Paul Craig Roberts [*]
A falência do Silicon Valley Bank (16º maior banco dos EUA) na sexta-feira passada resultou da retirada de fundos pelos depositantes em resposta a uma queda no valor das carteiras de obrigações do banco, causada pela subida irrefletida das taxas de juro por parte da Reserva Federal. A política sem sentido implementada pela Reserva Federal remedeia a inflação ao produzir corridas a bancos, bancos falidos e desemprego. A Reserva Federal e os economistas neoliberais ainda estão presos ao desgastado pensamento do keynesianismo do século XX.
Ontem, os reguladores federais apreenderam o Signature Bank de Nova Iorque, que foi esmagado por retiradas de depósitos. As falhas dos bancos, com problemas reportados a afligir o Republic Bank (14º maior dos EUA) e relatos de que muitos depositantes do Wells Fargo experimentaram saldos zero devido a uma falha da revolução digital, deixaram aqueles que tiveram a sorte de ter saldos bancários todo um fim-de-semana a trabalhar em pânico acerca da segurança dos seus próprios depósitos bancários. A questão é se depositantes em pânico se apressam a retirar o seu dinheiro hoje (segunda-feira, 13 de março de 2023). Na esperança de evitar isto, a Reserva Federal anunciou ontem, domingo, que iria fornecer aos bancos dinheiro para atender às retiradas. A Reserva Federal anunciou que todos os depositantes nos bancos Sillicon Valley e Signature, incluindo aqueles que têm depósitos acima do montante segurado, estariam protegidos. www.federalreserve.gov/newsevents/pressreleases/monetary20230312a.htm
Com o Federal Reserve a apoiar o sistema bancário como deveria fazer (e não o conseguiu durante a Grande Depressão), os problemas bancários e o pânico que eles produzem esperançosamente será contido. Nos últimos 14 meses, as reservas bancárias diminuíram em US$1,3 mil milhões. https://www.nasdaq.com/articles/analysis-declining-u.s.-bank-reserves-add-wrinkle-to-contentious-debt-ceiling-issue Isto significa que os bancos têm falta de dinheiro para atender a retiradas e teriam de vender ativos financeiros para cumpri-las. Estas vendas depreciariam os preços dos ativos financeiros e prejudicariam os balanços dos bancos.
Naturalmente, tal como durante a crise financeira anterior, o governo e os executivos financeiros farão declarações tranquilizadoras, tais como a feita pela secretária do Tesouro Yellen na sexta-feira passada, quando garantiu ao público que o sistema bancário americano é resiliente e bem capitalizado.
Mas será? Os cinco bancos rotulados como “demasiado grandes para cair” (“too big to fail”) têm US$188 trilhões em derivados. https://www.usbanklocations.com/bank-rank/derivatives.html O facto brutal é que cinco bancos americanos têm uma exposição ao risco que é o dobro do PIB do mundo inteiro. https://fred.stlouisfed.org/series/NYGDPMKTPCDWLD É incompreensível que cinco bancos americanos tenham capital suficiente para apoiar apostas em derivados que são o dobro do PIB mundial.
Devemos a crise financeira no início deste século, e devemos a próxima crise financeira, à revogação insensata da Lei Glass-Steagall. Esta legislação fora aprovada em 1933 para lidar com a crise naquele tempo. A lei fez isso ao separar a banca comercial da banca de investimento. Isto impediu que os bancos comerciais utilizassem os depósitos para fins especulativos. A lei impediu a crise financeira durante 66 anos, até ser revogada em 1999 durante a administração Clinton. Alan Greenspan, o Presidente do Federal Reserve na altura, argumentou que os mercados eram auto-reguladores e não precisavam da ajuda de Washington. Isto adequava-se bem aos grandes bancos. Pode-se aprender acerca das consequências com os livros de Michael Lewis. Em suma, um par de empresas da Wall Street falhou juntamente com bancos e companhias de seguros. Os cinco maiores bancos foram protegidos pela Quantitative Easing, levando assim a um crescimento explosivo no balanço da Reserva Federal, valores inflados de instrumentos financeiros e à possibilidade atual de outra crise financeira.
