governo precisa ter coragem de enfrentar privilégios e propor uma reforma tributária justa para financiar a #RendaBásica”, manifestou.

O líder do PSB na Câmara, Alessandro Molon (RJ), afirmou não fazer sentido “retirar dinheiro da educação dos mais pobres para financiar um programa voltado aos mesmos. O caminho é manter intactos os recursos do Fundeb e buscar recursos para uma renda básica na reforma tributária. O que fica claro é que o governo não quer tirar os recursos dos super ricos, mas sim da educação dos mais pobres”.

A líder do PSOL, Sâmia Bomfim (SP), lembrou que “menos recursos no Fundeb significa que não vamos conseguir cumprir com os compromissos feitos de maior desenvolvimento da educação básica no Brasil”. Para a líder do PCdoB, Perpétua Almeida (AC), o governo quer dar um “calote” na educação básica. “Além de minar os recursos da educação, o governo quer adiar os pagamentos de suas dívidas para os próximos governos. Esse governo é uma pedalada só”, disse.

O Fundeb é um fundo que serve para repassar recursos para Estados e municípios, com objetivo de aumentar os gastos em Educação e reduzir as desigualdades de ensino entre regiões que contam com maior ou menor orçamento próprio. A proposta para o Orçamento de 2021 prevê um aporte de R$ 19,6 bilhões da União para o fundo. O Fundeb foi promulgado no mês passado e amplia, nos próximos anos, de 10% para 23% a participação da União no financiamento da educação básica.

O debate sobre o Fundeb, na Câmara, foi boicotado pelo então ministro da Educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub. Mas, na véspera da votação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou destinar R$ 8 bilhões do fundo para um voucher de R$ 250 para creches particulares, mas não conseguiu mudar o texto, que já havia sido articulado. Agora, com o mesmo objetivo, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), argumenta que o fundo é “extra-teto”, uma vez que não é levado em consideração no cálculo que anualmente define o teto para os gastos do governo. “O Fundeb já fura o teto. Nós estamos aproveitando algo que já foi decidido antes – e que o governo foi contra, inclusive – para completar parte do Renda Cidadã.”

Calote dos precatórios

Bolsonaro pretende também financiar seu programa social limitando pagamento de precatórios (títulos da dívida pública reconhecidos após decisão definitiva da Justiça). A ideia é criar um limite anual para os gastos com precatórios equivalente a 2% da Receita Corrente Líquida da União, o que liberaria parte dos R$ 55 bilhões previstos para essa despesa na proposta de Orçamento para 2021. A medida foi interpretada como não pagamento dessas despesas obrigatórias. Roberto Ellery Júnior, economista e professor da Universidade de Brasília, afirmou que “não pagar precatórios para financiar aumento de gastos é muito parecido com calote”. Randolfe Rodrigues acusou ser um “calote nos que aguardam décadas para ser indenizados em vitórias judiciais contra o governo”.

A Comissão Especial de Precatórios do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) considerou a proposta “inconstitucional. O Supremo Tribunal Federal já declarou inconstitucional por duas vezes a ampliação do prazo para entes que estavam inadimplentes – no julgamento da constitucionalidade da EC 30/00 e no caso da EC 62/09. Essa PEC, portanto, já nasceria inconstitucional. Não cumprir decisão transitada em julgado fere vários preceitos constitucionais, como o direito de propriedade, a segurança jurídica, o direito adquirido, ofende a coisa julgada, o princípio da isonomia”.

A OAB também afirmou ser ela “injusta socialmente. Os credores são pessoas físicas e jurídicas que esperam há anos o encerramento de uma discussão judicial para fazer jus ao pagamento dessas dívidas. São trabalhadores, microempresários, famílias, idosos que têm verbas alimentares a receber e que, agora, caso a proposta do governo se concretize, levarão um calote que acarretará danos sociais gravíssimos”.

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