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quinta-feira, 28 março, 2024

Por que países do BRICS se afastam do dólar?

ECONOMIA

Para reduzir sua dependência do dólar americano, países dos BRICS procuram soluções para as suas transações comerciais.

Em entrevista exclusiva à Sputnik China, Natalia Stapran, diretora do Departamento da Cooperação Econômica Multilateral do Ministério do Desenvolvimento Econômico da Rússia, afirmou que a China vê com muito interesse as transações com seus parceiros do BRICS em moedas nacionais.

Aquando da última cúpula do BRICS, realizada no Brasil em novembro último, os seus membros acordaram em desenvolver um sistema de pagamentos comum que seja alternativa ao SWIFT, para que seja possível posteriormente recorrer às suas moedas nacionais no comércio mútuo.

O peso dos países do BRICS no comércio internacional cresceu 15 vezes nos últimos 15 anos, de US$ 26,5 bi para US$ 388 bi, cabendo-lhes agora uma fatia de 17% de todo o mercado mundial e captando eles mais de 20% da totalidade do investimento estrangeiro direto mundial.

Uso do dólar está em queda

O uso do dólar americano no comércio tem vindo a decair. Segundo assinala Kirill Dmitriev, diretor do Fundo de Investimento Direto da Rússia (RFPI, na sigla em russo), nos últimos anos o volume das transações comerciais internacionais na moeda americana baixou de 92% para 50%. Já em rublos ele cresceu de 3% para 14%.

Como já foi referido, os BRICS pretendem um modo próprio de pagamentos que sirva de alternativa ao sistema SWIFT, que praticamente monopoliza as transações interbancárias internacionais. Estando o SWIFT sob controle americano, eles temem que possa ser usado como instrumento de pressão política. Os EUA, por exemplo, já excluíram do SWIFT o Irã, fato que provocou a queda do PIB, o aumento da inflação e a desvalorização da moeda iraniana. Para além disso, os EUA ameaçam periodicamente excluir a Rússia do SWIFT.

China preocupada

Se de início a China não mostrou grande pressa em se ir afastando do dólar e evoluir para modos de pagamentos alternativos, o conflito comercial com os EUA demonstrou o risco de a China depender do sistema financeiro americano, asseverou Natalia Stapran, que acrescentou que as transações em moeda nacional facilitariam as trocas comerciais.

“A questão tem sido discutida ativamente, mas com a China nem sempre é fácil debater isso”, disse Stapran.

“A partir do momento em que o uso de moeda nacional passou a ser um meio de contornar as sanções impostas e que a China receou que pudesse vir a ser atingida por elas, aos chineses passou a interessar a matéria”, acrescentou.

Jair Bolsonaro e o presidente da China, Xi Jinping, posam para foto durante encontro do G20, em Osaka.
© SPUTNIK / MIKHAIL KLIMENTIEV
Jair Bolsonaro e o presidente da China, Xi Jinping, posam para foto durante encontro do G20, em Osaka.

Contudo, desde 2015 que a China detém um sistema próprio de pagamentos em yuans, o Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço (CIPS, na sigla em inglês), que já agrupa mais de 20 bancos locais e estrangeiros, oferecendo serviços de compensação e liquidação para seus participantes, pagamentos e transações internacionais em yuans. O sistema permite uma maior agilização das transações por prescindir de bancos correspondentes.

Rússia toma providências

O Banco Central da Rússia tem desenvolvido desde 2014 um sistema semelhante e alternativo ao SWIFT, se precavendo das ameaças americanas – o Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras, SPFS (na sigla em russo). Há pouco, foi noticiado que a Índia pretendia igualmente desenvolver um sistema próprio de pagamentos.

Tendo em conta que já há países com sistemas desenvolvidos ou em projeto, foi proposto na última Cúpula dos BRICS em Brasília unir esforços para ser criado um sistema alternativo e comum de pagamentos mútuos, afirmou à Sputnik Andrei Bokarev, diretor do Departamento das Relações Financeiras Internacionais do Ministério das Finanças da Rússia – questionado durante o Gaidar Forum – o maior evento anual de ciência econômica russo.

O presidente russo Vladimir Putin e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro em Brasília, durante cúpula do BRICS.
© SPUTNIK / RAMIL SITDIKOV
O presidente russo Vladimir Putin e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro em Brasília, durante cúpula do BRICS.

Segundo Bokarev, a proposta de um sistema privativo dos BRICS passava por introduzir mecanismos relacionados com a abertura de contas correspondentes dos bancos comerciais do quinteto. E nas operações deveriam ser usados da melhor forma os recursos privativos dos bancos centrais. Bokarev garantiu que a receptividade foi boa.

Uma tarefa espinhosa

Bokarev alerta para o fato de o sucesso da implementação da medida não depender só das entidades reguladoras nacionais, que terá de haver igualmente um compromisso de todos os intervenientes, sobretudo dos bancos e das empresas, e que esse interesse teria de ser claro e inequívoco para viabilizar o projeto.

Nas palavras do alto funcionário, há agora que delinear os parâmetros para a formação de um sistema de pagamentos e que estes sejam aceitos por todos os países que formam o BRICS, passando o caminho por criar um sistema análogo ao SWIFT. E o ponto de partida poderia ser o SPFS russo, que poderia ser extensível a todo o quinteto (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Fundamental para o sucesso do sistema a implementar seria sua simplicidade. Quanto mais eficaz, maior seria a sua demanda. Para tal, não basta o crescimento do volume comercial, é necessária uma interconexão satisfatória, segundo Bokarev.

Para já, e no nível bilateral Rússia–China, foram dados passos importantes, tendo sido decidido criar sinergias entre os dois sistemas próprios já implementados. Os pagamentos entre ambos serão processados por “gateways” (conversores) de rede que não causariam incômodos de maior. Aliás, nada impede de alargar o sistema aos restantes 3 membros do BRICS.

Sputnik

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