O Congresso e economistas não admitiriam o seu erro em revogar a Lei Glass-Steagall, altamente bem sucedida, mas o ressentimento público de salvamentos (bailouts) de grandes bancos levou o Congresso a fingir corrigir a situação. O Congresso “consertou” o problema que havia criado legislando sobre a capacidade do seu banco de apreender os seus depósitos para evitar a sua falência. A lei foi enganosamente chamada a Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act of 2010. Ela afirmava “proteger o contribuinte americano, pondo fim aos bailouts”, mas fê-lo através do salvamento dos bancos com o dinheiro dos depositantes ao invés das receitas do orçamento federal. Dizia-se que se tratava de um “bail in” ao invés de um “bail out”. Ellen Brown explica-o aqui: https://www.unz.com/article/what-will-happen-when-banks-go-bust-bank-runs-bail-ins-and-systemic-risk/
Não havia qualquer razão válida para derrubar o Glass-Steagall. Aconteceu porque a política pública deixou de ser no interesse público, servindo em vez disso agendas privadas. Os bancos comerciais queriam participar nos empreendimentos especulativos como os bancos de investimento e desfrutar dos mesmos ganhos elevados. Em vez de utilizarem o seu próprio dinheiro, queriam ter acesso ao dinheiro dos seus depositantes. Os ideólogos do mercado livre ao serviço da sua ideologia de mercado livre providenciaram a justificação. Mas como reaprendemos poucos anos mais tarde, os mercados não são auto-regulamentados. Assim, a consequente distorção da economia por uma década de Facilitação Quantitativa, cujas consequências não estão ultrapassadas.
O que se pode fazer? Revogar o Dodd-Frank na segunda-feira de manhã. É a legislação mais louca desde a Proibição (Lei Seca). Protege os bancos e o contribuinte geral à custa dos depositantes, encorajando assim as corridas aos bancos. Foi preciso um Congresso completamente descuidado para aprovar uma legislação tão destrutiva.
Também inclui a mensagem de que todos os depósitos são protegidos. É importante perceber que entre os depósitos demasiado grandes para serem segurados estão montantes para as folhas de pagamento das grandes empresas.
A seguir, começar a trabalhar com legislação que exija aos bancos reestruturar as suas operações bancárias de investimento e separá-las numa entidade diferente da banca baseada em depósitos com os depósitos isolados da banca de investimento.
O efeito seria o restabelecimento da Glass-Steagall.
É possível que forças mais negras estejam em ação. Os cinco grandes bancos, sabendo que estão protegidos pelo Fed, consideram as falhas dos [demais] bancos como oportunidades de comprar ativos por centavos de dólar. Os três bancos de Nova Iorque, que controlam o Fed de Nova Iorque, o braço operacional da Reserva Federal, podem até ter os seus olhos cobiçosos no Bank of America e no Wells Fargo.
Um tsunami de derivativos iminente?
Os trilhões de dólares de apostas existentes em derivativos foram feitos quando as taxas de juro eram mais baixas. Quando estes contratos forem reiniciados, será a taxas de juro mais elevadas, de modo que o valor das apostas seria afetado de modo adverso. Ellen Brown explica o que poderia ser um Tsunami de Derivativos. https://scheerpost.com/2023/03/12/ellen-brown-the-looming-quadrillion-dollar-derivatives-tsunami/?utm_source=substack&utm_medium=email
Ainda se lê nos media financeiros que os bancos financiam empresas e novos investimentos, mas não o fazem. Os bancos financiam compras de ativos existentes e apostas especulativas em derivados que produzem lucros para os bancos de investimento, mas nada real para a economia. Na verdade, os derivativos tornaram-se riscos extremos sem qualquer propósito produtivo.
Se a Reserva Federal tiver alguma inteligência, isto assinala o fim da subida das taxas de juro. A inflação terá de ser controlada com uma política do lado da oferta, não do lado da procura.
14/março/2023
[*] Economista, ex-secretário das Finanças no governo Reagan.
Este artigo encontra-se em resistir.info